Enquanto sites e movimentos pró-vida vão sendo criminalizados e perseguidos no Ocidente, um outro movimento interessado em capitalizar apoios para suas causas vem cooptando a sua estrutura e enganando muitos católicos desesperados por uma reação governamental: a Rússia. Trata-se do mesmo expediente que vem ocorrendo com os movimentos de direita, conservadores e católicos pelo mundo. Depois de destruir as bases do Ocidente, os incendiários se apresentam como bombeiros e arrebanham apoios dos desavisados.
Trata-se do Conselho Mundial das Famílias, que vem organizando eventos em toda a Europa e financiando iniciativas pró-vida. Uma boa causa para quem representa uma ideologia que pretende anexar não apenas a Ucrânia, mas toda a União Europeia, segundo já admitiu o ideólogo de Putin, Aleksandr Dugin. O Conselho é presidido por Alexey Komov, um funcionário do oligarca russo, Konstantin Malofeev, que financia iniciativas de Dugin pela Europa e é proibido de entrar em vários países devido suas conexões com as causas do Kremlin.
Também faz parte da rede o The World Congress of Families (WCF) e a International Organization for the Family (IOF), dos EUA. Ambos estão ligados ao site The Natural Family, que congrega ativistas pelo homeschooling e outras causas católicas conservadoras. Quanto a este último, não sabemos se há financiamento ou influência russa direta. No entanto, mencionamos a título de demonstração da amplitude da rede de entidades que estão ligadas à Rússia e, simultaneamente, tão próximas das causas tradicionais dos católicos.
Tem sido comum em sites como estes tecer certos elogios à Rússia quanto ao avanço da pauta pró-família desde a dissolução da URSS, como um progresso a ser imitado ou visto com bons olhos. Raramente se leva em consideração as razões para essa mudança governamental de posicionamento, sobre a qual falamos ao final do artigo.
Até mesmo o ativista católico Austin Ruse, do C-Fam, já tem se rendido ao encanto do “conservadorismo” russo, tendo agradecido a Putin por ter criminalizado os ativistas LGBT no seu país.
A influência de Malofeev não é nada sutil. Ele está por trás de uma série de iniciativas jornalísticas e de ativismo conservador de católicos romanos, mesmo sendo adepto da igreja cismática da Rússia, o que para ele não é problema desde que esteja aliado à causa russa.
Em 2015, logo após a guerra contra a Ucrânia que terminou na anexação da Criméia, o escritor e ativista político ucraniano Anton Shekhovtsov , que investiga as conexões da direita europeia com a Rússia, escreveu que Charles Bausman, fundador do site de notícias Russian Insider, procurou financiamento do oligarca russo Konstantin Malofeev , citando e-mails vazados pelo Anonymous International. O encontro foi intermediado por ninguém menos que Akexey Komov.
Em um artigo para o jornal israelense, Haaretz, 2018, Shekhovtsov conta que o Russia Insider que o site foi “originalmente lançado para atacar a Ucrânia depois que seu ex-presidente Viktor Yanukovych foi deposto e fugiu para a Rússia, acusando as novas autoridades ucranianas de fascismo e anti-semitismo”.
Malofeev é próximo do guru satanista de Putin, Aleksandr Dugin, financiador de suas iniciativas como os think tanks eurasianos Geopolitika.ru e Katehon, além da Tsagrad TV. Também financiou tropas de “separatistas pró-russos” no Donbass, lucrando enormemente com a invasão russa. Ele se diz um monarquista e católico, apesar de estar associado ao esoterismo gnóstico de Dugin e suas promessas messiânicas.
Mas é através do seu funcionário Alexey Komov, que controla operações internacionais da Fundação de Caridade São Basílio, o Grande, de Malofeev, o milionário está ligado Conselho Mundial das Famílias e ao Congresso Mundial das Famílias dos EUA, ao CitizenGO da Espanha e à Agenda Europe – alegadamente fornecendo financiamento aos dois últimos.
Quem é Komov
Komov se formou na Universidade Estadual Lomonosov de Moscou, onde fez doutorando na Faculdade de Sociologia (Família e Demografia), Mestrado em História. Na Universidade Humanitária Ortodoxa St. Tikhon, fez Teologia. Em The Open University, Business School, no Reino Unido, MBA. Universidade Estadual de Nova York, SUNY, NY, EUA. É autor de um livro intitulado Regulamentação dos mercados de ações nos EUA e na Rússia. Atua como representante oficial do “Congresso Mundial das Famílias”, na Rússia, e é presidente do LOC da “ Cúpula Demográfica de Moscou 2011 ”. Além disso, apresenta-se como CEO da Fundação Família e Demografia, também da Rússia.
Veja nos prints abaixo, as conexões e instituições ligadas ao Congresso Mundial das Famílias
Há também outros ativistas de renome, que vêm ocupando espaços importantes nas Nações Unidas, ao lado de ativistas ocidentais e católicos, muitas vezes ganhando a confiança deles.
Pavel Parfentiev – Presidente da Organização Pública Inter-regional “Pelos Direitos da Família”, especialista em política familiar, legislação russa e internacional sobre questões relacionadas com a família. O iniciador e patrocinador daResolução de São Petersburgo sobre as tendências anti-família nas Nações Unidas, assinada por 126 ONGs em toda a Rússia e Ucrânia. A resolução visa proteger a família natural e os direitos dos pais no nível da ONU. Paul Parfentiev é um estudioso independente, historiador e autor de vários livros e artigos científicos publicados na Rússia e no exterior.
Por que a Rússia aposta na direita
Um dos primeiros países a aprovar o aborto, em 1920, a Rússia passou a maior parte do período soviético impedindo o assassinato de bebês por razões de guerra: precisava de soldados. Foi seguindo a mesma lógica bélica e imperial que, por meio de operações de subversão e infiltração cultural e política, promoveu o avanço da agenda da morte e a agenda gay no Ocidente, de maneira a limitar o tamanho das famílias e a sua desconstrução, enfraquecendo a sociedade e tornando incapazes de pensar em defesa de sua cultura e de sua soberania.
Os partidos comunistas fizeram a festa no Ocidente quando, em vez de se alistarem para defender seus países da ameaça comunista, os jovens ocidentais preferiram protestar por novos direitos como abortar e “casar” pessoas do mesmo sexo.
Para criar e influenciar a Igreja Católica por dentro, por exemplo, a URSS criou, nos anos 40, o Conselho Mundial das Igrejas. Hoje, quando procura criar um outro “guarda-chuvas” para abraçar os movimentos pró-família ocidentais sob o nome não muito original de “Conselho Mundial das Famílias”.
Agora, a ideologia eurasiana pretende impulsionar uma guerra contra os países ocidentais para fomentar a expansão do território russo, mediante alegações de “pertencimento histórico”, mas que em grupos tradicionalistas evoca heranças esotéricas e míticas comuns, fomentando um retorno ao neopaganismo com o acréscimo de toda sorte de doutrinas esotéricas que flertam paradoxalmente com a pós-modernidade e até o satanismo moderno.
Importante saber que a Rússia atual comunga da crença no Katehon, termo teológico historicamente ligado à crença de que a Rússia seria a “Terceira Roma”, ocupando o lugar tradicional da Igreja Católica através da sua Igreja Ortodoxa, historicamente ligada ao estado russo.