A reportagem “Como o lobby contra o aborto avança no Brasil” publicada em 30/04 no El País Brasil, por Luiza Villaméa e Mônica Tarantino, traz diversas imprecisões e acusação falaciosa de fake news contra o trabalho desenvolvido e publicado no Estudos Nacionais, por este colunista. Dentre os pontos que precisam ser esclarecidos destacamos:
1) Reportagem paga por fundações internacionais tenta negar financiamento da pauta do aborto
Seria cômico se não fosse a triste verdade. A reportagem tenta imputar a mim a falsificação de dados do relatório “18 milhões de dólares para legalizar o aborto no Brasil via judiciário” e negar a existência de um sistema de financiamento internacional para a pauta do aborto. Contudo, a própria reportagem só foi possível graças ao financiamento de entidades progressistas, como está destacado ao final de seu texto:
No site do Instituto Patrícia Galvão, sua lista de parceiros inclui não apenas a Fundação Ford e o Fundo Populações da ONU, tradicionais financiadores da pauta, mas até a maior clinica de abortos do mundo, Planned Parenthood, por meio de sua federação (IPPF – International Planned Parenthood Federation)
Veja a prova:
Incrivelmente, é nessa reportagem, financiada “de forma indireta” por uma clínica de abortos, que querem negar a existência de financiamento na pauta abortista.
2) Checagem sobre Fiocruz é falaciosa
Tentaram questionar a credibilidade do relatório, com a “checagem” de um dos valores descritos no documento. Trata-se de 4,2 milhões de dólares destinado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo a reportagem do El País, a Fiocruz informou que usou esse recurso para projetos da área de saúde da mulher e da criança, e não para a pauta do aborto. Ora, onde se insere a pauta do aborto? Nas pesquisas sobre saúde da mulher! Parece que nessa hora o El País e a Fiocruz esqueceram que eles mesmos defendem, de forma insistente, que o aborto seria uma questão de saúde pública.
Não obstante, o fato de uma entidade receber vultosos recursos financeiros de tradicionais financiadoras da pauta do aborto (Bill e Melinda Gates Foundation e Open Society Foundation) e ir até o STF defender a legalização do aborto já denota alinhamento ao movimento internacional de financiamento da pauta Mesmo que, porventura, fosse comprovado que os recursos tivessem sido usados em pesquisas sobre plantio de bananas, ainda seria pertinente ver que a Fiocruz atua na militância pró-legalização e recebe recursos de quem investe pesado na questão do aborto. Esse fato é incontestável. Também não encontrei, até hoje, sequer uma pesquisa claramente contrária a leglaização do aborto feita por algum pesquisador da Fiocruz. Todas que vi são favoráveis ao aborto, posição dos financiadores.
Mas as jornalistas do El País também foram levianas ao imputar o caráter de fake ao relatório porque deixei claro que há sim a possibilidade de que tais valores não fossem exclusivamente destinados a pauta do aborto. Coloquei inclusive em nota de rodapé, o link de um evento da Fiocruz onde é defendida a legalização do aborto, mostrando que, sim, existe um alinhamento. Todas as minhas ressalvas foram ignoradas.
Mas veja que curioso: a Fiocruz enviou um pesquisador da área da saúde da mulher e da criança para a audiência do STF exatamente para defender a legalização do aborto. Trata-se do obstetra e ginecologista Bastos Dias (mestre e doutor nas áreas de Assistência à Saúde da Mulher e da Criança). A outra representante da Fiocruz na audiência, era a Dra. Mariza Theme-Filha, da Escola de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
Mas são inúmeros os exemplos que demonstram como a Fiocruz aderiu a pauta da legalização e exerce papel importante na reivindicação dessa pauta. Seus estudos são subsídio em formato de pesquisa acadêmica, para a militância. Veja alguns exemplos:
- Aborto legal como na capa da revista Radis (Fiocruz) de agosto de 2018,
- Programas de entrevistas sobre aborto e redução de danos
- Programa em vídeo fala sobre aborto como problema de saúde pública
- Programa Sala entrevista trata de aborto ilegal e SUS
- Programa “sala de convidados” em agosto de 2018 tratava sobre “descriminalização do aborto“
- Matéria em portal mantido pela Fiocruz: aborto legalizado no Uruguai em claro texto pró-descriminalização
- Matéria em portal mantido pela Fiocruz: “aborto é visto como questão de saúde pública, mas mulheres continuam criminalizadas
- Matéria em portal mantido pela Fiocruz: “Aborto e preconceito no cerne do debate
- Matéria em portal mantido pela Fiocruz: “A população de maior risco à epidemia são mulheres pobres e negras do Nordeste do país”
- Matéria em portal mantido pela Fiocruz: [aborto legal é] “Necessário, justo e possível”
- Nota de esclarecimento da posição da Fiocruz divulgada em nov/2018 deixa claro que apoiam a legalização do aborto e que o pleito se insere na saúde pública e saúde da mulher.
- Artigo “A experiência do aborto na rede: análise de itinerários abortivos compartilhados em uma comunidade online“
- Artigo “Aborto e estigma“, analisa e evoca pertinência de descriminalizar o aborto
- Pesquisa “Atrasos no acesso ao tratamento das complicações relacionadas ao aborto: a experiência das mulheres no Nordeste brasileiro“
3) Redação eloquente quis me colocar em descrédito
Por algum motivo, talvez por minhas ocasionais participações em grupos de médicos falando sobre pesquisas de saúde pública e aborto, uma outra entrevistada pela reportagem do El País pensou que minha profissão seria a de médico. Assim, o El País, ao invés de compreender um mal-entendido insignificante, preferiu dar destaque a ele e esclarecê-lo de forma bastante eloquente, diz a reportagem no El País: – “O doutor Marlon é, na verdade, o administrador de empresas Marlon Derosa, um dos donos da Editora Estudos Nacionais”. Ora, uma boa redação jornalística não traz informação desnecessária ao leitor. Portanto, só posso concluir que houve um desejo de deixar subentendido, para aqueles leitores maliciosos, que eu poderia ter, um dia, tentado me passar por algo que não sou.
4) Adjetivo desnecessário ou pejorativo?
Em seguida, após esclarecer que eu poderia, quem sabe, ter tentado me passar por médico, descreve-me como “Católico praticante” e “contra o aborto em qualquer circunstância”. Ora, na ligação telefônica com a jornalista, em meados de setembro ou outubro de 2018, lembro-me bem que não falei sobre esse assunto. Mas o fato é que buscaram verificar, não sei por quais meios, se eu tinha prática religiosa, claramente para tentar reforçar a cantilena de que a posição contra a legalização do aborto se dá por mera questão de religião, o que traz aí a ideia de que seria ilegítimo defendê-lo por questão de fé, e que o trabalho de quem pratica uma religião no debate sobre aborto deve ser visto com as ressalvas e descrédito. É a velha concepção de que fé e razão, ou fé e ciência, seriam antagônicas. Em resumo, eu seria detentor de uma cidadania de segunda categoria (só faltou acusar-me de não ser mulher). O estratagema de rotular alguém pela sua fé no intento de descredibilizá-lo precisa acabar. É uma atitude deveras anti democrática e intolerante, um ataque à liberdade religiosa e à liberdade de expressão da qual todo o brasileiro tem direito.
Em resumo
Reportagem pró-legalização do aborto financiada pelo Instituto Patrícia Galvão (consequentemente também por fundações internacionais e também pela maior clínica de abortos do mundo) acusou-me de mentir sobre a existência de uma mega estrutura de financiamento da pauta do aborto, mas fracassou e distorceu as coisas ao fazer a checagem. Por saberem que estavam apenas criando uma narrativa imaginária, buscaram fazer um malabarismo para tentar me desacreditar, usando de um equívoco de outrem sobre minha formação acadêmica, e aplicando-me o rótulo de “católico praticante”, como se isso fosse um defeito, mostrando, de tal modo, como são preconceituosos e intolerantes com quem não comunga dos dogmas da “religião abortista”.