A reviravolta ideológica mundial que estamos observando a partir da vitória de Donald Trump para a presidência dos EUA é um recado mais significativo do que imaginamos. Depois de ver as vitórias da direita como “acidentes de percurso” e ameaças contra a paz mundial, a elite globalista parece estar cedendo ao discurso conservador ou, ao menos, concedendo um aparentemente inesperado espaço para a crítica. Com isso, muitos conservadores parecem otimistas, embora uma parcela veja com desconfiança a mudança de rumo. A mais suspeita dessas reviravoltas foi a de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, cujas ideias políticas ninguém sabia ao certo até agora. Durante a pandemia, o bilionário se manteve submisso às agendas de controle e censura da informação para proteger o discurso oficial. Depois da vitória de Trump, porém, Zuckerberg anunciou a rejeição à agenda woke e à parceria com agências de checagem. Ao mesmo tempo, figuras malditas para conservadores, como Bill Gates, tem se aproximado de Trump numa possível visão de parceria. O que estaria por trás dessa mudança?
Uma das respostas possíveis está na consciência de que o ideário de direita, em crescimento em todo o mundo, possa representar uma melhor viabilidade para projetos de controle tecnológico, como os que envolvem a Inteligência Artificial. O que indica isso é a movimentação das big techs, mas também o novo ânimo de Trump a investidores de tecnologia baseada no controle. A adoção de um discurso culturalmente conservador traz muitas vantagens para a penetração nas massas e validação política de projetos de controle. Muito mais do que as velhas ideologias de esquerda já em franca decadência.
Pode-se fazer uma reflexão mais ampla, dizendo que o globalismo, ao buscar suprimir as fronteiras no Pós-Guerra, acabou reforçando as diferenças e trouxe de volta o nacionalismo mais exacerbado e ressentido pautado por uma justificada autodefesa. Não seria isto tudo proposital? O fato é que a esquerda já há algum tempo percebeu que isso está ocorrendo e vem se preparando para tirar vantagem deste novo cenário.
Nos últimos dias, postei aqui sobre a dialética globalista e suas fontes bastante credíveis na linha da multipolaridade, hoje apresentada como concorrente do globalismo. O sistemismo globalista parece oferecer ao mundo o seu próprio anti sistemismo, perfeitamente integrado numa marcha civilizatória que conduz a um termo final. Este termo final, sobre o qual já falamos, representa a “quinta revolução”. Mas esta é outra história.
Como demonstramos recentemente, a popularidade das criptomoedas entre conservadores anti sistêmicos representa parte substancial desse engodo programado. É evidente que a moeda digital oferece um controle muito maior sobre a economia do que os monitoramentos mais ousados da China comunista, país que parece avançar formidavelmente neste sentido ao criar uma nova ferramenta de inteligência artificial. Enquanto conservadores estão animados com Trump, ele não apenas dança o hino gay na sua posse como articula a entrada do Tik Tok nos EUA, um aplicativo que além de ser suspeito de monitoramento chinês, é uma ferramenta útil aos pedófilos e predadores sexuais por ser uma rede social especialmente usada por adolescentes. Parece que a vitória de Trump foi uma contrapartida.
Ao contrário do que boa parte da direita parece acreditar (ou fingir acreditar), a tecnocracia global pode estar avançando mais rápido do que teria feito com as mãos da esquerda cultural e financeira. Já nos primeiros dias de governo, Trump fez um aceno a velhas utopias globalistas que pareciam abandonadas. Mas por que os globalistas que usaram a plataforma da esquerda culturalista e do marxismo cultural até agora precisariam mudar de discurso?
O incômodo com a narrativa de direitos humanos e individuais
É fato que a pandemia escancarou o desejo de controle e monitoramento por parte da elite financeira e sanitarista. Mas isso soou extremamente incômodo para aqueles financistas e fundações globais que historicamente viam a si mesmas como promotoras da liberdade e direitos individuais, trazidos como legado da Revolução Francesa, matriz revolucionária da Modernidade e evoluída a partir do culturalismo pós-moderno que experimentou um processo de saturação.
A solução para isso jamais seria oferecer mais liberdade para posar de boa figura, pois isso já não pode ser sustentado junto do anseio por mais tecnologia. Seria necessário adequar o discurso para conciliar, simultaneamente, a nova onda conservadora com os anseios por controle e monitoramento da vida. A história das sínteses revolucionárias é marcada pela recorrente adaptação de discursos frente às necessidades sociais observadas. Em suma, se o discurso de direita está sendo visto como o oprimido do momento, é nele que serão feitas as apostas.
A bancada da segurança pública e a Agenda 2030
Quem não se recorda da fatídica primeira viagem dos deputados bolsonaristas à China, logo nos primeiros meses de mandato de Jair Bolsonaro? Eles viajaram para negociar a importação da tecnologia de reconhecimento facial e isso os deixou em maus lençóis com seu eleitorado que era fundamentalmente anticomunista e, portanto, hostil à China. Naquela época, ainda havia certo constrangimento com isso. Mas essa mesma onda Bolsonaro, já envelhecida pela sucessão de derrotas, mantém projetos de ampliação do controle com a justificativa da preocupação com a segurança, parte essencial da ideologia policialesca e militarista brasileira, elemento psicológico historicamente indissociável da direita nacional.
Estes serão os primeiros a aceitar a Agenda 2030 se ela vir com aparentes valores “conservadores”, o que para eles significa punitivismo, perseguição e monitoramento.
O sucesso de ditadores proto-islâmicos como Nahyb Bukele, em El Salvador, tem causado grande impacto neste setor legislativo de parlamentares controlistas e policialescos que veem no crime e na imoralidade um mal a ser extirpado da sociedade exclusivamente por meio do controle social. De certa forma, Trump está surfando na mesma onda de saturação com a questão da violência a partir da mesma solução tecnocrática. Se Trump não pode ser acusado de privilegiar o islamismo em seu país (muito pelo contrário, por enquanto), o mesmo não se pode dizer da sua base eleitoral que ama Bukele, um ditador típico da Quarta Teoria Política, de Dugin. Bukele não diz que é muçulmano, mas seria um tipo de agnóstico. No entanto, seu pai é um dos principais imãs da região.
Estaria a direita da América Latina seguindo os mesmos passos da europeia, onde um bilionário muçulmano é o principal doador do partido do conservador Nigel Farage?
Basta fazer o somatório dos elementos que estão em ascensão: tecnocracia, inteligência artificial, controle e monitoramento da vida em nome da segurança e islã. A mistura tem tudo para ser explosiva com a participação da direita mundial, cada vez mais associada à Rússia e seus projetos expansionistas disfarçados de multipolaridade. E, como sabemos, o diálogo interreligioso também é um item indispensável para a nova Rússia.
E o nazismo?
A saudação de Elon Musk na posse de Trump certamente não foi um gesto nazista na forma como a esquerda gostaria. Mas também não tem nada de inofensivo como quer a direita. Como vimos em outra ocasião, Musk tem proximidade suspeita com a linguagem de comunidades supremacistas, além de já ter sido acusado de alinhar-se ao chamado “supremacismo aspie”, associado aos portadores da Síndrome de Asperger. Mas não para por aí.
Recentemente, Elon Musk participou remotamente da convenção do AfD (Alternativa para a Alemanha) partido declaradamente pró-Rússia que é acusado de flerte com o nazismo pela esquerda. É claro que as acusações esquerdistas soam mentirosas e exageradas nos olhares de conservadores acostumados às frequentes lacrações midiáticas. O que pouca gente está disposta a admitir, porém, é que a aproximação com a Rússia é o fator que realmente associa essa nova direita às velhas ideologias neopagãs e ocultistas que inspiraram o Nacional-Socialismo alemão, como creio já ter sido suficientemente demonstrado em O Sol Negro da Rússia.
Atualmente, em sua versão mais heideggeriana, a escatologia política que cresce na política europeia e norte-americana (assim como a brasileira) é a mesma presente nos debates internos de neonazistas do pós-guerra, quando inspirados nas obras de Heidegger, propugnavam não mais a supremacia ariana, mas a defesa da liberdade dos “povos da Terra”, não mais em defesa de uma civilização, mas de mil civilizações distintas e que deveriam ser respeitadas igualitariamente, por mais desumanas que possam ser suas práticas. É claro que uma narrativa desta atrai não apenas os direitos comunitários de grupos separatistas, como também os defensores das mais bizarras crenças e tradições ancestrais pagãs, satânicas e animistas, expressas sob uma linguagem de elogio às mais diversificadas “tradições dos povos”.
Em outras palavras, a multipolaridade, apresentada como solução contra o globalismo, é nazista na sua base, comungando das mesmas raízes do próprio globalismo.
As duas direitas
Diante deste cenário, os movimentos de direita parecem dirigir-se para uma divisão conforme o grau de apoio às teses revolucionárias oferecidas no mercado. Ambas as possibilidades veem o catolicismo de maneira incômoda ou estão indiferentes ao ele.
- De um lado, os simpáticos ao neofascismo e ao islã, com seu apelo à violência contra o mundo moderno, às tradições e governos ditatoriais, líderes populistas em “polos” imperiais, monárquicos e apoio às tiranias locais. Estes desprezam a Igreja Católica por ser exclusivista demais para com seus aliados das “religiões tradicionais”.
- De outro lado, os conservadores de matiz clássica e liberal, envergonhados dessa opressão toda, trilharão a defesa das liberdades individuais e os direitos humanos, aprendidos na velha escola globalista que já está sendo rapidamente abandonada pela elite. Esta segunda face se mescla com uma esquerda libertária, só em alguns pontos contrária às pautas dessa direita, e o financiamento de novas tecnologias e especulações cibernéticas que servirão de combustível para a elite globalista amplificar o controle. No aspecto religioso, só usam a doutrina católica se for expressada numa linguagem modernista, personalista e subjetivista, ainda que com matiz aparentemente conservadora desde que não os faça parecer radicais demais. Viúvos do marxismo cultural que aprenderam a adotar como linguagem, se tornarão a nova esquerda identitária que clamará no deserto contra a “opressão das elites”.
Ou seja, os globalistas pretendem recriar uma direita que funcionará de repositório de ideias tirânicas e anti sistêmicas, que serão perseguidos quando exagerarem, enquanto alimenta com ideias libertárias uma outra com quem conciliará migalhas de vez em quando. Ambas servindo de teatro das tesouras da verdadeira elite satânica que tem como único verdadeiro adversário a Santa Igreja Católica, a favor da qual quase ninguém deseja lutar fielmente, seja por indiferentismo “tradicional”, seja por vergonha de parecer carola.
É possível elencar um sem número de problemas decorrentes dessas opções das duas direitas, principalmente para os católicos. As alianças estratégicas e ou provisórias com muçulmanos, por exemplo, deixam de lado a existência dos três tipos de atuação islâmica nos países não islâmicos. Há um comportamento quando ele é minoritário, outro quando é dividido, e outro quando se torna majoritário. Neste último caso, a morte de “infiéis” (não islâmicos) não é uma alternativa, mas uma obrigação. Estes conservadores certamente estão alimentando o crocodilo na esperança de serem devorados por último.
Os mártires certamente fazem florescer a Igreja e povoam os céus, mas aqueles que o provocam com sua colaboração têm outro destino.