Hoje vemos uma geração de jovens profundamente cínica, niilista e autodestrutiva, consequência de uma geração de adultos hedonistas, indiferentes e, por isso, tíbios e fracos. Mas a manifestação desta autodestruição tão aparente na juventude não está apenas no estereótipo infelizmente já comum da sexualização, das drogas e da consequente automutilação vista até em crianças – alegada preocupação de tantos psicólogos pelo fruto maduro de suas próprias teorias – mas, muitas vezes, está naquela vida adolescente vista pela grande maioria como saudável, natural e até previsível, como se fosse impossível, em nossos dias, levar a cabo algum tipo de preservação da inocência, já nem mais verossímil para muitos. Tudo isso está expresso num entretenimento iniciado a partir da abertura imprudente de portas verdadeiramente malignas ao imaginário infantil.
Onde terminará esse sonho de pseudo-erudição senão numa cada vez mais profunda incompreensão das verdades do cristianismo? Como evitar isso nos nossos filhos?
Em nosso tempo, os ídolos da juventude e da infância há muito tempo deixaram de ser os heróis virtuosos do passado, muito menos os santos. Mas uma certa corrente de educação que se deixou influenciar pelo mercado do entretenimento achou que seria uma boa ideia encarnar as virtudes dos santos católicos nos heróis da mitologia e, destes, nos super-heróis da fantasia ou personagens ficcionais igualmente fantásticos. Há por toda a parte influenciadores católicos advogando livremente o consumo de obras abertamente satânicas e neopagãs, fazendo isso sob sofisticados pretextos, mas que apenas lhes servem de propaganda de erudição. Entorpecidos que estão por suas vaidades, nem mesmo possuem mais a capacidade de julgar moralmente seus atos, de maneira que todo o mal que eles veem só pode aparecer sob a forma da ignorância, representada evidentemente por adjetivos como carolismo, radicalismo religioso, fundamentalismo e outros termos depreciativos contra católicos e quaisquer críticos das suas pomposas imprudências morais travestidas de conhecimento. Isso, porém, ainda seduz muitos católicos ingênuos.
Nos anos 80 e 90, embalados pela popularidade da literatura fantástica de autores como Tolkien, mas também Robert Howard e Edgar Alan Poe, Lovecraft e H. G. Wells, o cinema passou a se ocupar desse fantástico mundo que tomou de assalto os quadrinhos. Era uma novidade maravilhosa diante de olhos acostumados a ler e imaginar as cenas das intrincadas tramas de Arthur Conan Doyle, de repente ver um homem com roupas coloridas levantar um carro, como mostra a icônica capa da primeira edição de Detective Comics (DC). Os primeiros quadrinhos de super-heróis inspirava-se naquele imaginário de homens notáveis que combatiam o crime. De onde vinha esse imaginário? Das tramas policiais, mas, antes, da literatura de Cavalaria do Romantismo e, mais distantemente e não menos como essência, da mitologia grega resgatada pelos intelectuais humanistas e inserida, com toda a sua pompa, na educação dos mais jovens, que cresciam dentro de um molde já muito distantemente influenciado pelas virtudes de santos. O século XIX, devidamente secularizado pelo cientificismo e humanismo, só poderia retornar à mística pelo caminho conhecido do paganismo e do esoterismo que dominava a imprensa desde a Revolução Francesa. As histórias de santos e uma educação autenticamente católica se desenvolveu, paralela e marginalmente, associada à piedade popular e até mesmo ignorante das “coisas do espírito”.
O século XX, assim, encontrou naquele caldo imaginário, o que precisava para a construção de produtos para serem vendidos em sua revolução industrial. O heroísmo, a façanha aventureira, o faziam com uma tal violência de maneira a seduzir os sentidos e vender produtos cada vez mais delirantes. O delírio foi o critério decisivo para o consumo numa época em que os produtos criados pareciam ser mais numerosos que os consumidores. Do critério da necessidade, que antes guiava o consumo de bens materiais e imateriais, converteu-se o do desejo, sinal subjetivo e facilmente manipulável. É este, e não outro, o lastro histórico do atual anseio por “direitos”. Direitos de usufruir, de consumir e de aproveitar.
Se vimos o recurso dos heróis da mitologia serem transformados em super-heróis, hoje vemos, naturalmente, o recurso dos vilões, muito mais apetitosos à sede de violência e vingança contra o mundo moderno. Em pouco tempo, já nos filmes em que os heróis eram enaltecidos, os vilões se tornavam objeto de admiração e atração. Era tudo uma questão de tempo para que, entre os heróis surgisse um meio termo, o anti-herói, que favorecia o mal dentro de uma aparência de bem. Chega, então, o vilão como personagem principal. Tudo isso num mundo em que, mesmo o menos influenciado pelos fanatismos antimodernos ou antitradicionais, está o católico médio, apenas batizado, que crê na necessidade de constante adaptação e atualização aos interesses do mundo, num suposto “metacristianismo”. Onde entram as crianças nisso? Como vítimas que logo serão os algozes.
Se o deus pagão do trovão, Thor, já era adorado em lugar de São Bonifácio, o apóstolo da Alemanha que derrubou com um machado a árvore em que se adorava o deus nórdico para construir uma Igreja da sua madeira, nada mais natural que se operar no imaginário uma nostalgia do tempo pré-cristão, que na realidade foi o reduto da violência bárbara. Quem diria que, após os filmes de super-herois, o cinema também produzisse filmes próprios para os vilões? Depois de Thor, o filme de seu irmão Loki. Depois do Batman, o filme do Coringa. Mas se isso foi possível, é porque já no culto daqueles heróis havia uma semente.
Antes do cinema, a literatura, a música, tudo favorecia o paganismo em lugar do cristianismo, um processo iniciado na educação já há muito tempo, como bem denunciou o Monsenhor Joseph Gaume, no seu clássico O verme roedor, escrito em 1851.
Se é verdade o que nos diz o Salmo 95,5, “Omnes dii gentium dæmonia” (todos os deuses dos pagãos são demônios), a adoração de Thor pelos jovens só poderia levar à adoração de Loki, seu irmão mau. Um abismo segue-se a outro e outro…
A invenção da infância para o consumo
Um século depois da denúncia dos males do paganismo na educação, pelo Monsenhor Gaume, outro alerta começava a ser feito entre os católicos. Em 1954, Plinio Corrêa de Oliveira analisava o conteúdo e previa o desenvolvimento da literatura infantil e as imagens geradas nas mentes das crianças com os novos entretenimentos.
Ao analisar a cena abaixo, de Cinderela, da Disney já daquele tempo, num texto intitulado O Maravilhoso, o real e o horrendo na literatura infantil, Plinio Corrêa discorre:
“Em princípio, o que se oferece à criança deve tender a amadurecê-la, sob pena de não ser inteiramente são. Ora, nesta composição há certas simplicidades, deliciosas para olhos de adultos como interpretação delicada da fantasia infantil, mas não ajudam essa maturação. Alguma coisa no cocheiro, no lacaio, na estrutura do morro e dos edifícios dá idéia de coisa feita, não só para crianças, mas por crianças”.
Houve um tempo em que as crianças mantinham-se sob certa vigilância quanto ao que viam e imaginavam. Tal cuidado, porém, que vai muito além de um período Romântico ou medieval, foi relegada a terceiros quando a indústria do entretenimento reinventou a infância através da catalogação de seus produtos. A partir de certo momento, que coincide com o surgimento do culturalismo e dos chamados estudos culturais, a criança passou a ter produtos próprios, imagens próprias e uma imagem própria de vida ideal, cada vez mais associada ao lazer e ao prazer da vida. Antes dessa época, tudo o que ela consumia servia para prepará-la para ser grande e conhecer os riscos e responsabilidades da vida adulta de acordo com a sua capacidade infantil de apreender. De repente, no entanto, foi como se toda criança conquistasse um “direito” ao divertimento despreocupado, dito lúdico, cuja definição ganhou complexos termos acadêmicos e psicologistas.
Não podemos deixar de fora, aqui, que um dos mais importantes elementos dessa reconstrução da imagem da infância sofreu grande influência do senhor Sigmund Freud, cujas origens religiosas já mencionamos aqui.
Mas analisando os quadrinhos já dos anos 50, Plinio Corrêa de Oliveira faz uma impressionante previsão daquilo que ocorreria nas décadas seguintes, talvez até de maneira otimista se olharmos a decadência atual. Se bem que o autor de Revolução e Contra-Revolução já havia alertado para o estágio final dessa obra demoníaca na qual teria lugar nada menos que a adoração do próprio demônio.
“Vem depois a literatura malfazeja.
Apresentamos um exemplo entre mil. Murros, tiros, assaltos, agressões, vibração exagerada, narração melodramática, corre-corre, sangue, morte, “super-homens” que voam, que transpõem muralhas, que manipulam raios: toda uma sinistra e ridícula contextura de inverossimilhanças, de crueldades, de grosseiros artifícios de sensacionalismo. E isto não é uma história só: é todo um gênero “literário” que enche páginas inteiras de revistas, revistas inteiras avidamente seguidas pelas crianças.
Que horizontes assim se abrem para a infância? Os do crime. Que prazeres? Os da excitação nervosa tendente em certos casos quase ao delírio. Que ideais? Os da força bruta, e da vida de aventura sem eira nem beira.
Com isso não se forma um homem, e muito menos um cristão. O produto próprio desta literatura é o neobárbaro…”
Hoje a adoração do demônio se dá pelo culto aos monstros, também previsto por Plinio Corrêa como iniciado no filme ET, o Extraterrestre, obra que entre outras coisas também é uma blasfêmia do Sagrado Coração de Jesus. Em toda a parte, brinquedos e produtos audiovisuais voltados à infância trazem monstros, criaturas diabólicas, que não teriam talvez nenhum lugar no apreço infantil se não fosse o concurso imprudente das doses exageradas de mitologia grega em tenra idade e de uma excessiva carga fantástica de uma literatura que teve suspeitas inspirações.
A imprudência de pais e professores, que tenha levado à perda da inocência e morte de vocações, será evidentemente cobrada no Dia do Juízo. Não foi por acaso que Nosso Senhor recomentou, aos que escandalizassem os pequenos, que quer dizer matar a graça neles, era preferível que se amarrasse uma pedra e jogasse em um rio, que significa a morte eterna.