Assim como não há vácuo no poder, o mesmo se pode dizer do poder sobre os corações através das ideologias. Essas ideologias podem se manifestar de diversas formas, mas a sua grande vantagem é reunir meios de ação coletivas e intelectuais para um avanço progressivo no campo social. Há algum tempo os conservadores abandonaram esse campo, o que seria muito positivo se o foco tivesse se deslocado para o desenvolvimento filosófico, intelectual equivalente. Esse trabalho poderia ter sido feito ao se concentrar no estudo aprofundado das estruturas ideológicas, mas nem isso foi feito e o próprio tema virou tabu.
Como sabemos, grande parte da direita europeia está nas mãos de Putin e trabalhando na grande desilusão que irá conduzir fatalmente os europeus a um tipo de “tradicionalismo” que, como vimos no último curso, terá a grande “novidade” de espalhar ainda mais neopaganismo e misticismo oriental combinado com perenialismo islâmico contra-iniciático. Isso, é claro, não quer dizer que todos os grupos de direita cristãos tenham plena consciência o papel que desempenham quase que inevitavelmente. Alguns são até católicos sinceros e conservadores autênticos, mas que devem seus sustento a uma estrutura que os irá impedir de criticar uma parte importantíssima do processo.
Há nesses meios uma profunda indiferença com o tema do eurasianismo, ao menos nos moldes pelos quais o prof. Olavo o definiu, o que explico pela insuficiência de espaços de debate e jornalismo autentico e independente. Em outros, porém, essa indiferença é mais suspeita, embora talvez igualmente inconsciente. Grupos como, por exemplo, o HazteOir, que no Brasil atende pelo nome de CitizenGo, importante site de petições online, é sabidamente financiado pelo mesmo oligarca russo amigo e financiador do site Geopolitika, de Aleksandr Dugin. Trata-se de Konstantin Malofeev, um monarquista próximo de Putin que compartilha com o presidente o confessor espiritual. Isso quer dizer que o CitizenGo não seja confiável? Não necessariamente, mas como vemos em casos como o astro coaching conservador Jordan Peterson, o apresentador Tucker Carlson e o escritor católico E. Michael Jones, que tem manifestado simpatia por Putin, além de opiniões antissemitas.
Então o que se salva da direita ou do catolicismo conservador na Europa ou no mundo? Um detalhe importante é que há grupos católicos pouco falados na mídia, exceto quando a esquerda sofre derrotas pelas mãos deles. Trata-se de grupos como a Ordo Iuris, uma entidade jurídica conservadora e católica da Polônia e financiadora de um verdadeiro guarda-chuvas de ativismo católico claramente independente e sem amarras com russos. A Ordo Iuris já esteve no Brasil, já emitiu cartas ao STF contra o aborto e promoveu muitas atividades. Não por acaso, o grupo já foi atacado por duas faces distintas da mesma esquerda: os globalistas da Agência Pública e os comunistas ortodoxos do Causa Operária.
A Ordo Iuris apoia a rede de TFPs pela Europa e o IPCO no Brasil. Acontece que a sua inspiração é a obra do brasileiro Plinio Correia de Oliveira, como diz em seu próprio site. O trabalho da antiga TFP (Tradição, Família e Propriedade), no Brasil, produziu tantos efeitos internacionais que deixou os senhores do atual IPCO no Brasil até envergonhados da sua impotência. No entanto, até mesmo estes mantém a atividade idêntica no Brasil e na Europa, fazendo atos públicos com cartazes em defesa da fé católica, alardes em frente a clínicas de aborto, panfletagem em universidades e ocupação de espaços em meio a manifestações LGBT. No entanto, pouco se fala sobre esse ativismo nas redes da direita brasileira, que mesmo preferindo o caminho aparentemente mais seguro do ativismo jurídico e das redes sociais, acabou perseguida do mesmo jeito.
O fato é que a juventude católica brasileira não quer mais fazer esse tipo de ativismo trabalhoso baseado nas ruas, panfletagem e embates diretos com os ativistas LGBT, como fazem as TFPs por toda a Europa e EUA. O berço da mesma TFP que tomava as ruas nos anos 80, reduziu seu ativismo católico a cursos de comportamento, coaching que estimulam a icônica mistura entre oração e academia, tudo com técnicas sofisticadas de alpinismo digital para vender, ganhar dinheiro e, se der tempo, defender a fé através de uma estranha e moderna alquimia que transformaria hedonismo comercial em apostolado vitorioso.
Muitas críticas se pode fazer ao legado de Plinio, mas o seu grande mérito foi fazer o que era para ser feito no momento certo, sem dar atenção a cálculos meramente humanos e confiando apenas na Providência. O resultado, embora não se possa ver mais no Brasil, está ainda gerando frutos em diversos países e isso não se pode negar. Mas é bem possível negar o seu valor se nos colocarmos na perspectiva do marketing, da estratégia comercial, da efetividade utilitária do pensamento atual.
Enquanto a direita opta pela “guerra de narrativas”, para guerrear em um ambiente facilmente corruptor, tanto o globalismo quanto o eurasianismo crescem sem um inimigo visível, deixando o campo livre para que eles mesmos definam e criem o seu adversário enquanto o moldam conforme as suas próprias convicções. Isso porque o movimento revolucionário, diferente do liberal conservador que inclinação protestante e moderno, que opta sempre pela escolha do “método mais eficaz”. Com isso, fecha-se e perde de vista a efetividade mais ampla com a qual a esquerda sempre conta.
É fato que as petições do CitizenGo fazem um bom estrago contra as narrativas globalistas. Mas e contra o eurasianismo? Terão eles coragem de fazer uma petição sobre isso? A verdade é que nem precisariam estar recebendo o dinheiro de oligarcas russos para silenciarem sobre a verdadeira guerra que se desenrola. Basta que o costume consagrado da análise midiática, estratégica, comercial e de marketing os faça concluir que o tema é por demais desconhecido pela maioria, levando-os a preferirem aqueles fartamente alardeados, pois sem conscientização não há assinaturas para petições nem venda de produtos, nem penetração social e influência pública para… mais venda de produtos. O marketing digital, que se tornou febre até mesmo entre católicos, manda agir com uma “perspicácia” aparentemente prudente e sofisticada, baseada num cálculo humano e falível cujo resultado tem sido o progressivo retrocesso, recuo atrás de recuo, enquanto o inimigo avança a passos largos. Restou, portanto, tornar a terra arrasada pelo inimigo em um novo produto, que atrai pela clássica sedução do bizarro e do mal por meio de imagens de destruição e blasfêmia.