Enquanto posa para fotos e vídeos divertidos com Elon Musk e seu filho, divertindo grande parte dos conservadores e apoiadores, o presidente americano Donald Trump, através do Departamento de Estado, suspendeu o programa de financiamento do programa que rastreava as milhares de crianças ucranianas sequestradas pela Rússia, informou a Fox News.
O sequestro das crianças levou Putin a uma sentença de prisão pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra. Coincidência ou não, o fato ocorreu no mesmo dia em que Trump e Putin conversaram sobre a guerra, o que não resultou em acordo para um cessar-fogo de 30 dias na invasão russa à Ucrânia.
Além disso, um banco de dados sobre as vítimas pode ter sido excluído, de acordo com um documento a ser enviado por deputados ao governo dos EUA. De acordo com o grupo de legisladores, uma carta foi enviada ao Secretário de Estado, Marco Rubio e ao Secretário do Tesouro, Scott Bessent, pedindo a imediata continuidade do projeto de rastreamento das crianças sequestradas.
Após a ligação de Trump a Putin, o mandatário russo afirmou à imprensa que até desistiu de um ataque à Ucrânia, o que pode ter deixado a opinião pública otimista em relação às negociações. No entanto, os pais e familiares das crianças desaparecidas não esperavam pelo golpe que viria junto.
O fechamento do programa pode ter levado à perda de exclusão de US$ 26 milhões em evidências de crimes de guerra, dizem fontes do governo.
“Eles levaram US$ 26 milhões do dinheiro dos contribuintes americanos usados para dados de crimes de guerra e jogaram no triturador de madeira, incluindo os dossiês de todas as crianças”, disse a fonte à agência Reuters.
“Temos motivos para acreditar que os dados do repositório foram permanentemente excluídos. Se for verdade, isso teria consequências devastadoras”, disse a carta, liderada pelo deputado de Ohio Greg Landsman.
De acordo com informações da Fox News, o governo teria encerrado o financiamento do programa mantido pelo Laboratório de Pesquisa Humanitária da Universidade de Yale, que rastreou a deportação em massa de crianças da Ucrânia. Em termos práticos, isso pode significar a perda significativa de informações de satélite sobre nada menos que 30 mil crianças desaparecidas da Ucrânia durante a guerra de invasão russa.
Em sua defesa, a Rússia alegou que estava evacuando pessoas voluntariamente para proteger crianças vulneráveis de serem pegas no fogo cruzado. Apoiadores de Trump nos EUA e no mundo, vinculam a ação de Putin a uma suposta emboscada para “salvar” crianças de redes de tráfico internacional, hipótese favorecida principalmente pelo filme Sound of Freedom, de Mel Gibson. O ator e cineasta foi associado ao apoio a Putin pelo filme, o que ele nega.
Trump já ameaçou cortar a ajuda militar na defesa da Ucrânia contra a invasão russa que começou em 2022, mas voltou atrás em busca de negociar um cessar-fogo, o que não tem conseguido. Enquanto isso, Putin avança em ataques militares a alvos ucranianos e buscando ampliar territórios conquistados, antevendo que um possível acordo de trégua poderá beneficiar a Rússia ao manter regiões já estabilizadas pelo poder russo.
A medida do governo de cortar o financiamento do rastreamento das crianças tem claras intenções de livrar Putin da condenação no TPI, um inconveniente internacional que impede viagens do presidente russo a países que não querem romper relações com o Tribunal Penal. Trump, mais uma vez, caminha na direção de abrir espaço para uma parceria russo-americana, beneficiando principalmente os russos.
O metaverso ideológico da propaganda russa
A polêmica de redes de pedofilia já foi o tema de teorias conspiratórias usadas por redes de ativistas com suspeita ligação com a propaganda russa, como o movimento QAnon, por trás da invasão do Capitólio em 2020. O Instituto Estudos Nacionais foi o único site brasileiro a abordar a armadilha das narrativas russas que oferecem a movimentos de direita uma alternativa ao globalismo que pode ser ainda mais perigosa.
Quando Trump foi derrotado nas eleições contra Biden (com ou sem golpe), a narrativa de um golpe eleitoral, assim como no Brasil, contou com uma série de mitos de retorno disseminados, os chamados “só mais 72 horas”, nos quais uma série de ativistas oportunistas surgiram prometendo uma operação internacional que colocaria toda a elite globalista na cadeia, sob acusações relacionadas às denúncias de Jeffrey Epstein, mas ampliadas ao extremo para abarcar praticamente todos os líderes mundiais, além de celebridades do cinema. Essa narrativa chegou a afirmar que personalidades supostamente mortas de Covid-19 teriam sido, na verdade, presas secretamente. Quando a Rússia começou a invadir a Ucrânia, no início de 2022, surgiram boatos de que Putin estaria atrás desses criminosos como uma motivação oculta da guerra, colocando o russo como herói dos militantes de direita no mundo.
Essa narrativa perdeu força ao longos últimos anos, mas permanece viva no imaginário de apoiadores de Trump, ao que tudo indica.
Vitória da Rússia
Enquanto no Ocidente, Trump parece estar conquistando conservadores e até setores globalistas da opinião pública com o seu papel de mediador, na Rússia essa virada da política externa norte-americana é vista como uma vitória do Kremlin.
O jornal diário Komsomolskaya Pravda declarou textualmente: “Nas atuais circunstâncias, a Rússia obteve uma vitória diplomática.” Isso porque, na ligação entre os dois chefes de Estado, Putin não foi pressionado a fazer grandes concessões à Ucrânia ou aos Estados Unidos. O resultado disso foi a oportunidade de Putin negar o acordo amigavelmente, mantendo a invasão até quando quiser. Putin concordou apenas em suspender ataques a alvos da estrutura energética da Ucrânia por 30 dias, o que neste momento representa pouco ou nada.
Nesta quarta, porém, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, revelou que seu país foi atacado por 150 drones russos durante a noite passada, “visando a infraestrutura energética, entre outros alvos”. Ou seja, nem isso Putin precisou cumprir.
Após a ligação com Putin, em vez de pressionar Moscou com a ameaça de sanções ainda mais duras para forçar a Rússia a aceitar seu plano, o governo dos EUA reagiu elogiando o líder do Kremlin.
“Tivemos uma ótima ligação”, disse Trump à emissora americana Fox News. “Eu elogio o presidente Putin por tudo o que ele fez hoje nessa ligação para aproximar seu país de um acordo de paz definitivo”, afirmou o enviado de Trump, Steve Witkoff.
Moscou não apenas recusou um cessar-fogo incondicional, como o próprio presidente Putin estabeleceu suas próprias pré-condições para a paz.