A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou no dia 8 de maio um documento intitulado “Alerta urgente à sociedade brasileira”, que chama a atenção para o risco de criminosos de alta periculosidade serem soltos sob a justificativa da Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), principal órgão de regulação do trabalho do Judiciário brasileiro. O alerta é assinado ainda pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e outras três entidades médicas.
A polêmica Resolução foi assinada pela atual presidente do órgão e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber. O documento institui a Luta Antimanicomial no judiciário e no sistema penitenciário, uma causa originária da antipsiquiatria, tese de origem marxista que insere os manicômios como símbolos de “relações de poder do capitalismo”.
De acordo com a denúncia pública da ABP, a Resolução determina o fechamento de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e considera que seus internos, entre eles criminosos perigosos, possam voltar para a sociedade para fazer seu tratamento junto à comunidade, se assim quiserem.
A Associação diz que os profissionais não foram consultados para essa medida, que, segundo eles, “trará mudanças profundas para a saúde mental pública brasileira e também para a segurança pública”.
A medida poderá colocar em liberdade criminosos perigosos.
Art. 16. No prazo de até 6 (seis) meses, contados a partir da entrada em vigor desta
Resolução, a autoridade judicial competente revisará os processos a fim de avaliar a
possibilidade de extinção da medida em curso, progressão para tratamento
ambulatorial em meio aberto ou transferência para estabelecimento de saúde
adequado, nos casos relativos:
I – à execução de medida de segurança que estejam sendo cumpridas em HCTPs, em
instituições congêneres ou unidades prisionais;
II – a pessoas que permaneçam nesses estabelecimentos, apesar da extinção da
medida ou da existência de ordem de desinternação condicional; e
III – a pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial que estejam em prisão
processual ou cumprimento de pena em unidades prisionais, delegacias de polícia ou
estabelecimentos congêneres.
Um dos beneficiados pela medida do CNJ pode ser, por exemplo, Adélio Bispo de Oliveira, responsável pelo atentado contra o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, no dia 6 de setembro de 2018, que passará a ser inimputável e possivelmente posto em liberdade.
Outros exemplos de presos de crimes de repercussão que passam a ser considerados inimputáveis são Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, que matou o casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003 e Amilton Loyola Caires, que matou a facadas o professor da Faculdade Izabela Hendrix, Kássio Vinícius Castro Gomes, em dezembro de 2022.
A lei antimanicomial, no Brasil, já havia sido aprovada em 2001 e a atual resolução visaria adequar o sistema prisional e psiquiátrico a essa lei.
A Resolução passa a valer a partir do dia 15 de maio e os psiquiatras alertam para riscos graves tanto sociais quanto psiquiátricos dos próprios pacientes. Além da ABP e do CFM, assinam o manifesto a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Associação Médica Brasileira (AMB) e Federação Médica Brasileira (FMB).
Com a extinção das vagas em hospitais psiquiátricos de custódia, exigência da Resolução, essa demanda de pacientes deverá ser absorvida pelo sistema de saúde, inserindo um grande contingente a um sistema já insuficiente. Em entrevistas à imprensa, representantes do CNJ dizem que as medidas serão graduais para não superlotar o sistema.
Teoria controversa
A Resolução do CNJ é um fruto direto das teorias vindas da antipsiquiatria, que resultaram na “Luta Antimanicomial” transformada em espécie de causa social a partir dos anos 1970. As primeiras propostas de eliminação dos manicômios vieram do médico italiano Franco Basaglia, adepto da antipsiquiatria e seguidor, entre outros, de Michel Foucault e David Cooper, este último autor do livro “Psiquiatria e antipsiquiatria”, criador do termo. Mas Cooper tem outros livros mais reveladores sobre as crenças por trás das suas teses, como o livro “A morte da família”, em que defende a destruição do modelo familiar, tido como nocivo ao homem, e a criação de modelos alternativos.
Diante de exageros ou abusos das práticas médicas, teóricos revolucionários se utilizaram de teses controversas e não raro subversivas para defender a reestruturação de conceitos de doença mental. Hoje há a tendência de normalização da maioria delas.
A antipsiquiatria é uma das teorias surgidas de dentro das perspectivas marxistas, cujo principal objetivo é romper com as relações de poder do capitalismo, encarnado sob a instituição da profissão médica. A antipsiquiatria é tida por muitos psiquiatras como uma espécie de “negacionismo da ciência”, no qual nega os estudos sobre problemas psiquiátricos.
Intelectuais ligados à Escola de Frankfurt estão entre os difusores das ideias que originaram a antipsiquiatria e a fortaleceram nos meios acadêmicos ligados à esquerda no mundo e especialmente no Brasil.