Em fevereiro de 2021, quando se iniciava a vacinação contra covid-19 em todo o mundo, um artigo publicado no periódico The New England Journal of Medicine (NEJM) apresentava 12 técnicas a serem usadas por autoridades sanitárias de estados americanos para literalmente “promover as vacinas”. A principal justificativa para o uso de uma campanha de marketing era evitar um prejuízo bilionário depois que o governo americano dispendeu nada menos que 10 bilhões de dólares em uma operação para a vacinação.
Na semana passada, trouxemos aqui um artigo sobre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no sentido de se utilizar técnicas de manipulação para a modificação de comportamentos vistos como benéficos à saúde pública por cientistas da entidade. O estudo da OMS foi publicado no final de 2021, mas já desde o início da vacinação contra covid-19, uma série de técnicas de persuasão extraídas diretamente de experiências na área da propaganda foram estudadas para serem implementadas.
O artigo, intitulado Beyond Politics — Promoting Covid-19 Vaccination in the United States (Além da política – promovendo as vacinas contra covid-19 nos Estados Unidos), que pode ser lido na íntegra no site da publicação, é de autoria de Stacy Wood e Kevin Schulman. Os autores recomendam utilizar-se de situações reais para gerar condições à melhoria da imagem das vacinas.
Segundo eles, com as divergências naturais da comunicação científica somadas à pouca compreensão popular delas e a uma resistência natural a “inovações disruptivas”, “fica claro que precisaremos de inúmeras estratégias de comunicação para garantir uma ampla aceitação da vacina”, garante a publicação.
Assim, os autores sugerem 12 estratégias-chave baseadas em pesquisas de consumidor e economia comportamental.
- Segmentar o público de acordo com as barreiras de identidade – Nesta estratégia, os autores observaram que as informações científicas e médicas sobre uso de máscaras, por exemplo, não fora tão determinantes quanto adesões políticas. Os autores recomendam evitar rotular “negadores” das máscaras como conservadores para não fortalecer a politização. Eles alertam que as estratégias não podem ser a mesma para públicos diversos, ressaltando que o reforço do perigo do vírus pode assustar alguns e motivá-los a aderir, mas pode impulsionar um senso de desafio de grupos menos temerosos. Os autores se preocupam em não parecer que a obrigatoriedade de uso de máscaras seja relacionado a violação de liberdades. O mesmo funcionaria para as vacinas.
- Eleger um inimigo comum – A escolha do perigo que possa unir esquerdistas e conservadores pode ser difícil, argumentam os autores. Eles demonstram o fracasso da demonização do vírus, o que funciona para esquerdistas, mas não para conservadores, que veem como exageros sensacionalistas ou uma farsa. Assim, eles sugerem outros inimigos, como a pobreza, para que se obedeçam as restrições em nome do rápido retorno ao trabalho ou estimular competição entre países para ver quem volta ao normal mais rápido, o que significa mais obediência em ambos os grupos.
- O poder das analogias – Aqui os autores recomendam analogias que unam os grupos, como “guerra ao vírus” e lembram como informações científicas muito complexas podem confundir e não levar à tomada de decisões claras que conduzam à obediência às recomendações. Eles citam o exemplo de probabilidades sobre infecção por pessoas vacinadas, sendo preferível responder com uma analogia do que objetivamente. Exemplo: diante da pergunta se as vacinas garantem que as pessoas não terão covid-19, ao invés de dizer simplesmente “não”, que seria a resposta objetiva, os autores recomendam respostas como “A probabilidade é quase a mesma de ser morto em um acidente de carro”, sugerem.
- Prestígio visível – Nesta estratégia-chave, os autores recomendam abertamente que o status vacinal das pessoas seja visível, de maneira a ampliar a discriminação. Na verdade, o objetivo é criar notoriedade para que as pessoas se tornem “anúncios ambulantes” de vacinas. Os autores admitem que tiveram essa ideia ao observarem o sucesso do iPod sobre outros tocadores de mp3 por ter utilizado fones de ouvido brancos, o que ampliava a notoriedade dos usuários.
- Aproveitar a escassez natural – Neste ponto, os autores recomendam aproveitar-se da dificuldade inicial de vacinação observada na época em que o artigo foi escrito. Aqui eles falam pela primeira vez de um expediente que ficou conhecido em todo o mundo: o costume de tirar fotos da vacinação, o que pode ter sido adotado depois da sugestão dos autores do artigo. O objetivo era gerar uma sensação de escassez ou prestígio na vacinação, fazendo com que todos queiram participar da “festa”.
- Prever e lidar com efeitos negativos – Aqui os autores se referem ao aspecto negativo associado às vacinas que ficaram prontas em tempo recorde e foram aprovadas emergencialmente. O estigma de “experimento” pode se revertido, por exemplo, pelo fornecimento de vacinas para áreas mais pobres com população normalmente desfavorecida, melhorando a imagem do produto. Mas alertam que isso pode criar uma outra perda na imagem, ao ser sugerido que os pobres estariam sendo usados como “ratos de laboratório”. Com isso, recomendam que os promotores saibam prever as atribuições negativas e se anteciparem para lidar com elas.
- Medo do arrependimento futuro – os autores recorrem a pesquisas sobre seguros, mostrando que muitas pessoas podem ser facilmente persuadidas a se prevenir contra eventos altamente improváveis. Eles dizem claramente: “As pessoas podem ser especialmente persuadidas pelo medo por seus entes queridos. Também podemos ser motivados pelo arrependimento antecipado dos outros (por exemplo, “Faça isso para que sua mãe pare de se preocupar e durma um pouco.”). De fato, muitas pessoas vêm sendo vacinadas por este tipo de emoção específica, que os autores recomendam que seja explorada para a promoção das vacinas na população.
- Evitar informações de risco fragmentadas – os autores perceberam que o público é muito mais afetado por informações sobre riscos e efeitos colaterais do que sobre os benefícios, especialmente quando esses dados negativos são fracionados ao longo do tempo, o que dá uma impressão de que os riscos estão aumentando. Por isso, eles recomendam que as autoridades evitem manter as pessoas informadas demais sobre novos riscos descobertos em meio a um experimento, como o das vacinas, preferindo aguardar ou informar tudo em uma única fonte concentrada. Essa estratégia demonstra que essa não parece ter sido a preocupação quando se informava sobre os riscos da covid-19.
- Promova ações de compromisso – Os autores se baseiam na técnica usada em cafeterias, quando são oferecidas três opções de tamanho, baseado na percepção de que a maioria das pessoas tende a buscar uma opção vista como normal e afastar-se de extremos. O café médio é sempre o mais pedido. Assim, eles sugerem que as autoridades sanitárias evitem dar aos cidadãos duas opções, como tomar a vacina ou não tomar. Seria preferível que se oferecessem três: tomar agora, marcar a injeção para mais tarde, ou não tomar. O melhor ainda, dizem eles, é não oferecer a opção “não tomar”: tome agora e doe sangue, tome agora sem doar sangue ou agende sua injeção para mais tarde.
- Crie motivações – Os autores sugerem promoções, oferecimento de prêmios ou, no caso de empresas, oferecer dias de folga para funcionários por supostamente estarem tornando seu local de trabalho mais seguro. Oferecimento de prêmios por tempo limitado fará com que as pessoas corram por medo de perder determinado prêmio. Entre as famílias, sugerir bônus para que membros da família façam a vacinação um de cada vez, sugerindo que a cada semana seria o dia de um deles. O artigo explica que essas estratégias são necessárias principalmente pelo fato de que vacinas incluem riscos de efeitos colaterais e vê-las com uma imagem positiva reduz a tensão sobre essa ação.
- Negligência de singularidade – nesta estratégia, sugere-se criar alternativas clínicas para pessoas que se vejam como singulares, seja por medos de agulha ou sensibilidades específicas ou simplesmente por acreditarem que a vacina não é para elas por se sentirem diferentes da maioria. O interessante nessa estratégia é que os autores antecipam as chances de vacinas pediátricas ao sugerir que “as próximas vacinas, com rotulagem pediátrica”…
- Neutralize os casos anedóticos optando por taxa básica – Aqui os autores lembram que o primeiro caso de reação adversa rara pela vacina da Pfizer foi amplamente noticiado. Eles recomendam que médicos busquem neutralizar a influência dos chamados “casos anedóticos” ou isolados optando por reforçar as estatísticas. Os autores também sugerem que jornais e sites de notícias ressaltem episódios positivos sobre vacinas, como uma família que sai para passear após tomar a vacina. Aqui eles tratam de um tema espinhoso para o jornalismo: a singularidade. No jornalismo, é muito mais noticiável um evento adverso raro do que uma taxa básica. Assim, eles sugerem que o jornalismo deixe de ser jornalismo.