Em geral, temas como o aborto, contracepção, que vieram a reboque da revolução sexual do século XX, são interpretadas como um resultado de uma visão materialista, utilitarista e revolucionária. De fato, explicadas em seu contexto ideológico e político, essas transformações que mudaram radicalmente os comportamentos e interferiram gravemente na vida familiar e moral do Ocidente, vieram da combinação entre marxismo e psicanálise, a partir da Escola de Frankfurt, como bem sabemos. No entanto, considerando o contexto espiritualista daquele período é possível apontar uma outra vertente de causas para essa transformação da vida humana.
A mentalidade contraceptiva possui origens espiritualistas ligadas ao ocultismo, o que trouxe defesas como a do aborto e fundamentou a promessa da liberdade sexual que conduziu o Ocidente à infinidade de perversões que vemos hoje, além da reivindicação delas como novas formas de “identidade”. Nada disso provém exclusivamente do materialismo ou do ateísmo como se compreende, mas do reiterado interesse e aprofundamento em teses ocultistas declaradamente anticristãs que embasaram, de maneira menos evidente, as ideias políticas revolucionárias. Não é por acaso que o alvo prioritário destas reformas sociais foi a família, lugar essencial da transmissão da fé e gerador de vocações.
O contexto espiritualista na Alemanha
O fato é que o ambiente espiritualista na Alemanha da República de Weimar, entre 1919 e 1933, foi marcado por uma grande diversidade de movimentos esotéricos, místicos e espiritualistas que refletiam a busca por respostas em tempos de incerteza social, política e econômica, após os traumas da Primeira Guerra Mundial e as mudanças radicais trazidas pela queda do Império Alemão e o estabelecimento da República de Weimar. Desde o século anterior, as especulações místicas e a formação de seitas e grupos de estudos espirituais estava impactando profundamente a vida intelectual europeia, o que remonta especialmente ao período romântico na Alemanha.
Não é por acaso que este foi o contexto e o lugar em que surge a Escola de Frankfurt, aproveitada convenientemente pelos soviéticos para usá-la como arma de guerra irrestrita contra as nações ocidentais que desde o império russo desejavam conquistar.
Marcado por uma instabilidade política e uma crise econômica severa, que resultaram em um sentimento generalizado de desilusão e angústia, os momentos seguintes à derrota na Primeira Guerra Mundial, o impacto do Tratado de Versalhes, e a crise da Weimarização da Alemanha criaram um cenário de perda de fé nas instituições tradicionais e nas explicações materiais ou racionalistas para a realidade. Isso combinou-se e foi reforçado com as já constantes especulações filosóficas e filológicas que buscavam dar uma origem ancestral oriental aos alemães, uma busca que talvez se explique pela orfandade espiritual da Alemanha desde a Reforma Protestante.
Assim como a Alemanha, outro país começou a sofrer a influência de pseudo-tradições e projetos de restauração mística universal: a Rússia. Foi de lá que veio uma das mais célebres ocultistas da modernidade, Helena Petrovina Blavatsky, filha de um oficial russo-germânico. Desde o século XIX, havia um grande intercâmbio cultural entre Rússia e Alemanha. Somado às desilusões com a política internacional e a insegurança sobre suas identidades, esses dois países sediaram movimentos ocultistas que foram se espalhando pelo Ocidente.
Somado a isso, artistas e cidadãos comuns começaram a procurar respostas em movimentos espirituais, buscando uma forma de superação das limitações do mundo material e das dificuldades cotidianas.
O contexto da Teosofia e Antroposofia
Durante a República de Weimar, dois dos movimentos esotéricos mais influentes na Alemanha foram a Teosofia e a Antroposofia, que tiveram uma forte presença cultural e intelectual.
Fundada por Helena Petrovna Blavatsky e Henry Steel Olcott no final do século XIX, a teosofia ganhou seguidores significativos na Alemanha durante a República de Weimar. A doutrina propunha uma síntese de várias tradições espirituais, incluindo Cristianismo, Hinduísmo, e Budismo, e buscava um conhecimento visto como superior e uma espiritualidade universalista. Seus adeptos viam a sabedoria esotérica como um caminho para a transformação interior e a compreensão das leis universais que regem a vida e o cosmos.
Já a Antroposofia, fundada pelo discípulo de Blavatsky na Alemanha, Rudolf Steiner, defendia que a vida espiritual poderia ser investigada através do conhecimento intuitivo e do desenvolvimento de habilidades espirituais que permitem acessar realidades ocultas e superiores. A Antroposofia influenciou muitos campos, incluindo a educação, a medicina, a agricultura e as artes, e ainda hoje tem uma presença significativa em movimentos como as escolas Waldorf.
Tudo isso transcorria dentro de um outro contexto mais amplo, o do chamado Movimento Psíquico. Esse movimento envolvia o interesse pela mediunidade, fenômenos paranormais, espiritualismo e investigações sobre a existência de uma realidade além do mundo material. E aqui entra um elemento chave para a compreensão de como isso levou às inovações culturais a seguir: o Movimento Psíquico respondia a uma tentativa de unificar o estudo dos fenômenos espirituais com métodos científicos, levando ao surgimento de sociedades dedicadas à pesquisa psíquica.
O Movimento Psíquico se resumia em um interesse quase generalizado, por parte da classe intelectual e científica junto à população comum, por temas bastante atuais, como por exemplo:
- Espiritualismo e Mediunidade: Sessões espíritas, onde médiuns alegavam se comunicar com os mortos, eram populares tanto entre a elite intelectual quanto entre o público geral.
- Hipnose e Estados Alterados de Consciência: Muitos pesquisadores alemães estudavam os efeitos da hipnose e sua relação com fenômenos psíquicos, explorando possíveis conexões com o subconsciente e dimensões espirituais.
- Parapsicologia Experimental: Diferente do Espiritismo francês (codificado por Allan Kardec), que enfatizava uma doutrina moral e filosófica, na Alemanha havia um foco maior na tentativa de comprovação científica de fenômenos psíquicos, como telepatia, clarividência e psicocinese.
- Fotografia Espírita e Experimentos com Ectoplasma: Muitos pesquisadores tentavam capturar manifestações espirituais por meio da fotografia, e algumas figuras famosas afirmavam materializar ectoplasma (uma substância que supostamente emanava do corpo de médiuns durante sessões espíritas).
Tudo isso levou à popularização das ciências ocultas em círculos intelectuais e artísticos. Muitos escritores, cineastas e pintores expressionistas exploravam o misticismo e o ocultismo em suas obras. Isso foi concluído e sedimentado com movimentos artísticos como o expressionismo alemão, culminando no próprio nazismo a partir da versão germânica da teosofia de Blavatsky, a chamada Ariosofia.
A Liga para a Reforma Sexual
Foi neste contexto que surgiu um movimento de grande importância para as revoluções comportamentais do século XX. Trata-se da Liga para a Reforma Sexual, movimento influente exatamente durante aquele período e que contou com o apoio de diversos intelectuais, médicos e ativistas sociais. Através do movimento, foi possível discutir a sexualidade, ideias como o “direito ao prazer”, à “autodeterminação sexual” e “igualdade de gênero” começaram a ser mais aceitas entre eles. No entanto, o movimento obteve alguma resistência da sociedade, principalmente no que diz respeito à aceitação da contracepção e à aceitação da homossexualidade.
Havia uma evidente interseção entre o movimento espiritualista e as metas da Liga para a Reforma Sexual, principalmente em relação à busca por uma nova visão da sexualidade, do corpo e da liberdade individual.
A Liga foi fundada pelo médico judeu-alemão, Magnus Hirschfeld, em 1928, e defendia uma abordagem progressista da sexualidade, que incluía a defesa da educação sexual, a legalização do aborto, o reconhecimento da homossexualidade, inaugurando temas bastante atuais como “identidade de gênero”. Havia a forte crítica ao casamento tradicional como única forma legítima de relação afetiva. Mas essas eram metas que já estavam definidas no seio do movimento espiritualista.
Uma das mudanças mais significativas, embora sutis, trazidas por estes movimentos foi o uso disseminado da palavra “sexo” e “sexualidade”. Sem que as pessoas percebessem, essa nova terminologia descontextualizou um ato que só aparecia associado a uma realidade moral, tornando-o uma espécie de realidade neutra. Afinal, no contexto católico, só existe ato matrimonial – quando é praticado dentro do matrimônio – e fornicação – pecado mortal praticado fora do vínculo matrimonial. No entanto, o novo termo possibilitou entender esse ato como independente de um contexto humano e, portanto, até mesmo abaixo do contexto animal biológico. Ainda assim, os promotores da Liga diziam que pretendiam libertar o “sexo” da sua realidade biológica. Mas o próprio catolicismo já fazia isso. Então, a que realidade acima da biológica eles pretendiam associar o ato unitivo entre homem e mulher? A verdade é que eles queriam associar a algo inferior à própria animalidade. Uma analise mais pormenorizada sobre essa mudança na terminologia publicamos na Coluna EN, que pode ser lida aqui.
“Sexualidade” e energia vital
Os espiritualistas da época viam a sexualidade não apenas como um fenômeno biológico, mas como parte de uma energia cósmica ou espiritual, concepção influenciada principalmente pela teosofia, advinda do hinduísmo e de ideias como a do kundalini, tantra, que começaram a ser incorporadas ao debate ocidental sobre a sexualidade mesmo dentro do meio científico, uma vez que os cientistas participavam dos mesmos círculos de debates.
Essas premissas espiritualistas viam o corpo humano como um meio de “evolução espiritual e social”. A educação sexual e a liberação dos desejos eram, em certa medida, encaradas como formas de libertação não só política, mas também espiritual. Tudo isso era inserido em um contexto assumidamente antireligioso e anticatólico, combinando um certo ceticismo com a crença fanática nas premissa ocultistas. Eles pregavam uma ética baseada no autoconhecimento e na experiência pessoal, em vez de normas externas, um conceito que veio precisamente do ideal de libertação espiritual que, só mais tarde, foi incorporado às ideias políticas que coincidiam com ideais revolucionários.
A ideia de separar o ato sexual da reprodução humana, embora já praticamente estabelecido na consciência contemporânea, é oriundo da premissa de que o ato possui uma capacidade de iluminação e canalização das energias, o que evidentemente não deveria ser limitado por uma moral sexual externa ao indivíduo. A partir daí, essa separação conduziu ao entendimento da necessidade de métodos contraceptivos, o que dependeu da criação de uma mentalidade inicial.
O aborto surge, portanto, como uma possiblidade de libertação dessas amarras sociais, de um lado, e biológicas, de outro. Portanto, não se trata apenas da redução do homem ao nível animal, mas de um rebaixamento ainda mais profundo e grave, ainda que visto como uma forma de “iluminação”. A prática da contracepção, dessa forma, está intimamente ligada à prática espiritual desagregadora, uma forma não muito sutil de culto preternatural. Da mesma forma, o uso da realidade sexual como independente do seu contexto moral cristão, no qual a vida é a coparticipação humana na Criação, realidade não apenas negada como odiada pelo Pai da Mentira, verdadeiro mentor das revoluções de costumes.
A gnose mais perversa
Da mesma forma que toda a libertação sexual, a homossexualidade, tem raízes profundas em tradições esotéricas, filosóficas e religiosas que enxergam a sexualidade como um meio de transmutação espiritual, um reflexo de arquétipos divinos ou um instrumento de rituais mágicos. Fenômenos espiritualistas como a Wicca, que cresce entre mulheres e abraça a ideologia feminista combinando-a e fundamentando-a espiritualmente, não são os únicos e nem representam uma especulação exclusivamente contemporânea. A ligação das perversões sexuais e o ocultismo é bem mais antiga.
No panorama amplo e diverso do gnosticismo, heresia mais antiga e considerada doutrina anticristã por excelência, a busca pela unidade primordial muitas vezes estava ligada à androginia como um estado ideal de iluminação. Afinal, os anjos, vistos como seres andróginos, ofereciam um ideal de imitação aos primeiros espiritualistas logo após a Queda de Adão. Algumas correntes gnósticas acreditavam, portanto, que a própria separação dos sexos era uma queda da condição original do ser humano e que a reunião das energias masculina e feminina (incluindo em práticas homoeróticas) poderia restaurar o equilíbrio espiritual.
Entre essas correntes encontram-se os valentinianos, que viam a dualidade sexual como um problema a ser superado espiritualmente. Ou seja, foram os primeiros opositores da “heteronormatividade”. Um texto gnóstico apócrifo fala sobre tornar-se “um só” para entrar no Reino, o que passou a ser interpretado por alguns como um retorno à androginia original.
Da mesma forma, muitas tradições ocultistas viam a homossexualidade como parte da natureza divina, pois associavam o divino à união dos opostos. Na mitologia grega, Hermafrodito representava a fusão dos princípios masculino e feminino em Hermes e Afrodite, que deu origem ao termo hermafrodite. No hinduísmo, Ardhanarishvara representa a fusão dos gêneros como ideal espiritual.
Na filosofia, interpretações sobre o Banquete, de Platão, popularizaram a ideia de que o amor entre pessoas do mesmo sexo pode ser uma busca pela outra metade perdida, levando ao conceito de almas gêmeas.
Na modernidade, esses conceitos foram resgatados por ocultistas dando-os uma interpretação ainda mais radical e revolucionária, inserindo neles sistemas mágicos que envolvem as práticas homoeróticas como meio de elevação espiritual, a chamada “magia sexual”. O mais conhecido dos promotores dessa ideia é o ocultista Aleister Crowley (1875-1947), fundador do sistema de Thelema, que incorporou rituais sexuais em sua prática mágica, incluindo rituais homoeróticos.
Baseado nestas inovações surgidas da combinação entre espiritualismo, modernismo e filosofias, hoje há uma grande disponibilidade de militâncias em defesa de diversas causas, desde a libertação pura e simples em matéria de direitos irrestritos à perversão até a própria pedofilia, como já contamos a história neste site em outros momentos. No entanto, a origem espiritual e mística desses movimento raramente é mencionada devido ao alto nível de afastamento do catolicismo, tornando essa realidade pouco ou nada persuasiva para alertar sobre perigos espirituais.
Aversão do próprio demônio
A palavra de padres exorcistas sobre os temas ligados aos pecados mortais de impureza é unânime. Trata-se de influência demoníaca direta.
Recorda Santa Catarina de Sena, que o próprio demônio, diante de pecados contra a natureza, prefere afastar-se depois de tentar, tal é o horror do que é cometido contra Deus:
Tão abominável é este pecado contra a natureza para mim, que só por ele cinco cidades afundaram (Gn 19:24-25) como resultado do meu julgamento, já que minha justiça divina não quis mais sofrê-las (…). Ele desagrada aos demônios, não porque eles não gostem do mal e tenham prazer no bem, mas porque sua natureza era angelical, e essa natureza evita ver um pecado tão grande cometido na realidade. É verdade que ele primeiro arremessou a flecha envenenada pela concupiscência; mas, quando o pecador chega ao ato desse pecado, o diabo vai embora.