No último domingo, dia 7 de maio, o evento Agrosoja, que ocorre em Mato Grosso, recebeu o comunista histórico Aldo Rebelo. A aproximação já vem ocorrendo há algum tempo, dividindo o palco com bolsonaristas nos últimos anos. Com a saída de conservadores do governo, porém, o caminho voltou a abrir-se para a esquerda nacionalista que flerta com rumos de “terceira posição”, como é o caso de Rebelo e seu “Quinto Movimento”. Sem conhecimento nem formação sobre distinções ideológicas, produtores rurais pensam ser possível unir o seu anseio por liberdade econômica ao neofascismo de projetos marcados pelo estatismo e centralização.
Aldo Rebelo tem se aproximado há alguns anos do agronegócio, criticando setores da esquerda que se queixam do conservadorismo do setor. Em entrevistas, o ex-militante do PCdoB diz que, “o setor é importante para o Brasil”. Essa importância o faz, segundo ele, deixar de lado o conservadorismo de costumes ligado aos produtores. O canto da sereia neofascista, que por razões óbvias odeia essa classificação, vem ganhando o apreço de direitistas há algum tempo, pelo menos mais claramente desde o início da invasão russa à Ucrânia.
Na sua narrativa, está a mesma defesa feita por grupos neofascistas pró-Rússia e pró-China, contra a Ucrânia e Taiwan, respectivamente, uma face meio renegada da esquerda que vem, apesar disso, ganhando força pelas posturas internacionais de Lula em sua aproximação com os Brics, herdeiros históricos do bloco comunista da Guerra Fria.
Não por acaso, Rebelo repete a narrativa dos neofascistas sobre a insuficiência da dicotomia direita e esquerda, que para eles não serve mais para explicar o contexto internacional. É claro: o novo arranjo retórico e emotivo, que liga extrema esquerda a uma certa extrema direita mais associada a militarismos e símbolos de força, está na base das ideologias de terceira posição, como os nacional-bolcheviques da década de 90, na Rússia, que misturavam a simbologia comunista com iconografia nazista. A existência dessa matiz é especialmente incômoda à esquerda liberal, que gosta de associar ao nazismo todo tipo de oposição à esquerda. Mas, como sintetizou certa vez o filósofo Olavo de Carvalho, esse novo arranjo que vem da Rússia nada mais é que uma forma encontrada pelos comunistas para seduzir todo mundo, seja de esquerda ou direita. O neofascismo é o supercomunismo, arranjo revolucionário que serve de guarda-chuvas para um zilhão de ideologias autonomistas e autoritárias, conforme o gosto do freguês.
É assim que funciona a Quarta Teoria Política, de Aleksandr Dugin: uma fórmula supraideológica para que você monte, em casa, a sua própria ideologia neofascista. Desde que seja amigo da Rússia, é claro.
Mas embora os produtores rurais não sejam obrigados a conhecer história política das ideias extremistas, talvez sejam eles próprios a sofrer as consequências da sedução pela conversa comunista travestida de nacionalismo. Considerado pelos produtores do agronegócio como um “político de extensa experiência na vida pública”, os materiais de divulgação do Agrosoja enaltecem a sua figura recordando o seu papel relevante nos ministérios da Defesa em governos petistas, além da notoriedade alcançada no meio produtor a partir da sua relatoria do projeto que criou o Código Florestal Brasileiro de 2012.
Em um ciclo de palestras que passa por 29 cidades, os produtores têm se mostrado otimistas com a retórica da esquerda nacionalista, que une uma parte do discurso bolsonarista, mas com aparentemente mais habilidade de lidar com as pautas ambientalistas, como a ideia do desenvolvimento sustentável, um arranjo ecológico-liberal que os novos esquerdistas de terceira posição estão se mostrando hábeis para dar um sentido diverso e mais apetitoso a um público naturalmente liberal e conservador, como é o dos produtores rurais. É claro que há o interesse da esquerda em puxar o agro para si, senão ideologicamente ao menos enganados por belas palavras. Quando Lula chamou os produtores de “fascistas” ele usava o sentido frankfurtiano do termo, isto é, o de capitalista e conservador nos costumes. O verdadeiro e tradicional sentido do termo fascista está obviamente ligado à união satânica entre comunismo, poder estatal centralizado, e nacionalismo, baseado na ideia de um “Estado proletário”. Mas é claro que o ideólogo Aleksandr Dugin já deu a isso uma cara mais “igualitária” e palatável a um novo politicamente correto, expresso na nova distopia relativista do mundo multipolar e sua nova “epistemologia”.
Aldo Rebelo milita no PDT, partido que vem recebendo infiltração de neofascistas, mas foi membro do PCdoB durante a maior parte de sua vida. Sua postura, porém, é a da esquerda clássica, ortodoxa, que nos últimos anos vem se aproximando dos novos arranjos de terceira posição, também chamados neofascistas, que crescem em toda a Europa e têm suas células no Brasil, como o grupo Nova Resistência, do qual o ex-ministro também tem aproximação. Buscando este arranjo, Rebelo lançou, em 2021, o livro O Quinto Movimento, com bases para um novo movimento político para o Brasil.
Ali ele mostra estar atento às tendências das novas ideologias nacionalistas de terceira posição, que por definição possuem mais diferenças entre si do que estamos acostumados a ver na cartilha comunista clássica, que é pautada pelo internacionalismo e, por isso, centralizada. Trata-se de trocar o “proletariado” pelo Brasil, os interesses nacionais, dos trabalhadores do país, sem deixar de fora obviamente as tradições, religião, elogio à mestiçagem e tudo o que pode haver de mais característico do país. Mais ou menos como um neointegralismo trabalhista, a terceira posição, no Brasil, vem sendo construída sob o acompanhamento de perto por Aleksandr Dugin, através do grupelho neofascista dos metaleiros do Nova Resistência que, de tão “nacionalistas” alguns até se converteram ao cristianismo ortodoxo da Igreja russa, aquela liderada pelo Patriarca Kiril, conhecido ex-agente da KGB que abençoou os mísseis que seriam jogados na Ucrânia.
Ao observar a expressão de seus canais nas redes sociais, porém, pode parecer que possuem pouca influência. Engana-se quem se deixa levar pela tosca imagem de um ativista cabeludo vestindo uma camiseta da banda norueguesa Burzum posando ao lado de Dugin. Ou da foto icônica do ideólogo russo em um bar de periferia com amigos brasileiros.
Os grupos de terceira posição, apesar de discretos, vêm crescendo com bastante rapidez e exercendo influência de estado no Brasil. Recentemente, esses grupos se reuniram com membros da Escola Superior de Guerra, em cuja revista Aleksandr Dugin foi convidado a publicar um artigo. Congressos multipolares que traçam estratégias comuns entre representantes de grupos de países árabes e membros do BRICS, todos alinhados à Rússia, vêm tratando reiteradamente sobre temas de importância nacional, tanto em termos de relações internacionais quanto em política econômica.
Quando confrontados com o termo “neofascista” ficam indignados: para eles, o termo remete à dicotomia liberal de Karl Popper, guru de George Soros, que dividia o mundo entre sociedades abertas e sociedades fechadas, sendo essas últimas unindo comunistas e fascistas em um mesmo rótulo pejorativo politicamente. No entanto, foi o próprio Dugin o criador do movimento nazbol em oposição declarada às sociedades liberais, que convenientemente confundem com a ideologia liberal e suas consequências, jogando em seu futuro holocausto revolucionário todas as liberdades civis da sociedade ocidental e o próprio Ocidente como resultados da perversão liberal. Não é nenhuma coincidência o fato dessa ser uma plataforma bastante semelhante à do neopaganismo nazi, como expliquei aqui e aqui.
Defesa da Amazônia e liberdade econômica para produtores são algumas das plataformas defendidas por Rebelo para capturar o apoio do setor. Em países governados por ideologias como a de Rebelo, porém, produtores rurais são escravos do Estado e só podem produzir de acordo com as demandas consideradas de “interesse nacional”. Pode ser que grandes produtores e senhores de terra estejam de fato interessados em submeter sua produção e seu patrimônio à autoridade estatal, mas certamente este não é um ideal de pequenos produtores que fazem parte do público das palestras.
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