Por Sara Andrade
Usando uma frase do Paulo Francis, que foi um verdadeiro jornalista raiz de um outro Brasil raiz, que saía a chamar qualquer desavença sua -merecidamente, eu espero- de “vagabundo” em plena coluna de opinião –um dia, se Deus quiser, eu chego lá!– o Brasil, nesta sexta-feira exótica e chuvosa de abril, “tem avançado corajosamente de cara contra meu punho“.
Esta frase incrível pode e deve ser explicada: “Não sou eu quem estou indo atrás para socar o sujeito. É ele que está insistindo em vir com a cara diretinho em minha mão fechada“.
Paulo Francis, no mesmo texto visceralmente sincero pelo qual me apaixonei, promete “pegar leve” com seus carrascos, contentando-se em lhes dar uns bons tapas quando chegar ocasião oportuna. Aquilo me deu uma bandida de uma saudade. Nós precisamos de mais jornalistas assim: que, porque têm brio, coisa essa tão em baixa, sentem impulso de espalmar patifes e nem de longe cortejam uma tosca amostra de pacifismo mongoloide –coisa essa tão em alta.
Até parece que não temos problemas reais. Que não estamos enfrentando uma onda estranhíssima de adolescentes envolvidos em ataques terroristas. Qual ópio nos tem feito esquecer da iminência, ou melhor, que estamos pisando na beirinha última do penhasco que derroca na Terceira Guerra Mundial? De onde vem a água batizada que você está engolindo, a mesma que te faz esquecer que as pessoas ao seu redor estão vivendo muito, mas muito infelizes?
A resposta é mais estapafúrdia do que o limite suportável por lei: é que se falta uma droga alienante, nós criamos outras novas, dependendo da necessidade. “Não estou fazendo nada… acho que vou ser fútil“, diz o pobre Brasil, percorrendo os primeiros quilômetros de sua inocente jornada rumo a meu punho cerrado.
Em primeiro lugar, vamos à coitada da Marília. A gente diz que ama, ama, ama, que sente saudades e não sei lá mais quê de melosidades dissimuladas. Então algum grande idiota libera, passado um ano do acidente aéreo que a matou, fotos inacreditáveis do seu corpo no Instituto Médico Legal. Num desrespeito descomunal. E nós achamos muito feio mesmo. Mas depois de achar muito feio mesmo, nós procuramos as benditas fotos para dar uma olhada.
É possível desejar que um despudorado desses não venha correndo a cem por hora, numa pista de quarenta, de cara contra meu punho? Contra meus delicadíssimos punhos pedagógicos? Atritar a face contra a minha, como classifico, amorosa estrutura óssea da mão? Ora, children, não só de afagos pode sobreviver o homem.
Toda sociedade que se preze necessita daquele tipo fora da curva que chega e chuta violentamente o pau da barraca. Mesmo que ele ganhe uma fama grotesca, e vai mesmo ganhar, nós precisamos tanto dele como um filho pequeno precisa daquele “não” mais duro do pai, e não somente da barra de saia receptiva da mamãe.
Portanto, se o Brasil se comporta como uma criança birrenta em plena sexta-feira da Páscoa, talvez seja porque nos falte a braveza heroica de um jornalista desconluiado com a maioria. Ou, que seja, de qualquer pessoa que fale o engasgado que ninguém está falando. Que eu bata, em diante, na “polêmica” envolvendo o Sérgio Moro.
Num “vídeo bombástico” que desconsidera totalmente o significado da palavra “bomba“, o senador e ex-juiz é pego rindo, falando com alguém do lado sobre “comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes“. Sabe aquela piada irônica que eu e você fazemos alfinetando uma desavença, num papo particular? É só isso, mas a mídia brasileira, cuja cara de pau não se amaça com um mero choque de punho, quer fingir que não entendeu. Quanta novidade! Bom, passemos.
Passemos ao Padre que gosto, embora sonho que usasse batina –ah, meu padre, desculpe, mas eu quis dizer e então disse. Fábio de Melo postou, em seu Instagram, um vídeo de comédia, que há muito tem rodado por aí, curtido por milhares de brasileiros, que mostra um homem gordo caindo sobre um magrinho na praia. Bem ao estilo “Seu Barriga está amassando o Chaves“.
De repente, alguém mais cristão em ética que o próprio Cristo apontou a sua terrível desumanidade, o seu grotesco coração magro e a sua insensível mentalidade. E o padre… excluiu a publicação e postou um pedido de desculpas. De caráter oficial e tudo. Assumindo-se como um o monstro cruel que não liga para a humanidade do gordinho. Que obviamente quer que ele morra de obesidade. Então, se cada um puder escolher seu gordofóbico favorito, eu de modo algum fico com o padre: prefiro o César Menotti.
Sei lá, eu acho perigoso, desta vez, chamá-los todos, em procissão, à festa do punho nervoso. Fica, em aberto, o convite, a quem quiser. Levem, cada um, suas bebidas, porque eu sou uma freelancer metida a Paulo Francis. Tragam-me, cada um, o problema da vez que conseguirem criar. Nós exibiremos todos eles num telão, antecipando o trabalho penoso de São Pedro no Juízo Final.
Ah, que dia vergonhoso não será aquele: a cara de pau nossa avançando corajosamente contra o punho de Nosso Senhor, carpinteiro.