Um dos temas da primeira edição da revista Regina Milites, publicada no próximo dia 29 de setembro, dia de São Miguel Arcanjo, é a questão da Educação Clássica, muito em moda entre educadores católicos conservadores como alternativa ao sistema de ensino atual. A revista tratará de maneira aprofundada sobre uma certa ingenuidade dos defensores da tal educação e qual a natureza histórica dessa opção, tendo em vista a alegada superioridade dela em relação à educação moderna. Falemos aqui resumidamente sobre o tema a título de introdução ao texto da revista.
Uma das perguntas que precisam ser respondidas é: até que ponto a Educação Clássica oferece mesmo uma resposta para a degradação moral e educacional em que vivemos?
Este é um tema que necessita de certa humildade e sinceridade interior para lidar, virtudes sem as quais se cairá em uma infrutífera revolta, fruto de uma convicção quase fanática de seus adeptos. Interferir nos hábitos e hobbies contemporâneos muitas vezes pode gerar grande tumulto entre os que se acostumam às modas do momento sem questionar, seja pelo consumo imprudente de entretenimentos ou da convicção de que as virtudes são alcançadas pelas obras de arte sem nenhum filtro ou, o que é mais comum, com um filtro feito de pressupostos errados e exageradamente otimistas sobre a modernidade.
A erudição cultural não pode ser considerada uma virtude em si mesma, isolada do conteúdo. Tampouco o estudo literário e o conhecimento a respeito das virtudes teoricamente consideradas poderia, por si mesmo, gerar uma prática de virtudes. Mas o problema vai além disso. Afinal, qual o lastro metafísico de todas as virtudes? E qual é o efeito de abstrairmos este lastro para as crianças ou adolescentes? A resposta é que o lastro passará a ser aquilo no qual colocamos o nosso foco, seja em um mito ou em uma linguagem.
A recente moda da educação clássica tem rivalizado, em um certo sentido, com a educação católica propriamente dita, criando certa polarização nos meios educacionais conservadores. Em alguns casos busca-se mesclá-las sob um proposto ecletismo, o que pode ser ainda pior. O lado católico, porém, raramente expõe as suas razões de maneira clara, já que a erudição e as grandes explicações intelectuais não são (e nem devem ser) a preocupação principal. Mas vemos que é preciso insistir numa tentativa de fazer alguns entenderem pela linguagem a que estão acostumados.
Não se trata aqui de explicar o que vem a ser a educação católica, pois seria longo demais. Basta dizer o que ela não é.
O culto às mitologias
Quando essas propostas focam em mitologias grega e romana, entre outras, expressas atualmente em versões cinematográficas e mesmo literárias como a mitologia nórdica e em obras como a de Tolkien, restringe-se o imaginário a uma reconstrução deste tempo, feita com intenções bem diferentes da original. Mas qual é a intenção original? Antes de sabermos sobre os mitos em seu próprio tempo, lembremos que eles chegaram a nós pelo projeto da modernidade, inaugurado pela classe dos humanistas da Renascença, cuja meta assumida era criar uma cultura universal ocidental sem a necessidade do cristianismo, visto como conjunto de superstições e obscurantismos. Ora, os iluministas, cujo projeto era a exclusão dos símbolos cristãos da sociedade isolando-os na esfera do subjetivo, propunham construir uma nova imagem das virtudes, vistas como atributos meramente sociais, razão pela qual privilegiaram o estudo da retórica nas tradicionais Artes Liberais. Era uma forma de abstrair as virtudes da sua origem cristã sem nega-la expressamente. Ainda nem estamos falando da mitologia em seu próprio tempo, a Antiguidade.
O princípio iluminista iniciava-se com Rousseau na ideia de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe.
Para que serve o cristianismo se a virtude é natural no homem e pode ser alcançada pela boa civilidade e cidadania? Esta é a pergunta natural que surge do estudo abstrato das virtudes. Formamos nossos filhos para serem meros cidadãos? Basta-os a leitura das virtudes através de obras de arte?
Se assim fosse, Nossa Senhora, em Fátima, não teria mostrado o inferno às crianças com o fim de fazê-las entender a urgência do mundo moderno. Ela não sugeriu leituras que os fizesse entender, cultural e psicologicamente, a importância de fazer o bem, mas mostrou-as o resultado de não o fazer.
A premissa da lentidão e da intermediação
A ideia de que é preciso trilhar um caminho lento de retorno ao cristianismo, sem ir direto aos seus próprios símbolos, mas por meio de simbolismos intermediários, pressupõe que o homem moderno não suporta mudanças radicais nem de vida. Mas será mesmo verdade? A adaptação da Igreja ao mundo é realmente o que as pessoas precisam e desejam? Basta ver o crescimento da apostasia após as mudanças teológicas que buscaram este “metacristianismo” para se ter uma resposta.
Com isso não se está negando a necessidade de uma cultura que abrigue e receba melhor o cristianismo. O problema está na ideia, que vem sendo comum, de que a prática católica e a vivência da religião precisam ficar separadas da educação formal, o que remonta precisamente ao Iluminismo e sua meta de excluir o cristianismo da sociedade substituindo-o por uma cultura virtuosa. Isso deu origem à ideia do Estado como intermediário entre o indivíduo e a sociedade.
Os movimentos revolucionários que moldaram a modernidade fizeram tudo isso por mudanças certamente lentas, mas é a radicalidade das novidades, sempre expressas como mudanças de vida, que atraíram as pessoas. Se a radicalidade atrai mais pessoas, por que alguns optam por um movimento sutil, cultural, ao invés do apostolado mais “violento”? A resposta é: para responder às críticas dos revolucionários de que “os cristãos são obscurantistas” e prestar tributo aos métodos de sutileza maliciosa usados por eles. O problema é que, sem compreendê-los na natureza radical do neopaganismo, alguns conservadores esquecem que se trata de uma malícia instrumental usada pelo inimigo. Imitando-a como se fosse um método melhor que a educação tradicionalmente aplicada pela Igreja e pelos santos, alguns educadores clássicos acabam por beneficiar agendas ideológicas profundamente perigosas, sem, no entanto, oferecer uma vantagem educacional de fato.
Na pós-modernidade, incluindo algumas modas teológicas, o mesmo ideal ganhou a pretensa função de “aproximar o mundo ateu do cristianismo”, a partir daquilo que se acreditava como uma linguagem inevitável do mundo moderno, do homem moderno. Acreditando que era isso o que precisava o homem moderno, abstraiu-se o aspecto espiritual, que era o lastro concreto das virtudes. O resultado é o mundo moderno, mas alguns católicos ainda insistem ser este o único caminho de sua “evangelização ” indireta.
O retorno do espiritual
Basta uma pesquisa nos jornais culturais e teses acadêmicas nacionais e internacionais para observar a verdadeira revolução do crescimento do interesse por mitologias e suas possíveis relações com a espiritualidade moderna. A cada ano surgem novas seitas e grupos de adoradores de deuses pagãos, num processo que supera até mesmo o interesse dos renascentistas, pois abarca um sentido espiritual não apenas pagão como satânico. Basta ver a abertura das Olimpíadas de Paris.
Até mesmo os cristãos já esperavam um retorno natural ao que é espiritual, em detrimento do racional moderno e suas utópicas presunções. Acreditava-se, porém, que eles voltariam à Igreja Católica. Mas quando a sociedade moderna busca voltar a isso, surge os beneficiados neopagãos, com seus mitos e o retorno dos velhos deuses, a encarnar, por meio do caminho trilhado pelo imaginário mitológico, as virtudes sem a necessidade do cristianismo, tudo através de um imaginário explorado no cinema, literatura, quadrinhos e videogames.
A adoração de monstros, sejam ETs ou deuses gregos, já foi estabelecida há muito tempo. Os que acreditam no sentido profundo e num “metacristianismo” de fundo, apenas estão explorando um público de curiosos, através de um marketing pessoal que os identifica como gurus culturais, para vender cursos e livros a custa do boicote da verdadeira cosmovisão cristã, cada vez mais distante de quem consome os produtos culturais cada vez mais essencialmente satânicos. Ainda assim, há que insista que, quem sabe, um filme satanista possa conter, bem no fundo, uma mensagem análoga ao cristianismo!
O resultado é que a meta revolucionária sendo posta em prática: o erguimento do trono deste mundo com o pai da mentira, não como mito ou ficção, mas como realidade concreta expressa de maneira espiritual e hierárquica para resgatar o homem da abstração nonsense das virtudes meramente sociais. De ficção em ficção, a juventude vai se cansando de conversa mole pseudo-erudito e passa a buscar algo concreto para cultuar e justificar o anseio por sentido numa guerra cultural cada vez menos intelectualizada. O crescimento do neofascismo e do islamismo é um dos frutos desse processo. Mas é claro que parece mais nobre dizer que “meu reino é o da cultura” e dar sorrisos de superioridade diante do processo vertiginoso com o qual se colabora.
É cada vez maior o número de católicos e não católicos aficionados por obras de ficção que apresentam mundos imaginários, envolvendo monstros, raças primordiais, ETs, terras distantes e inexistentes, numa espécie de versão “tradicional” ou de estética mística, à ufologia e ao culto satânico dos séculos anteriores. Esta plataforma imaginária tem sido muito bem apropriada pelo ocultismo na forma como tem se disseminado na internet entre as gerações mais jovens, por meio de produtos da Disney, de entretenimentos digitais e de ferramentas próprias do mundo cada vez mais colado em prazeres. Neste verdadeiro campo minado, porém, as famílias ficam sem opções e sem meios de lidar com isso.
Dificuldade em dizer “não”
Algumas ideias do passado trazem premissas perigosas, como a tese da educação positiva, na qual todo “não” é prejudicial e cria revoltas, neuroses etc. Esse pressuposto, incrementado por nomes como Freud, cuja crença espiritualista poderia explicar muito bem, contraindica toda forma de repressão aos instintos, enfatizando uma necessidade de manter as pessoas numa condição de pecado mortal para, por meio de um aprofundamento lento e gradual, temperado por psicologismos justificadores, procurar uma “conversão” após um processo longo, que muitas vezes nem chega a ocorrer.
Afundada numa vaidade autojustificada por uma erudição, vai-se justificando modos de vida baseando-se na premissa do dualismo cartesiano da tese “o que importa é o coração, é ter uma conversão interior, não exterior”.
Nisso entra adesão a modas revolucionárias como forma de atrair adeptos, seja a uma conscientização conservadora ou meramente direitista ou até mesmo como um discutível apostolado. Neste sentido, recorre-se costumeiramente à crítica da piedade católica como coisas de “gente almofadinha” etc, exatamente como se fazia na Renascença contra a piedade da vida religiosa e como fizeram os revolucionários do século XX para afastar milhares de jovens da Igreja.
Mas tal demonização de tudo o que é exterior, por parecer meramente exterior, é o que fragmenta a alma numa verdadeira neurose pós-moderna na qual se tenta viver e cultuar o erro a partir de uma suposta essência verdadeira que, do fundo de um “coração” sentimental ou teórico, ganha um sentido pretensamente superior àqueles que “vivem de aparência”. Sem saber se é exterior ou interior, na dúvida demoniza-se a busca pela integridade, que é a união entre corpo e espírito, o espiritual com o temporal, como se busca na educação católica. Neste caso, falar em Deus no meio de uma aula seria mudar de assunto. O que diria São Roberto Belarmino diante disso, para quem todo o estudo é a premissa da busca pelas coisas divinas, a união com Ele pelo interesse e amor às coisas criadas? Superstição ou retorno da Idade das Trevas?
Não são raros os adeptos da educação católica que rejeitam de maneira até agressiva toda interferência do espiritual em conteúdos educacionais, repetindo essa separação que, para além de ser uma mera moda racionalista, beneficia toda a agenda anticristã e neopagã que cresce com muito maior força do que imaginam os intelectuais destes meios supostamente tão eruditos.
Nada disso conduz à verdadeira virtude, alcançada apenas com a graça santificante, uma criatura divina disponibilizada apenas na Igreja Católica através da vida sacramental. Nem mesmo uma mísera ação boa ou estudo obtém sucesso real sem essa vida na graça, à qual se rejeita com formidável arrogância.