No dia 18 de maio de 1944, a União Soviética deu início oficialmente à deportação em massa de mais de 200 mil tártaros da região da Criméia, sob o pretexto de suposta colaboração com nazistas. As deportações soviéticas, no entanto, eram comuns como forma de limpeza étnica ou transferência para áreas diversas e estima-se que a URSS deportou mais de 18 milhões de pessoas, matando cerca de 3 milhões no processo, de acordo com Naimark, Norman, no livro Stalin’s Genocides (Human Rights and Crimes against Humanity).
Segundo as estimativas de historiadores, foram deportados da Crimeia mais de 238.500 tártaros dos quais 205.900 ou equivalente a 86,4% eram mulheres e crianças. Diante das péssimas condições de transporte, cerca de 8.000 pessoas morreram durante o trajeto, e maioria deles eram crianças e idosos. As causas mais comuns de morte foram sede e tifo.
O fato histórico, considerado genocídio, é conhecido entre os tártaros como Sürgünlik, que significa “exílio”. A região reivindica à Ucrânia a classificação de genocídio por ter ocorrido contra uma população étnica, que acabou sendo dispersada e enviada a vários países da região pertencentes à União Soviética.
A operação de deportações foi direcionada a todas as localidades da Crimeia e teve a participação de mais de 32 mil tropas do NKVD, o “Comissariado do Povo para Assuntos Internos” da URSS. Dos 193 mil tártaros deportados, a grande maioria foram para enviados à força para a então República Soviética do Uzbequistão, mas também ao Cazaquistão e à própria Rússia, instalados em províncias afastadas.
Naquele mesmo ano, mais de 10 mil tártaros morreram de fome somente no Uzbequistão, 45 mil morreram no exílio, de acordo com dados de ativistas tártaros da Crimeia. Cerca de 45% do total morreram no processo da deportação, segundo informações de dissidentes soviéticos. Os que sobraram foram obrigados a trabalhos forçados em projetos de grande escala do governo soviético, nos famosos campos de concentração comunistas, os Gulag.
Atualmente, a Criméia é uma república autônoma pertencente à Ucrânia, mas que foi anexada pela Rússia à força em 2014, em um ato que foi condenado pelo mundo e não é reconhecido pela grande maioria dos países democráticos. No episódio, o povo tártaro foi novamente vitimado pelos russos.
O povo tártaro até hoje luta pelo reconhecimento de seus direitos. Em 2005, eles reivindicaram ao governo da Ucrânia que a integração do país com o Ocidente deveria incluir o reconhecimento dos direito tártaros, acusando autoridades ucranianas de também desrespeitar o povo tártaro, citando a deportação de 1944.
Muitos tártaros voltaram para a Crimeia, mas não conseguiram recuperar terras e propriedades valiosas que eram suas antes das deportações. Na época, os delegados do Congresso Tártaro pediram ao Conselho da Europa e à União Europeia que tornassem possível a adesão da Ucrânia à UE e à Organização Mundial do Comércio dependente do reconhecimento dos direitos dos tártaros da Crimeia.
Desde a sua independênca, a Ucrânia assumiu a responsabilidade pelo destino daquela população, incluindo os que retornaram ao seu território após a deportação. Antes da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, o governo ucraniano empenhou recursos próprios para resolver os problemas sociais e econômicos dos tártaros da região e das pessoas de outras nacionalidades que retornaram a terra dos seus antepassados. No início de 2013 para residência permanente na Crimeia voltaram cerca de 266 mil Tártaros.
Com a anexação da Rússia, porém, aquela população voltou a estar submetida aos seus algozes do passado.
A prática da deportação forçada foi muito comum durante a era stalinista. As transferência populacionais na URSS eram feitas sob o pretexto de combate a populações consideradas “anti-soviéticas”, classificados ainda como “inimigos dos trabalhadores”. Essas deportações de nacionalidades inteiras, transferências de mão-de-obra, e migrações forçadas foram utilizadas como forma de preencher territórios etnicamente ou de provocar “limpezas étnicas”.
A estimativa é de que em sua totalidade, as migrações forçadas internas afetaram mais de 18 milhões de pessoas, matando cerca de 1.7 a 3 milhões como resultado dessas movimentações forçadas.
Reconhecimento e problema internacional
Em maio de 2017, o Comité de Ministros do Conselho da Europa aprovou uma Decisão sobre a situação na Crimeia e na cidade de Sevastopol, o primeiro documento abrangente dedicado exclusivamente aos problemas da região. Nele, foi reconhecida novamente a independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas, condenando a anexação pela Rússia, o que segundo o documento “mina a paz e segurança democrática na Europa”.
O documento considerou a anexação russa uma violação do Direito Internacional. Assim, o documento contém uma exigência clara à Federação Russa de tomar todas as medidas para garantir os Direitos Humanos na Crimeia.
A organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) durante a 204ª sessão do Conselho Executivo, que foi realizada de 9 a 17 de abril de 2018 em Paris, aprovou a Resolução “Monitoramento da situação na República Autónoma da Criméia (Ucrânia)”, no qual foi ressaltada a deterioração da situação com direitos humanos na Criméia e destacada a necessidade de implementação imediata de monitoramento na península. A Rússia recusa-se de cooperar para a realização de controle internacional.