Nesta semana, a revista Exame simplesmente mudou o que havia dito um ano antes para possibilitar a classificação retroativa de fake news contra quem a citasse. Foram vários os sites que já modificaram o próprio conteúdo para mudar a versão dos fatos e classificar, assim, os que a citavam como mentirosos. Esse expediente se repetiu muitas vezes, mas o caso da Exame, por ter sido contra o presidente da República e ter afetado diretamente o site Brasil Sem Medo, utilizamos como representante simbólico desse revisionismo informativo (ou desinformativo).
No caso, era Bolsonaro que citava a notícia, imediatamente refutada por checadores, modificada pela fonte. Os checadores chegaram a alegar que não modificaram a matéria, assumindo apenas que a “atualizaram”. Vamos entender.
Em outubro de 2020, a Exame publicou a matéria com o título:
“Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV”.
Na matéria original, que só pode ser lida pelo site Web Archive, trazia no subtítulo ou linha de apoio:
Adenovírus utilizado na produção de vacinas contra o novo coronavírus pode ser um facilitador para que o paciente contrair o vírus da Aids
Exatamente um ano depois, em outubro de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro lembra dessa questão em sua transmissão online, agências de checagem e veículos de mídia correram para desmentir e o link original da matéria foi alterado.
A Exame, então, publicou uma nova matéria com o título: “cientistas reagem à mentira dita por Bolsonaro sobre vacinas e aids”. Mais do que isso: a matéria original também foi modificada e praticamente trocada por outra matéria, no que podemos classificar como um revisionismo jornalístico. Veja como ficou a mesma matéria do ano anterior após Bolsonaro citá-la:
“Out/2020: Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?”
Linha de apoio:
“Cientistas se basearam em análises feitas em 2007. Por ora, nenhum teste realizado com as vacinas da covid mostrou resultado semelhante”
No texto da matéria, foram feitas modificações pequenas, mas acrescentando que não há estudos que comprovem essa relação. No entanto, é sabido que países como a Namíbia e a África do Sul limitaram as vacinas com adenovírus temendo justamente essa ligação.
No dia seguinte, o Facebook, Instagram e You Tube retiraram do ar o vídeo do presidente. Além disso, depois da repercussão da live, o senador Alessandro Vieira (Cidadania) enviou a declaração do presidente à análise da controversa CPI da Covid e pediu que o conteúdo da fala fosse enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para “análise”. O Facebook, responsável também pela plataforma Instagram, justificou a retirada do conteúdo dizendo que “nossas políticas não permitem alegações de que as vacinas de Covid-19 matam ou podem causar danos graves às pessoas”.
Mas, apesar de classificado como fake news, a relação entre as vacinas e o HIV não é algo simples nem um assunto novo. O episódio representa uma amostra contundente da politização da ciência experimentada na pandemia e tocada de maneira irresponsável pelas agências de fact-checking no afã de defenderem as agendas de seus financiadores e parceiros da indústria das vacinas. A associação entre vacinas contra a Covid-19 e a Aids não é nova. O tema foi tratado pela revista Science, em 2020, quando um grupo de pesquisadores desaconselhou o uso das vacinas em locais que apresentem epidemia de Aids, como a África do Sul. Segundo eles, o mecanismo de ação das vacinas nas células de organismos mais debilitados pode facilitar a infecção pela Aids. Outro artigo, publicado na The Lancet, abordou o mesmo problema e foi a fonte da Exame. Diversos médicos desaconselham as vacinas experimentais para covid para pessoas que tenham doenças autoimunes ou que tenham tido já a covid-19. Isso porque o estímulo imunológico das vacinas novas pode desencadear uma reação autoimune imprevisível.
Na Namíbia, o governo deixou de distribuir a russa Sputnik, depois que a agência de regulação sanitária da África do Sul apontou a mesma preocupação. Os fabricantes do imunizante negam a relação e dizem que a Sputnik seria segura.
Diante de tudo isso, por meio da parceria com o Twitter, os veículos checadores estamparam o seguinte aviso para todos os usuários da plataforma:
Reportagem da Exame não contém alegação falsa difundida por Bolsonaro em live, dizem AFP e Estadão
Diferentemente do que foi dito pelo presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal, a reportagem da revista Exame, de outubro de 2020, não trouxe nenhuma informação conclusiva sobre qualquer associação entre a vacina contra à Covid-19 e a Aids. Os supostos estudos britânicos mencionados pelo presidente, já desmentidos por autoridades de saúde do Reino Unido à AFP, não foram abordados na Exame. A reportagem apenas citou uma carta publicada por pesquisadores, na revista científica The Lancet, demonstrando preocupação com dados que “nunca foram confirmados”, conforme explicou à AFP o imunologista Rafael Larocca, pós-doutor pelo Centro de Virologia e Vacinas de Harvard. O Comitê de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia também reforçou que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a Covid-19 e a Aids.
Assim como na “checagem automática” feita contra o jornal Brasil Sem Medo (BSM), nas redes sociais, a mensagem visa checar o que não foi dito. Nem o presidente e nem o site BSM afirmou haver estudos conclusivos que ligassem as vacinas à Aids. Esse pressuposto é chave, no entanto, para a classificação de fake news. Esse é mais um episódio no qual uma mentira se faz necessária para acusar outros de mentir. Checar uma fala inexistente faz parte do modelo da checagem das agências brasileiras e internacionais, como temos dito.
Nas redes sociais, os checadores colocaram o aviso repetido em todas as matérias que citassem o caso, enfatizando que “a Exame não se contradisse”.
Ainda no Twitter, insistem em dizer que:
“usuários asseguram que o presidente Jair Bolsonaro se baseou em uma matéria da revista quando disse que vacinas contra a #COVID19 causam aids, em 21/10/2021. No entanto, a reportagem compartilhada nas redes não traz a alegação difundida pelo mandatário”.
Mas o que precisa fica claro nessa questão é que nem o estudo do Reino Unido, nem o presidente e nem os sites como o BSM jamais afirmaram que as vacinas para covid-19 simplesmente “causavam” Aids. Se o presidente insinuou ou gerou essa conclusão nas pessoas, isso ainda não deveria ser problema, afinal, quantos jornais geraram conclusões precipitadas sobre a covid-19 desde o início, começando pelo pânico causado que faz com que pessoas usem máscaras dentro do carro sozinhas ou em academias, ou ao ar livre. Essas conclusões aparentemente não trouxeram problemas de saúde ou psicológicos, mas o medo infundido involuntariamente sobre vacinas parece representar um perigo maior. Um perigo para certos interesses, é claro.
Se Bolsonaro não disse exatamente isso, muito menos os sites, como o BSM, o fizeram. Afinal, a notícia apenas registrou a fala do presidente e não deu sequer um argumento ou enfatizou algum elemento em favor do que ele dizia, o que indica que a mera informação passou a significar uma “fake news”, desde que tenha vindo de um site que conhecidamente não se dedica a atacar o governo.
A afirmação de uma espécie de causalidade entre a inoculação de vacinas e o HIV é obviamente um espantalho criado para a perseguição implacável mantida pelas agências. O que eles nos confirmaram é que a mera informação do que disse o presidente ou a informação da existência do estudo da Lancet é proibido e deve ser punido.
No entanto, toda essa manipulação apena deu margem para outras matérias no mesmo sentido, usando o efeito pauta sobre pauta, quando as notícias servem de gancho a outras e outras, produzindo um efeito em cascata. No caso, uma cascata de mentiras.
O Estadão, então, publicou no dia seguinte: “Bolsonaristas distorcem notícia para tentar justificar mentira do presidente sobre vacinas e HIV”. No caso, o jornal classificou a relação direta criada pelas próprias agências como “teoria da conspiração”.
Na linha de apoio, o jornal sustenta que “Texto lido por Bolsonaro em live nas redes sociais é de site de teorias da conspiração; revista ‘Exame’ publicou reportagem em outubro de 2020 que não sustenta a tese infundada de que vacinas causariam Aids”.
O Estadão se referia a um site que de fato foi usado como fonte por Bolsonaro, que na live, segurava uma folha que reproduzia um texto do site Before It’s News, que segundo o jornal seria um “site conhecido por espalhar desinformação sobre vacinas e teorias da conspiração na internet. O boato depois foi abraçado por sites antivacina brasileiros, como Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva”.
Mas, embora se possa questionar o conteúdo do site citado, a verdade é que nenhuma informação usada ali pode ser totalmente desacreditada, muito menos estereotipada dessa forma. E a desonestidade dos checadores fica evidente até mesmo quando eles resolvem desacreditar um site que já tem aparente escassa credibilidade. Disse o Estadão que “Em resposta aos jornalistas, o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido e o Public Health England disseram que nenhum relatório do governo britânico tinha essa conclusão e que o boato tinha se originado em site que propaga ‘fake news’”.
Mas quem falou em “conclusão”? Voltemos ao título do Before It’s News:
“A comparison of official government reports suggest the fully vaccinated are developing acquired immunodeficiency syndrome much faster than anticipated”
Ou seja, em tradução livre: uma comparação de relatórios oficiais sugere que os totalmente vacinados desenvolveram síndrome de imunodeficiência adquirida mais cedo do que o esperado”. Trata-se de uma análise de vários estudos governamentais que, cruzando dados, chegou-se não a uma conclusão, mas à sugestão de uma possível tendência, baseada, inclusive, em uma já antecipada suspeita científica. A própria checagem dessa matéria feita pelo Fato ou Fake, agência da Globo, é mais fiel no próprio título da checagem, quando escreveu que: “É #FAKE que relatórios do governo do Reino Unido sugerem que vacinados contra Covid têm desenvolvido Aids”.
Mesmo assim, a ideia pode ser de que todos os vacinados têm desenvolvido Aids, o que também não é dito no texto do Before It’s News.
A verdade é que mesmo conservadores, pessoas profundamente preocupadas com os riscos das vacinações experimentais e pró-governo, classificaram o site Before como um site de fake news, uma conclusão induzida por agências baseada no pressuposto de que notícias que produzem sentimentos de desconfiança sobre vacinas são perigosos. Essa é a premissa de qualquer um que torça o nariz para o site que poderia ser classificado como um blog sensacionalista, não mais do que isso. Mas a julgar pelo que os jornais de grandes e consagrados veículos fizeram ao longo da pandemia, contando mortes diárias em capas que estampavam funerais, o sensacionalismo não parece estar proibido. Exceto, é claro, o sensacionalismo que explore a suspeita sobre uma certa indústria milionária.