O caso da jornalista da Folha que, aparentemente sem checar a informação, pareceu ter confundido a inscrição do sobrenome “Heil” nos telhados de uma cidade de Santa Catarina, não tem nada de caso isolado. Trata-se de um perigoso precedente que repete o método de extremistas para legitimar a criminalização de críticos. Quase qualquer opinião pode ser associada ao nazismo, bastando alguma engenhosidade retórica.
No imaginário jornalístico contemporâneo, o nazismo está em toda a parte. Há décadas as redações dão graças à existência de Hitler por ter oferecido a grande chance de criminalização das críticas ou questionamentos das suas crenças arraigadas que são postas em um altar intocável.
É importante lembrar que, assim como as convicções nazistas, as teses revolucionárias pressupõem um tipo de superioridade histórica que fica evidente em rotulações como “retrocesso”, “ultrapassado”, “medieval” e até “conservador”, como se fossem termos pejorativos. O primeiro passo para uma reação eficaz contra esse tipo de precedente é não aceitar essa premissa. No campo da política, a sensibilidade para com supostas regras inescapáveis de um jogo de debate definido pela própria esquerda representa a sua grande fragilidade. Isso quer dizer que quanto mais adaptado à estrutura política, mais passível é uma vítima de ataque estigmatizador de dar respostas previsíveis pelos próprios algozes.
Para a mentalidade da esquerda, que hoje domina todo o ambiente de debate público que inclui a classe política, os atores sociais que se identificam com propostas progressistas e revolucionárias estão em um patamar moralmente superior aos demais, que devem ser “educados” em uma espécie de “limpeza” de ideias antigas, vistas como errôneas e inferiores. É comum vermos até mesmo conservadores se desculparem e defenderem um tipo de “evolução”. Também é comum o movimento oposto, a defesa de uma espécie de “tradicionalismo” caricato, que também é esperado pela esquerda em suas imagens de estigmatização. Portanto, nenhum desses caminhos é efetivo.
O caso da associação com o nazismo em Santa Catarina, a jornalista da Folha não apenas deixou de checar a informação, mas deu assas a um imaginário construído ao longo do tempo pelo próprio jornalismo. Apesar das recorrentes lembranças do histórico da presença nazista em Santa Catarina, por conta da imigração alemã, o uso político disso passou a ser prática comum desde que o estado teve grande votação em Jair Bolsonaro, o político mais odiado pela esquerda jornalística. A associação com Bolsonaro se tornou sinônimo dessa estigmatização, levando jornalistas e ativistas da esquerda à defesa aberta de práticas totalitárias. A mera denúncia disso, porém, pode não ser suficiente em um ambiente que vai além de uma guerra de narrativas, chegando a uma espécie de “guerra de premissas”.
Foi pautados pelo ódio ideologicamente motivado e alimentado por suas próprias peças retóricas e de propaganda, que os jornalistas defenderam, na pandemia, o encarceramento da população, a prisão de transeuntes pelo crime de andar na rua, o uso forçado das máscaras, cuja ineficácia já é confirmada, e o experimento vacinal sem consentimento informado, que ocasionou em mortes e eventos adversos em milhares de pessoas. Tudo porque Bolsonaro questionou essas imposições.
Editores de jornais sentiram-se à vontade para dar voz ao apreço que sempre nutriram por regimes totalitários e doutrinas mortíferas, devidamente romanceadas pela retórica única de seus professores na universidade, chegando ao ponto da aberta defesa da censura já no início do governo Lula.
Mas esse expediente de estigmatização e clara intenção de criminalizar e perseguir pessoas tem se nutrido e sido alimentado até mesmo pelas respostas dadas pelos ofendidos. Muitas vezes, motivados pelos mandamentos inquestionáveis de polidez de linguagem, esses políticos ou influenciadores dão respostas tão fracas que acabam encorajando a prática jornalística mais vil.
Diante da ofensa aos catarinenses pela jornalista da Folha, o governador Jorginho Melo publicou uma carta em suas redes sociais. Em desagravo ao ataque, e motivado pela intenção de defender o povo catarinense, o governador até criticou a jornalista, mas terminou convidando-a a vir ao estado porque, em suas palavras, ela não seria discriminada. Sem perceber, o governador se comportou como se estivesse tentando se desculpar ou se defender da acusação feita pela jornalista, baseada não apenas numa mentira, mas num preconceito odioso nutrido ao longo do tempo por uma série de mentiras. Com isso, a resposta fortalece a tese do nazismo em Santa Catarina, e encoraja os detratores políticos a buscar nova associação.
Quando o professor Olavo de Carvalho aconselhava que, diante de ofensas, nunca se buscasse defender a honra antes de desferir um novo ataque imediatamente, isso se deve a uma estrutura básica dos debates públicos: quando há um ataque, a situação se desenrola como num jogo de xadrez. O próximo a jogar é o ofendido. Se ele desperdiça seu turno com uma defesa, a próxima jogada só poderá ser um novo ataque, acumulando uma série infinita de ataques que se fortalecerão e são legitimados um pelo outro, dando início a um processo que culmina na óbvia criminalização da mera defesa.
Entre as premissas criadas e trabalhadas pela mídia estão a da dicotomia criada entre os pretensos defensores das instituições contra os que atacam as instituições. É fácil perceber o quanto simplória e até inverossímil é essa dicotomia, semelhante à dos destruidores versus defensores do meio ambiente. Os acusados de destruidores acabam, por força da narrativa oposta, se identificando com o rótulo. Mas o fato é que a única instituição realmente defendida pela esquerda é a do permanente e obrigatório fingimento, uma submissão ao sentido dado por eles às palavras. A permanente explicação didática dos princípios políticos é necessária e positiva, mas quando ela parte da premissa de que o outro lado é inocente e apenas desconhece esses princípios, o efeito pode ser oposto e há o estímulo da violência do outro lado. Isso porque a fraqueza interessa ao violento, como recordava também o professor Olavo.
O princípio das ditas “instituições democráticas”, termo que já gera confusão, é a sua função dentro de uma história e em resposta a problemas universais. Mas o debate sobre esse tipo de função facilmente escorrega para a retórica do lado que tem mais poder, qualitativo e quantitativo, de resposta e de definição das versões legítimas sobre os termos. Infelizmente, não há, no momento, meios retóricos perfeitamente seguros e eficazes no curto prazo para resistir a essas investidas pautadas pela desconstrução e falsificação das palavras. O seu sentido real e autêntico precisa ser ensinado, o que pressupõe a produção de livros, cursos, apostilas e artigos explanatórios e sinceros, para um público de fato interessado nisso. Esse público, apesar de existir, ainda é pequeno e demanda estímulos diversos, muitas vezes através de meios retóricos menos requintados.
O alicerce que sustenta a retórica é uma poética, isto é, um imaginário. É por isso que a jornalista da Folha foi eficaz em rotular os catarinenses como nazistas, assim como foram eficazes os métodos usados pela mídia ao longo do governo anterior e na pandemia, para criminalizar a direita política. A única resposta possível é não recuar, não precipitar e não retroceder, tanto na linguagem sincera e pautada por princípios reais e permanentes, quanto na prática das virtudes não como são preconizadas por oficinas de comportamento (de esquerda ou de direita), mas pela ausência total de expectativa de transformação exterior imediata.