Na história do bispo Santo Antonino, de Florença, que foi um grande pregador e conselheiro de papas, há um episódio bastante curioso. Na cidade havia um costume dos bispos excomungarem devedores notórios e inadimplentes, o que embora desagradasse a Igreja parecia um costume difícil de extinguir. Certa vez, um comerciante da cidade veio pedir ao bispo Antonino que excomungasse um devedor seu, o que o bispo negou-se a fazer. Diante da insistência do comerciante, Antonino pediu que trouxesse um pedaço de pão e fez a fórmula de excomunhão sobre ele, que imediatamente se transformou em um pedaço de carvão queimado diante dos olhos do comerciante, que ficou chocado com a visão. O bispo, então, desfez a excomunhão, fazendo o carvão voltar a ser um pedaço de pão novamente. A história se espalhou e o costume foi finalmente extinto.
Essa história, atestada por muitas pessoas da época, serviu como uma amostra da gravidade da pena de excomunhão. No entanto, em nossos dias de pensamento naturalista, quando as realidades sobrenaturais são encaradas com indiferença e ceticismo, a excomunhão acaba muitas vezes nem sendo proferida pelo clero. Acontece que há diversas situações em que se incorre em excomunhão automática, a chamada excomunhão “latae sententiae”.
Em nossos dias de ceticismo e indiferença com as realidades espirituais, o pensamento naturalista conduz muitos leigos fiéis a caminhos perigosos em matéria de fé. São muitas as formas de incorrer na excomunhão automática em nossos dias, de maneira que muitos fieis mal saberão de estarem nessa situação, frente à multiplicidade de enganos espalhados por aí. Uma das formas de excomunhão automática, por exemplo, é a rejeição da autoridade do Sumo Pontífice.
Se a pessoa recebe a Eucaristia sabendo que está excomungada, ela comete um sacrilégio e pode incorrer em penas canônicas adicionais.
Cânon 1364: Trata da excomunhão para hereges e cismáticos. Ele estabelece que:
“O apóstata da fé, o herege ou o cismático incorre em excomunhão latae sententiae”.
Isso significa que uma pessoa que rejeita a autoridade do Papa pode ser considerada cismática e, assim, excomungada automaticamente.
O Cânon 751 define o cisma como “a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos”.
De acordo com São Pio X, a desobediência ao Papa pode resultar na perda de graça divina, uma vez que o Papa é visto como o guia da Igreja e o depositário da verdade revelada. Isso afeta a vida sacramental do fiel, já que ele se coloca contra a autoridade que preserva e transmite a verdade e os ensinamentos cristãos. De acordo com o abade Jean Baptiste Chautard, que era conselheiro de São Pio X, nenhum ser humano é capaz de cumprir os Dez Mandamentos de maneira estável sem o auxílio da graça, criando um tipo de deficiência espiritual.
Outras situações previstas e canon correspondentes
Heresia, apostasia e cisma
Cânon 1364 – Excomunhão latae sententiae para:
Apostasia: abandono total da fé cristã.
Heresia: negação obstinada de uma verdade da fé católica.
Cisma: recusa de submissão ao Papa ou de comunhão com a Igreja.
Profanação da Eucaristia
Cânon 1367 – Excomunhão latae sententiae para quem joga fora ou leva consigo com intenção sacrílega as espécies consagradas da Eucaristia.
Violência contra o Papa
Cânon 1370 – Excomunhão latae sententiae para quem atenta fisicamente contra o Papa.
Absolvição do Cúmplice em Pecado Contra o Sexto Mandamento
Cânon 1378 §1 – Excomunhão latae sententiae para um sacerdote que dá absolvição sacramental ao cúmplice de um pecado contra a castidade no qual ele próprio tenha participado (sacerdote não pode conceder absolvição sacramental a uma pessoa com quem ele próprio tenha cometido um pecado contra a castidade)
Ordenação Episcopal sem Mandato Pontifício
Cânon 1382 – Excomunhão latae sententiae para quem recebe ou concede ordenação episcopal sem a aprovação do Papa.
Violação do Sigilo da Confissão
Cânon 1388 §1 – Excomunhão latae sententiae para o sacerdote que violar direta e voluntariamente o segredo da confissão.
Prática de Aborto
Cânon 1398 – Excomunhão latae sententiae para quem pratica um aborto, incluindo cúmplices diretos.
Associação com a Maçonaria
Diferente do código de 1917, que previa excomunhão para quem estivesse associado à Maçonaria, o Código de Direito Canônico de 1983 não menciona explicitamente a sociedade secreta, mas trata do pertencimento a associações que conspiram contra a Igreja, o que na verdade torna a sanção ainda mais abrangente. O cânon é o 1374, que diz:
“Quem se inscrever em uma associação que maquina contra a Igreja deve ser punido com uma pena justa; e quem promove ou dirige tais associações deve ser punido com uma pena mais grave.”
Embora o texto não cite diretamente a maçonaria, a Congregação para a Doutrina da Fé, em 26 de novembro de 1983, emitiu uma declaração oficial assinada pelo então cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI) e aprovada pelo Papa João Paulo II.
O documento afirma:
“Os fiéis que pertencem à maçonaria estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.”
Ou seja, a Igreja reafirma a incompatibilidade entre catolicismo e maçonaria e considera que seus membros estão em pecado grave, embora o Código de 1983 não estipule excomunhão automática (latae sententiae), como fazia o Código de 1917.
Portanto, católicos que ingressam na maçonaria são proibidos de receber os sacramentos e podem sofrer sanções canônicas, incluindo penas mais severas dependendo do grau de envolvimento. Mas a referência a associações que conspiram contra a Igreja abre ainda mais o leque e pode incluir qualquer tipo de organização iniciática, partidos, movimentos, seitas ou grupos de caráter revolucionário.