A ascensão conservadora no Brasil nasceu do trabalho intelectual do filósofo Olavo de Carvalho e de diversos intelectuais que ele colocou em circulação por meio do site Mídia Sem Máscara, por volta de 2002. Aqueles articulistas do extinto MSM se debruçavam em estudos detalhados sobre o andamento das agendas revolucionárias. Mais de 20 anos depois, os que afirmavam seguir aquela escola se tornaram ativistas que repetem chavões políticos para eleger ou manter amigos em cargos políticos. Como se chegou a isso e quais as consequências desse processo?
Parece ser importante expor um diagnóstico a título de registro histórico do que se passa em termos de movimento de ideias. Essas observações pretendem fazer um alerta, mas também na esperança de um futuro diferente.
Em primeiro lugar, para se chegar ao ponto em que está, o movimento conservador precisou perder muito em matéria de clareza de ideias. Isso se deu por uma ampla articulação que acabou por dispersar sua identidade. A buscar por essa identidade, no entanto, nunca foi uma preocupação. O problema é que dessa identidade advém as melhores defesas contra a ação adversária.
Todo movimento ideológico elege para si um inimigo especial, escolhido entre aqueles que se observou como piores e mais perigosos. Daí sairão as diretrizes de como se posicionar em cada situação. É assim que agem os eurasianos, os marxistas, os petistas etc. Mas os conservadores, por pudores estéticos e temores um tanto confusos típicos da sua condição de aversão ao estudo aprofundado com prioridade para a ação política, nem mesmo sabem quem são seus inimigos. Há um medo de parecer ideológico, o que leva ao desinteresse pelo conhecimento real das condições em que se encontra o próprio campo do embate ideológico, preferindo aderir a narrativas que lhe pareçam úteis sob o ponto de vista do seu próprio desconhecimento.
Um dos inimigos eleitos foi o vago e mal compreendido conceito de mentalidade revolucionária. Tornado difícil demais de explicar, os formadores de opinião conservadores desistiram e preferiram converter chavões falsos em verdadeiros, uma presunção que se mostrou excessiva.
Após mais de 20 anos, o resultado é que sites ou articulistas que desejarem repetir aquele início proposto pelo professor Olavo, em 2002, se farão hoje tão impopulares dentro do movimento que se diz continuador ao repetir “Olavo tem razão”, quanto os articulistas da época.
Preferem os conservadores brasileiros eleger seus posicionamentos com base na defesa dos mesmos valores professados pelo inimigo que apareça no momento, mas contra ele próprio. Apontar contradições aparentes, com linguagem sarcástica e muitas vezes humorística parece ser o máximo que conseguem fazer muitos conservadores. Como em caso recente, diante de queixas de que declarações de Lula derrubam a Bolsa de Valores, coisa que Bolsonaro fazia muito pior e era digno de defesa. Afinal, o que é a Bolsa de Valores perto da verdade? Depende de quem diz.
A contradição inerente ao fato de se saber que se critica Lula por algo que o próprio Bolsonaro fazia muitas vezes (e que na época se defendia), vai inserindo o pobre opositor numa vida de fingimento e mentira a si próprio, com foco exclusivo no mundo discursivo e nas possibilidades de apontamento de contradições meramente aparentes. Vai, assim, incapacitando-se à identificação da verdade e mesmo ao interesse por ela, tornando-se cada vez mais indiferente ao que é bom.
Não vê, assim, quem é o inimigo mais perigoso.
Como não vê o eurasianismo o atacar, não presta-lhe muita atenção e começa mesmo a acreditar que o problema não exista. O que vê é a esquerda globalista acusá-los de “fascismo”. Se a Rússia é fascista e isso os faz ser criticados pela esquerda, dirão alguns, deve ser bom. Na verdade, mesmo alguns sabendo da existência e do perigo da ideologia eurasiana, optam voluntariamente por esquecer-se do problema e dar atenção a algo visto como “mais urgente”: atender ao seu público-alvo naquilo que ele quer e deseja. Mas é o público que busca neles a orientação sobre o que pensar. É como o paradoxo referido pelo prof. Olavo de quando ele enviava notícias para jornalistas e estes, indignados, reclamavam que não haviam lido aquilo em jornal algum. “Ora, mas é para você colocar no jornal”, dizia o professor.
É próprio da mentalidade jornalística confiar cada vez mais cegamente no próprio jornalismo. Mas como isso aconteceu com os conservadores que buscavam dar uma resposta a esse problema? Eu, que fiz mestrado em jornalismo e escrevi cinco livros sobre a prática e as manipulações, optei por não ler notícias nunca mais.
O que acontece na cabeça dos conservadores é algo esperado de quem consome notícias e opiniões disseminadas pela grande mídia atual.
Conservadores precisam de identidade?
A crença geral de grande parte dos conservadores brasileiros é a de que não há e nem deve haver uma identidade própria desse movimento — isso morreu com Bolsonaro, que era uma identidade sem identidade, mas suficiente para muitos. Se de certa forma toda busca por uma identidade atrairia para si todo tipo de bizarrices, o que é verdade, por outro lado a obstinação na negação de uma identidade reforça o aspecto caótico de qualquer postura, fazendo com que se tornem amoldáveis pelo próprio inimigo que, aliás, não é digno da mínima atenção. Dentre as vantagens de uma busca por identidade, inclui-se a definição e o amplo conhecimento de um inimigo eleito como o maior e mais perigoso, mas após considerável estudo, para o qual se opta por dar grande valor estratégico. Não havendo isso, não apenas omite-se como se desconhece o próprio inimigo, fazendo disso até mesmo uma plataforma de marketing. A afirmação de certa independência e liberdade se tornou a prática comum, mas isso antes era apenas observado em movimentos revolucionários.
Os problemas dessa busca por identidade não está nela em si, mas numa busca “criativa”. Essa negação de uma procura por identidade nasce, entre outras razões, da obstinada negativa em associar-se a uma postura que aparente submissão a algum grupo, instituição ou a um ideal maior, ou à Igreja Católica, vista como decaída e perigosa, mas principalmente “não inclusiva” dos muitos grupos com os quais os conservadores acreditaram que precisavam se unir. Ademais, a delimitação entre uma igreja militante e triunfante soa demasiado difícil para ser transmitida para um público-alvo extremamente confuso em matéria de religião. Soa brega, demodê ou excessivamente ineficaz promover uma militância em favor e defesa da Santa Igreja, como se isso recordasse o passado, o que não é bem visto pela esquerda, cujo imaginário se tornou o campo de batalha por definição. Paradoxalmente, se o imaginário e a cultura é o campo de batalha, os conservadores já nasceram perdendo, pois se esforça para mostrar não submissão, igualitarismo e defesa de liberdades, tópicos revolucionários por excelência. É claro que a autoridade de um Alexandre de Moraes é ilegítima e, por isso mesmo, a sua obediência é que se caracteriza como pecado grave. “Mas pecado é uma palavra feia, que faz a esquerda rir da gente”.
O bom e velho medo de cara feia resulta no fato de que a identidade conservadora apareça montada sob uma base caótica, libertária e até igualitária, crente de que a ação livre e ousada das personalidades individuais construídas sob a oposição meramente estética do progressismo, traria sob um efeito mágico a eficácia do discurso, o constrangimento da esquerda a partir da defesa de liberdade, igualdade e fraternidade. Essa é a direita que sobrou e da qual não sobrará muito em pouco tempo. Se sobrar — e ela dirá que está de pé — será em detrimento da verdade.
Agora, diante da iminência de ser confundido com o movimento eurasiano gnóstico da Rússia, encontra-se incapacitado para compreender o problema, tampouco para agir sobre ele. Contra a defesa das tradições perenialistas, das doutrinas esotéricas, só a doutrina pura da Igreja Católica poderia oferecer uma defesa e uma arma eficaz. Mas farão isso?
Fora de uma defesa ampla, radical e exclusiva, da Igreja Católica, com todas as suas limitações humanas, nenhum conservadorismo poderá obter identidade suficiente, o que significa autoridade, para apoiar um estudo eficaz contra quaisquer adversários, de maneira a proteger contra infiltrações e erros internos. O problema, que graças a Deus não tenho que resolver, é a falta da crença na ação da graça de Deus, mediante a fidelidade à Sua Igreja, contra a qual todo adversário já nasce derrotado e a vitória é certa.