Autores: Marlon Derosa e João Felipe Melo
11 de março de 2019. Rev Estudos Nacionais online, 2019, vol 2.
Em 2010 e 2016[i] (PNA 2016) foram realizadas no Brasil duas edições da intitulada Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), em parceria com o Ministério da Saúde. A pesquisa teve como um de seus objetivos analisar a magnitude do aborto clandestino no Brasil e foi desenvolvida por conhecidos militantes pela legalização do aborto no Brasil, em especial a pesquisadora e professora Dra. Débora Diniz.
Desde a sua publicação, tornou-se frequente os grandes veículos de comunicação, instituições governamentais e não-governamentais, bem como partidos políticos, utilizarem a estimativa de abortos clandestinos da PNA 2016: em torno de 500 mil abortos clandestinos por ano em território brasileiro. Além desse número estimado de abortos clandestinos, também integra o núcleo do debate outra informação advinda da PNA 2016, que é a prevalência de abortos clandestinos. Segundo a PNA 2016, ao final da vida reprodutiva, 20% das mulheres brasileiras terão recorrido a um aborto clandestino.
São em especial esses dois dados que serão objetos de análise neste artigo, devido à sua relevância e recorrente uso como argumento em prol da legalização do aborto no país.
É importante destacar que a PNA 2016 não é uma pesquisa internacional, não sendo em geral citada nos relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e por pesquisadores estrangeiros. Em nível internacional a estimativa de abortos clandestinos utilizada ainda é a da publicação de Singh e Wulf (1994), que projeta algo entre 800 mil e 1 milhão de abortos clandestinos ao ano no Brasil, o que é ainda mais implausível e foi objeto de forte crítica e refutação pela publicação internacional de Kock et al (2012) e em recente livro publicado no Brasil (Derosa, M. 2018).
Principais críticas aos resultados da PNA 2016
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA 2016) tem sido alvo de críticas de opositores das propostas de legalização do aborto por inúmeros motivos, destacando-se a presença de conflito de interesses e a implausibilidade dos resultados.
Conflito de interesses: esta crítica justifica-se pelo fato de a pesquisa ter sido elaborada por pesquisadores com longo histórico de militância pró-legalização do aborto no Brasil, sendo que a principal pesquisadora, Dra. Débora Diniz, notoriamente faz da militância profissional. Enquanto militante e pesquisadora, conta com significativo apoio financeiro quer seja para sua ONG, a Anis Bioética e Gênero, quer seja via International Women’s Health Coalition (IWHC), ONG internacional em que atuava como vice-presidente, a qual movimenta milhares ou milhões de dólares ao ano, advindos da chamada indústria internacional do aborto, composta por grandes fundações apoiadoras da causa.
Também pode ser considerado conflito de interesses o fato de ter sido publicada na revista Saúde Coletiva, cuja mantenedora é a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Pública), entidade com claro posicionamento pró-legalização e que chegou a participar, em 2018, da Audiência Pública no âmbito da ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442), no Supremo Tribunal Federal (STF), em que se requeria a legalização do aborto até 12 semanas em caso de vontade da gestante. Os resultados da PNA 2016 estão entre as principais peças de argumentação usadas pela ONG Anis Bioética e Gênero, que participou como assessoria técnica do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) quando este entrou com a ação da ADPF 442 no STF. Ou seja, a crítica de conflito de interesses se dá diante do inegável fato de que a PNA 2016 é uma peça chave na estratégia de reivindicação da legalização do aborto no Brasil.
Implausibilidade de resultados: a outra parte da crítica, e certamente a mais importante, se deve à implausibilidade dos resultados e de questões controversas nos métodos utilizados na PNA 2016, sendo este o foco principal de nossa análise.
Prevalência e a relação entre abortos espontâneos e provocados
Como demonstrado na Tabela 1, diversas pesquisas já foram desenvolvidas e mensuraram a prevalência de abortos gerais, provocados clandestinamente ou espontâneos, no Brasil, nas últimas décadas. Quando se compara a prevalência da PNA 2016 com a coluna prevalência geral, verifica-se uma estranha coincidência. Essa coincidência sugere que a prevalência verificada na pesquisa PNA 2016 seja, na verdade, a prevalência geral de abortos, que inclui espontâneos e provocados, e essa suspeita é reforçada por outros indícios que veremos a seguir.
Tabela 1. Principais pesquisas que indicam proporção entre aborto espontâneo e provocado e prevalência geral de abortos
Dados básicos da pesquisa | Tipo de aborto | ||||
Data | Publicação | Amostra | Prevalência geral | Espontâneo | Provocado |
2013 | BRASIL, 2013. Min. da Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013). Portal MS.Saúde.Gov.BR | 81.767 | 17,3% | 87,8% | 12,2% |
2007 | Nader, PRA., Blandino, V da RP., Maciel, ELN. Características de abortamentos atendidos em uma maternidade pública do Município da Serra – ES. Rev. Bras Epidemiol 2007; 10(4): 615-624 | 61 | Não calculada | 75,0% | 25,0% |
2006 | Carneiro, MCM de O. Prevalência e características das mulheres com histórico de aborto – Vila Mariana, 2006. São Paulo. Dissertação de mestrado. Defendida em 2009. Escola Paulista de Medicina. Universidade Federal de São Paulo. | 1.121 | 15,6% | 72,0% | 28,0% |
1996 | Osis, MJ., Hardy, E., Faúndes, A. e Rodrigues, T. Dificuldades para obter informações da população de mulheres sobre aborto ilegal. Rev. Saúde Pública vol.30 no.5 São Paulo Oct. 1996. | 1.838 | 22,2% | 81,9% | 18,1% |
1996 | Ceratti, Guerra, Sousa, Menezes. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Dados do PNS 1996. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.32 no.3 Rio de Janeiro Mar. 2010. (publicação de 2010 sobre base de dados 1996 PNDS) | 12.612 | 16,4% | 85,3% | 14,7% |
1994 | Gabiatti, José Roberto Erbolato. Características das mulheres, frequência, complicações e custos do aborto: suas variações de acordo com a comercialização do Misoprostol. Campinas, SP. Dissertação de Mestrado em Ciência Médica – Tocoginecologia. UNICAMP. 1994. | 1.738 | 25,7% | 61,0% | 39,0% |
Com base em todas as pesquisas acima destacadas, os abortos espontâneos representam, grosso modo, mais de 70% dos casos de aborto.
Portanto, qualquer estimativa de abortos deve ter especial preocupação em mapear e segregar abortos espontâneos e abortos provocados clandestinamente. A PNA 2016 negligenciou o tratamento dos abortos espontâneos, gerando um grande risco de provocar uma superestimativa de abortos clandestinos, pela inclusão de perdas espontâneas em sua estimativa, conforme os próprios autores admitem, em um artigo complementar que explica a metodologia de aplicação da Pesquisa Nacional do Aborto[ii]:
“O questionário da urna perguntava à mulher “Você já fez aborto alguma vez?”. Além disso, a informação contextual do restante do questionário (três questões adicionais) enfatizava a sondagem do aborto induzido. Mesmo assim, apesar da redação utilizada ter como objetivo a captação do aborto induzido, é possível que tenha captado também abortos espontâneos. Enunciados alternativos, mais incisivos na identificação da indução, foram avaliados nos pré-testes e descartados.” (grifo nosso)
Aplicar um questionário em uma pesquisa dessa natureza sem a devida segregação da situação do aborto provocado e do aborto espontâneo traz certamente um risco de comprometer os resultados obtidos.
O uso da técnica de urna, que é dito pelas pesquisadoras como uma das principais vantagens de sua pesquisa, pode, na verdade, ser visto como uma grande desvantagem: por não se basear em entrevistas, eventuais interpretações indevidas por parte das mulheres participantes da pesquisa não podem ser esclarecidas pelos pesquisadores na coleta de dados. Como admitem os pesquisadores, é possível, ou provável, que mulheres que tenham apenas passado por abortos espontâneos tenham marcado positivamente essa pergunta sobre os abortos. Quando consideramos as pesquisas anteriores, conforme listadas na Tabela 1, vemos que o universo de mulheres que passou por perdas espontâneas é extremamente significativo (70% ou mais).
Os pesquisadores deveriam ter se perguntado, antes de aplicar a pesquisa, como uma mulher de baixa escolaridade agiria diante da pergunta “Você já fez aborto alguma vez?”, em casos que ela passou por aborto espontâneo e necessitou de internação hospitalar pós-aborto, por exemplo; ou ainda, como agiriam as mulheres que passaram por abortos em gravidezes ectópicas e outras situações que podem culminar no fim inesperado de uma gestação, diferentes do aborto clandestino. Afinal, a experiência de ser internada para curetagem após perdas espontâneas ou de ser internada para um aborto em gestação ectópica pode dar a noção de que ela fez um aborto.
Parece haver uma crença, por parte dos pesquisadores da PNA 2016, de que as mulheres brasileiras abortam clandestinamente em grande proporção, mas isso contraria diversas outras pesquisas. Desacreditar todas as pesquisas listadas na Tabela 1 seria uma grave acusação. Seria imputar um elevado descrédito a essas pesquisas sem qualquer embasamento ou razão de ser, principalmente pelo fato de que algumas delas possuem abrangência e amostragem muito maiores do que a PNA 2016, bem como apresentaram consistência, temporalidade e reprodutibilidade.
Método de Urna versus Entrevista
Em tese, a PNA 2016 traria a vantagem de utilizar o Método de Urna, que garante o anonimato e segredo das respostas de cada mulher pesquisada. Para os autores, a Técnica de Urna foi preferida porque o aborto, inegavelmente, é um tema delicado, quer ocorra espontaneamente ou clandestinamente, envolvendo traumas, arrependimentos, julgamentos morais etc. Para analisar a eficácia da Técnica de Urna, a pesquisa de Olinto 2006 trabalhou com os dois métodos, aplicando questionários e usando a técnica de urna, visando comparar as respostas e avaliar os métodos.
A pesquisa Olinto 2006[iii] teve amostragem de 3.002 mulheres em idade fértil no Rio Grande do Sul e verificou que a prevalência do aborto clandestino foi de 3,8% no método de perguntas com questões indiretas (questionário e entrevistador) e 7,2% com o método de urna. Ou seja, a prevalência foi bem inferior à verificada na PNA 2016 e a diferença entre a prevalência de abortos clandestinos pelo método de entrevista face-a-face e Técnica de Urna foi de 90% [apenas].
O achado assemelha-se com os resultados da PNDS 1996[[iv]], que verificou 2,4% de prevalência de aborto clandestino, e da PNDS 2006[v], cuja prevalência de aborto clandestino foi de 2,3%, trazendo consistência ao dado pelo método de entrevista face-a-face. A estatística mostrou consistência ao longo do tempo, e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013, do Ministério da Saúde)[vi], método de entrevista face-a-face, indicou que a prevalência no aborto clandestino foi de 1,8% a 2,4%.
Souza et al (2014), ao analisarem amostra regional em São Paulo (SP), verificaram 4,5% de prevalência de aborto provocado em um grupo de 635 mulheres[vii] (a pesquisa não mensurou prevalência geral, mas apenas do provocado).
Considerando o comparativo de Olinto 2006 e as prevalências vistas nos estudos de grande porte, do Ministério da Saúde (PNDS 1996, 2006 e 2013), poderíamos esperar, no máximo, que o uso da Técnica de Urna produzisse uma prevalência 90% maior do que a verificada em técnica de entrevista face-a-face, mas não uma prevalência 10 vezes maior (algo próximo de 1.000%), como aconteceu.
Ao mesmo tempo, essa discrepância parece ser explicada exatamente pela indevida inclusão dos abortos espontâneos como sendo abortos provocados, risco que os próprios autores admitem.
Em uma pesquisa feita no México (Lara D. et al, 2004)[viii], de forma similar ao esforço de Olinto 2006 no Brasil, foram comparados diferentes métodos de pesquisa para avaliar a prevalência do aborto. A diferença entre a prevalência do aborto vista pelo método de entrevista face-a-face e pela Técnica de Urna foi de 1,8 (ou seja, 80% maior), corroborando os resultados de Olinto 2006. Com base nessas duas pesquisas pode-se afirmar que a Técnica de Urna é capaz de identificar 80% mais abortos clandestinos do que a prevalência verificada por entrevista face-a-face. Considerando que as pesquisas do Ministério da Saúde estimaram algo próximo a entre 1,8% e 2,4%, teríamos então uma prevalência de aborto provocado inferior a 5% em qualquer cenário, e não de 20% como afirma a PNA 2016.
Olinto 2006 também traz uma informação auxiliar para melhor interpretação sobre o perfil das mulheres que abortam, em contraposição com a afirmação da PNA 2016, trazida logo em seu resumo. Segundo a PNA 2016, “o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões”. Já Olinto 2006 afirma que “não ter religião aumentou o risco de aborto em 100% comparado com as mulheres de religião católica”. Obviamente, aqui não se está falando meramente em contradição de dados, mas em pontos de vista da interpretação. Embora ambos os trabalhos tenham sido desenvolvidos por defensores da legalização do aborto, a análise da PNA 2016 parece desconsiderar que a maior parte do povo brasileiro é de religião católica e evangélica, portanto, obviamente haverá prevalência também nesses grupos. Contudo, Olinto 2006 faz uma análise mais ponderada, avaliando a representatividade desses grupos e seus de abortar, o que parece uma análise mais pertinente. Essa questão marginal serve quem sabe para reforçar as suspeitas de enviesamento dos dados da PNA 2016.
Reprodutibilidade e discrepância com outras pesquisas
Quando falamos em pesquisa científica, a reprodutibilidade é certamente um item crucial. Afinal, outros pesquisadores devem ser capazes de conseguir resultados semelhantes pelos mesmos métodos, bem como por métodos e abordagens diferentes.
Em se tratando de estimativa de número de abortos clandestinos, no Brasil, apenas a PNA buscou chegar a uma estimativa anual por meio de pesquisa de campo (neste caso, Técnica de Urna). A PNA 2016 faz isso a partir dos dados que identificou na prevalência. Contudo, os dados conflitam com muitas pesquisas anteriores quando comparadas as prevalências. Dessa forma, sua distribuição ao longo do tempo para aferir uma estimativa de abortos anuais torna-se ainda mais questionável.
Pode ser pertinente então comparar sua estimativa anual com outras pesquisas que estimaram abortos clandestinos no Brasil, como a metodologia AGI, que estimou abortos pelo método indireto, baseado na multiplicação de fatores como taxa de complicações pós-aborto e percentual de abortos espontâneos e provocados, em cima de dados de internações hospitalares.
Nesse sentido, há também uma gigantesca discrepância com a pesquisa Singh e Wulf 1994, que estima mais de 1 milhão de abortos e também foi elaborada por pesquisadores de linha pró-legalização (foi inclusive feita com recursos da chamada indústria do aborto internacional). Vemos também grande discrepância entre a PNA 2016 e Ceratti et al 2014, que projetou 48 mil abortos clandestinos ao ano no Brasil, e cujos pesquisadores não se posicionam em espectro ideológico contrário a legalização do aborto. Ao que tudo indica, Ceratti e colaboradores não desejavam contrapor qualquer estimativa de abortos para fins de influenciar o debate. Essas últimas pesquisas (Ceratti et al 2014 e Singh e Wulf 1994), basearam-se em dados do Datasus, do Ministério da Saúde[ix]. A discrepância entre as estimativas, de 1 milhão (Singh e Wulf 1994) para 503 mil (PNA2016) e 46 mil (Ceratti et al 2014), é algo, no mínimo, curioso.
No mesmo sentido, Derosa M (2018), em crítica à estimativa indireta de abortos clandestinos produzida pelo Instituto Alan Frank Guttmacher em 1994 (Singh e Wulf, 1994), aplicou correções metodológicas nos fatores de multiplicação (taxa de complicações pós-aborto) e na proporção de abortos espontâneos e provocados. A estimativa indireta de abortos clandestinos produziu cenários de estimativa na ordem de 80 a 150 mil abortos clandestinos ao ano. A estimativa ainda foi comparada com a taxa de gestações terminadas em aborto provocado segundo estatísticas diversos países que legalizaram a prática, no primeiro ano após a sua legalização. Com esse comparativo verificou-se que de 3 a 5% das gestações terminam em aborto no primeiro ano após a legalização. Com isso, defende-se que não seja plausível, a menos que haja uma forte justificativa, que um país tenha um percentual de gestações terminando em aborto superior a esse patamar em situação de aborto criminalizado. A estimativa de 500 mil abortos clandestinos defendida pela PNA 2016 representaria 15 a 16% das gestações no Brasil, sem qualquer justificativa e com todas as discrepância e riscos de inclusão de abortos espontâneos no cômputo, portanto, sendo mais um indício forte de superestimação de abortos.
Ao comparar a PNA 2016 em termos de prevalência de abortos com outras pesquisas vimos que não há consistência e reprodutibilidade. Ao mesmo tempo, as pesquisas usadas como comparativo (Tabela 1) possuem reprodutibilidade entre si e poucas variações entre os percentuais de prevalência verificados.
Considerações finais e pontos chave
Dentre as implausibilidades e discrepâncias da PNA 2016 em relação ao número estimado de abortos clandestinos anuais (aproximadamente 503 mil), destacam-se:
- Estimativa de abortos clandestinos no Brasil feita na PNA 2016 projeta 10 vezes mais abortos clandestinos no Brasil do que a pesquisa internacional de Ceratti et al (2014)
- Estimativa PNA 2016 projeta quatro a cinco vezes mais abortos clandestinos do que a metodologia AGI corrigida por Derosa (2018)[x]
- Estimativa PNA 2016 projeta 15% das gestações terminadas em aborto clandestino, mas a média pós-legalização, vista em diversos países, é inferior a 5% (Derosa, 2018)
- Autores da estimativa PNA 2016 admitem risco de inclusão de abortos espontâneos na sua estimativa
Dentre as implausibilidades da prevalência de abortos clandestinos estimada na PNA 2016 (20% das mulheres ao fim de sua idade fértil), destacam-se:
- Prevalência de abortos clandestinos da PNA 2016 conflita com estudos mais amplos e robustos do Ministério da Saúde, em especial PNS 2013, PNDS 2006 e PNDS 1996;
- Prevalência de abortos clandestinos dos maiores estudos disponíveis no Brasil (PNDS 1996, PNDS 2006 e PNS 2013) é inferior a 3%, o que é muito diferente de 20%; portanto, a PNA 2016 não tem reprodutibilidade
- Pesquisas comparativas entre técnica face-a-face e técnica de urna verificaram discrepância de no máximo 90%, e PNA 2016 sugere 1000% de variação com o PNS 2013, por exemplo
- A prevalência de abortos espontâneos vista em outros estudos, em sua maioria, é superior a 70% do total de abortamentos, o que indicaria que a PNA 2016 estaria contemplando praticamente todos os abortos espontâneos e clandestinos somados, onde do total de 500 mil, 70% a 88% seria espontâneo, restando 60 a 150 mil abortos clandestinos. Esse valor de 60 a 150 mil mostra-se mais coerente com achados de Ceratti et al e Derosa M.
- A prevalência de abortos de todos os tipos (espontâneos + clandestinos) em outros estudos coincide com a prevalência declarada pela PNA 2016 como sendo apenas do aborto clandestino, e autores da PNA 2016 admitem risco de inclusão de abortos espontâneos;
- Para admitir que a PNA 2016 esteja correta em sua prevalência e número de abortos, seria necessário admitir que todas as pesquisas anteriores sobre o tema (Tabela 1) estavam completamente erradas, subestimando em muitas vezes a prevalência e o número de abortos.
- Essa hipótese parece absurda porque erros metodológicos ou vieses de resposta não produziriam ao longo de anos estatísticas tão consistentes;
Os apontamentos trazidos neste artigo podem ser vistos como elementos que dão substância a diversas críticas que a PNA 2016 tem sofrido, em especial diante da inegável suspeita de conflito de interesses entre a causa que os pesquisadores defendem e os resultados da pesquisa, pois sequer se deram ao trabalho de citar ou ponderar as divergências de seus resultados com as maiores pesquisas feitas previamente no Brasil (PNS 2013 e anteriores), indicando que aderiram à conhecida estratégia de superestimar a incidência de abortos clandestinos para utilizar tais dados como “motivos” para legalizar o aborto no país.
A estratégia de utilizar superestimativas para manipular o debate e a opinião pública sobre a legalização do aborto foi usada nos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Uruguai, Portugal, México e em diversos outros países. Quando legalizam o aborto, verificam que somente após diversos anos de contínuos aumentos anuais no número de abortos legais é que se chega ao número de abortos anuais que antes era projetado como o número de abortos ocorridos clandestinamente (Derosa, 2018).
Referências:
[i] DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo e MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2017, vol.22, n.2, pp.653-660. ISSN 1413-8123. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017222.23812016.
[ii] Diniz e Medeiros. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Ciênc. saúde coletiva vol.15 supl.1 Rio de Janeiro June 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000700002
[iii] Olinto, M.T.A. Fatores de risco e preditores para o aborto induzido: estudo de base populacional. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(2):365-375, fev, 2006.
[iv] Cerati, Guerra, Souza e Menezes. Aborto no Brasil: um enfoque demográfico. Pesquisa Nacional Sobre Demografia e Saúde 1996.
[v] Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006. Publicado em 2009.Camargo, Santana, Ceratti, pacagnella, Tedesco, Melo Jr e Sousa. Severe maternal morbidity and factors associated with occurrence of abortion in Brazil. Int. Journal of Gyn and Obst.
[vi] Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas. IBGE e Min. da Saúde. Informações disponíveis no Sistema IBGE de Recuperação Automática, <https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pns>
[vii] Souza, Fusco, Andreoni e Souza e Silva. Prevalência e características sociodemográficas de mulheres com aborto provocado em uma amostra da população da cidade de São Paulo, Brasil.Rev. Bras. Epidemiol.Abr. Jun-2014: 297-312.
[viii] Lara, D. Strickler, J. Olavarrieta, CD. Ellertson, C. Measuring induced Abortion In Mexico:a comparison of four methodologies. Sociological Methods & Research.Vol 32 Issue 4, May 2004.
[ix] Le, HH., Connolly, MP., Bahamondes, L., Ceratti, JG., Yu, J., Hu, HX. The burden of unintended pregnancies in Brazil: a social and public health system cost analysis. International Journal of Women’s Health, 2014: 6 663-670. https://doi.org/10.2147/IJWH.S61543
[x] Derosa, M. Estimativa de número de abortos no Brasil e no mundo. In: Derosa, M (Org.). Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades. Ed. Estudos Nacionais. Florianópolis-SC, 2018. 2ª edição.