A marca dos vilões nos quadrinhos e no cinema sempre foi a crença de que são eles os verdadeiros protagonistas do bem e da justiça. Os heróis, por outro lado, são para eles obstáculos que ameaçam o andamento da sua própria noção de justiça, em geral tortuosa e distorcida, centrada em sua pessoa e na construção de um novo mundo de delícias e perfeições.
Na última semana, o ministro da Justiça, Flavio Dino disse que era um dos Vingadores, o que em parte foi recebido com humor nas redes sociais. Seguidores e apoiadores da sua sanha justiceira contra supostos inimigos do Estado Democrático de Direito, porém, fizeram verdadeira fila do beija-mão, cobrindo-o de lisonjas com montagens de super-herói que imediatamente agradaram o ministro ao ponto dele confessar que ser um super-herói fora um desejo de sua infância. O que é natural em qualquer criança, porém, costuma revelar-se perturbador quando mantém-se na vida adulta, como a história já nos mostrou.
Mas já que o ministro abriu a porteira das comparações entre pessoas reais e as da ficção, sentimo-nos convidados à entrada neste mundo onde as pessoas que nos rodeiam são comparáveis a personagens conforme suas personalidades, atos e omissões.
O ímpeto humano pelo heroísmo é certamente algo engrandecedor e fonte de virtudes. Ainda assim, é normal e saudável que ao longo da vida troquemos os personagens infantis por personagens históricos, que podem ser tanto os santos e mártires quanto intelectuais, políticos ou… ditadores. A comparação feita pelo ministro pode ser bem mais perigosa do que a simples sugestão de imagens incômodas na mente popular, como a do ex-governador do Maranhão vestido com uma roupa colada.
Visto como heroi por petistas, o ministro vem ganhando simpatia dos que desejam ver todos os críticos do governo na cadeia pela acusação de “ameaça à democracia”. Isso porque, assim como na mente infantil e um tanto doentia de alguns membros do atual governo, a democracia, sinônimo de paraíso na Terra, só pode vir do petismo, última instância da justiça terrena. Seguidores nas redes sociais vêm transformando Dino em verdadeiro “mito”, com suas “mitadas” contra os desafetos do governo ao zombar de deputados, que ficam sem reação diante do peso inabalável da sua polpuda empáfia.
Por outro lado, para quem entende o real significado de democracia e justiça, a imagem do jurássico ministro se assemelha muito mais à de ditadores sanguinários e arrogantes, versão política dos vilões dos quadrinhos, que em geral encarnam ainda mais comicamente os papeis de arautos da justiça humana e talvez divina: não por acaso, Dino tem citado o demônio como um de seus inimigos e inimigos da sua justiça.
A frustração com a busca das virtudes que culminariam na conquista do heroísmo, acaba por provocar uma raivosa fidelidade a si mesmo, contra todos os obstáculos que se apresentem, numa espécie de missão sagrada que resume seus próprios interesses quando ganham o altar de uma justiça superior. Estas são as crenças que unem, no Brasil, os amantes de um tipo de religião política expressa pela “função iluminista”: ao conhecer o que pensam ser a marcha da história e da humanidade, todo esforço é lícito, mesmo que contrário às normas mais elementares das leis escritas por homens do seu tempo, vistas como inferiores e ultrapassadas a priori, para o encurtamento da curva do progresso dos direitos, das democracias.
Assim como para Alexandre, para Dino a democracia é uma espécie de religião, que prescinde de leis e de debates. Prescinde até mesmo de sociedade. Conhecedores dessa função iluminista e revolucionária, eles veem-se detentores de um tipo de supersentido que percebe, acima dos demais, a curva histórica do progresso para o Último Reino, o da democracia.
A frustração em não ser herói move montanhas e leva à luta por uma justiça que não é deste mundo, assim como moveu a frustração em não ser artista um austríaco sonhador de um mundo melhor e superior. O que são as linhas de leis escritas por homens perto do sonho que une dois seres tão apaixonados? A besta jurássica e seu ovo, do qual nascerá o novo homem, novo tempo e novo Estado.