Há uma diferença substancial entre a meta final de uma ideologia e o seu discurso, que de maneira mais superficial podemos chamar de narrativa e, ao final do processo, seus slogans. Ater-se aos slogans é unicamente reagir a estímulos quase físicos e últimos do processo persuasivo. Da mesma forma, ater-se somente à ideologia e sua meta final, é deixar de lado todos os meios pelos quais essa ideologia irá alcançar seus objetivos. Ambas significam nada menos do que pedir para ser enganado e entrar na fila duas vezes. Não há, neste assunto, desculpa para um foco exclusivo em um dos aspectos. Mas, ao que parece, o mesmo mal tão denunciado por Olavo de Carvalho na opinião pública brasileira tomou grande parte do fruto do seu trabalho, hoje representado por todo um “mainstream” de analistas espontâneos, políticos por acaso ou influencers por coincidência, que tentam imitá-lo na superfície, em slogans e trejeitos, acabando por inverter, uma a uma, todas as suas principais recomendações de estudo e análise da realidade.
Sobre a análise da geopolítica contemporânea, os ditos conservadores perdem de lavada para os discípulos de Alexander Dugin, que colhem como uvas maduras apoiadores da esquerda e da direita para a sua causa, que é a causa da Rússia, das ideologias de terceira posição e, em última análise do já nem tão discreto processo de descristianização do conservadorismo que terminará na sua islamização. Um dos tópicos disso é, certamente, a vitória de Donald Trump.
No discurso da esquerda internacional, a primeira eleição de Trump, em 2016, foi entendida como um dos elementos de ruptura da ordem vigente através de um movimento visto como “perigoso”. Da mesma forma, encaixou-se nisto o Brexit e, mais adiante, o bolsonarismo no Brasil. O que parecia contar com elementos de espontaneidade popular, baseado num cansaço com as agendas de esquerda em todo o mundo, foi aos poucos sendo apropriado por aqueles que detinham os meios de narrativa. Não há como creditar as vitórias conservadoras a alguma superioridade intelectual, estratégica ou tática proveniente dos conservadores, já que estes estavam há décadas alijados desses meios de ação. Sobra, então, a velha esquerda, os grupos que ocuparam a mídia e o meio acadêmico, assim como os agentes russos conscientes deste processo e desejosos de aproveitar-se dele. Ao mesmo tempo, foram os globalistas que vieram empoderando, por exemplo, grupos islâmicos em todo o Ocidente a partir de narrativas como a islamofobia etc. Ou seja, há muitos agentes históricos interessados num retorno à estética tradicional e antiocidental, para que sonhemos ter sido obra de conservadores. Ora, se não foram os conservadores que construíram a atual situação, como é que seriam eles a obter alguma vantagem disso?
É claro e evidente que se trata de uma nova construção narrativa, um resgate do anti sistemismo originário do globalismo. E este impulso foi dado principalmente durante a Pandemia, quando a entrada de pautas como a liberdade de expressão, de consciência e religiosa, entrou forte no seio da mentalidade conservadora. Essas pautas, fundamentalmente revolucionárias, passaram a fazer parte do jargão conservador de maneira ainda mais forte do que já vinha sendo. Neste meio conservador, entraram uma infinidade de influencers oriundos da própria esquerda, libertários, terapeutas holísticos, espiritualistas etc, de maneira que os velhos conservadores, de índole tradicional e católica, acabaram adaptando seu discurso ao anti sistemismo puro e simples. Mas qual é o sistema a que os conservadores de fato se opõem?
Parece evidente que todo esse movimento caminha para prejudicar pautas como a Agenda 2030, do controle utilitário da vida humana, da homogeneização totalitária da saúde e da economia, da política e dos discursos. No entanto, seria preciso averiguar melhor qual é a pauta que se desenvolve de maneira menos direta e ostensiva, nos meios acadêmicos, nos meios literários, na filosofia e na geopolítica. É evidente que toda essa oposição ao globalismo ocidental será utilizada apenas em benefício da agenda multipolar, etapa ainda mais igualitária do globalismo anterior, capitaneado pela Rússia nas mãos de Putin e sob a regência das ideias que Alexander Dugin e a sua colcha de retalhos ideológica.
Putin, e não Trump, sairá fortalecido a partir de agora. Não porque ele vencerá o globalismo, mas justamente porque está em suas mãos o bastão da nova ordem, da conjuntura multipolar que nada mais é do que uma reedição do globalismo igualitário, da revolução que deseja empoderar todas as religiões, exceto o catolicismo e, principalmente e afinal, o islamismo no ocidente.