Valendo-se do fato de que praticamente ninguém tem tempo e paciência para analisar dezenas de artigos científicos, em diferentes idiomas, e fazer a “prova real” sobre seus cálculos, estudos científicos têm sido utilizados há décadas para manipular a opinião pública em todo o mundo sobre as estatísticas de abortos clandestinos. Não por acaso, são estudos financiados por uma indústria que lucra milhões anualmente com o mercado de abortos.
Tanto no Brasil quanto na Argentina, as principais estimativas de abortos usadas pela mídia e no debate político advém da famosa metodologia AGI (Alan Gutttmacher Institute), publicada por Singh e Wulf em 1994.
Em suma, consideram que 25% dos abortos são espontâneos enquanto na verdade os abortos espontâneos correspondem a algo entre 70 e 88% (segundo confirmam mais de 10 estudos de grande porte). Depois multiplicam o suposto número de internações pós-abortos clandestino por cinco, no Brasil, e por 6,8 na Argentina, considerando que a cada 5 que abortam 1 é internada; ou a cada 6,8 que abortam 1 é internada. Contudo, pesquisas publicadas por militantes da legalização do aborto contradizem esse dado, indicando que metade das mulheres que abortam clandestinamente precisam ser internadas, ou seja, no máximo se deveria multiplicar por dois o número de ‘internações pós-aborto clandestino’. Corrigindo os cálculos, com base nos apontamentos que fiz em um estudo em 2017 e mais recentemente no livro Precisamos falar sobre aborto, vimos que a metodologia AGI superestimou em 10x o número de abortos no Brasil. Na Argentina, o estudo superestima ainda mais, afinal chegaram em uma estimativa de abortos clandestinos de 446 mil ao ano. Se fossem feitas as correções que mencionamos acima, na metodologia AGI, na Argentina, teríamos uma estimativa variando entre 38 e 40 mil abortos clandestinos e não 446 mil. Ou seja, 14 vezes menos. Não consegue acreditar?
Alguns podem se assustar ou até relutar em acreditar que estudos científicos tenham sido publicados e venham sendo utilizados, há décadas, contendo erros tão graves. Mas a história da legalização do aborto ao redor do mundo mostra que a mentira faz parte do jogo.
Na Inglaterra, em 1966, estudos defendidos por partidários da legalização do aborto projetavam que ocorreriam 250 mil abortos ilegais ao ano; após a legalização, o número de abortos legais verificado foi inferior a 30 mil, mostrando que as projeções haviam estimado quase 10 vezes mais (Gentles, I. 1990, p. 111-112). Hoje,
após a incidência no número de abortos ter aumentado 599% no Reino Unido a cifra ainda está abaixo de 200 mil ao ano, provando cabalmente que as projeções eram falsas.
No Canadá, projetavam 100 mil abortos antes da legalização. Somente duas décadas após a legalização, com número subindo a cada ano, que o Canadá registrou a incidência de 100 mil abortos ao ano. No primeiro ano após a legalização no Canadá foram registrados 11 mil abortos.
Existem diversos outros exemplos que poderíamos citar, comparando projeções de abortos ilegais versus primeiros anos do aborto legal, como Portugal, Uruguai, Estados Unidos ou México-DF. Em todos os casos as projeções antes da legalização eram menos 5 a 10 vezes maiores do que a quantidade de abortos ocorrida nos primeiros anos após a legalização.
Depois de legalizar o aborto baseando-se em estimativas falaciosas alguns ainda tentam sustentar que teria sido a legalização do aborto a responsável pela inibição da prática. O governo do Uruguai,
no relatório de 2013 chegou a comparar os 7.171 abortos realizados legais no primeiro ano após a legalização, com os 33 mil abortos estimados em projeções da militância pró-aborto. Queriam sustentar que a liberação da prática teria um efeito inibidor instantâneo na conduta das pessoas, capaz de reduzir 4,6 vezes o número de abortos de uma hora para a outra. E sem qualquer campanha de conscientização contra o aborto, mas pelo contrário, com a facilitação do acesso ao aborto e sua regulamentação. No relatório de 2016 eles retiraram a comparação com os 33 mil abortos estimados. Provavelmente a mentira não colou.
O gráfico acima é ilustrativo e visa mostrar a “lógica” esperada pelos militantes pró-aborto. Utilizados os números aproximados da Inglaterra.
As contradições são tão evidentes que poderia ter sido desnecessário todo o empenho que tive para avaliar as fragilidades e incoerências dos trabalhos de pesquisadores da causa da legalização, que são bem financiados por ONGs e institutos vinculados à indústria do aborto. Tanto a lógica dos argumentos quanto a história recente da pauta do aborto deveriam ser mais do que suficientes para dar conta de encerrar este assunto e fazer com que as pesquisas de militantes pró-legalização fossem completamente desconsideradas em qualquer debate sério. Lamentavelmente, não é isso que acontece.
Referências:
Singh e Wulf, 1994). Estimated Levels of Induced Abortion In Six Latin American Countries. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/271805651_Estimated_Levels_of_Induced_Abortion_in_Six_Latin_American_Countries> Acesso em 20 out. 2017.
Derosa, 2017. Estimativa de número de abortos no Brasil. Estudos Nacionais.
Marlon Derosa, Estimativas de números de abortos no Brasil. In: Derosa (org.), 2018. Precisamos falar sobre aborto – Mitos & Verdades, Cap. 6.
Gentles, I. 1990. A Time to Choose Life: Women, Abortion and Human Rights. Stodart. 247 p.
Pantelides, EA., Mario, S. Morbidad materna severa en la Argentina: estimación de la magnitud del aborto inducido.
Administrador, editor de selos editoriais, master em Bioética pela Jérôme Lejeune, doutorando em bioética Apra/Itália, autor dos livros Números abortados: A manipulação das estatísticas de aborto no Brasil e no mundo; "Abortos forçados", "Abortos ocultos" e organizador/coautor do livro "Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades".
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