Ivan Lauffer
Os últimos acontecimentos do cenário político internacional trazem uma realidade avessa ao que foi proposto cinematograficamente e por outros meios. Para o imaginário das gerações passadas, como no filme de James Bond, “007 – O espião que me amava (1977)”, a mídia investiu milhões de dólares espalhando pelo mundo a ideia globalista de uma colaboração entre ocidente e União Soviética contra um inimigo em comum, evitando a guerra nuclear. Porém, no mundo real, a coisa não é bem assim.
Os espiões, agentes e colaboradores dos serviços secretos reais não são como nos filmes, e as consequências também são diferentes daqueles finais clichês das telas de cinema. Não é apenas porque Trump não é um 007 alçado à presidência (embora muitos acreditem em algum devaneio desse tipo) e muito menos porque Putin não se parece com as atrizes que contracenam com o espião britânico (embora muitos pró-russos talvez tenham sonhos com alguma coisa semelhante).
Na trama mais complexa e pormenorizada das relações entre nações, ideologias, grandes acordos comerciais, discussões entre líderes políticos ou, enfim, da história, o tempo passa devagar e os acontecimentos são mais discretos. Monotonia e silêncio dão o tom dos trabalhos de espionagem e desinformação. Nada se resolve simplesmente com alguns tiros, tomadas de ação e também nunca termina com cenas eróticas. Paciência, inteligência, falsidade e subornos são as características principais. Só assim os fatos se desenrolam de modo que pouco se possa fazer quando estiverem consolidados. Algo demoníaco, não é mesmo?
Donald Trump era um empresário, investidor do ramo imobiliário e também cassinos, começando seus negócios na década de 70, após ganhar parte financeira nas empresas do pai. Donald ganhou muito dinheiro até o período da década seguinte, nos anos 80. Não é preciso entrar em detalhes sobre sua história como investidor, pois isso é fácil de saber. Porém, o interessante aqui é notar o que ocorria no mundo, o cenário global e as disputas entre União Soviética e Estados Unidos.
Quando Ronald Reagan era o presidente americano e a URSS estava se desintegrando, Trump entrou em falência. Contudo, ao mesmo tempo que o pesadelo do leste europeu parecia terminar, diversas personalidades ocultas do regime russo reapareciam com suas fortunas para investir no ocidente. Ex-membros do partido comunista russo, burocratas ou, como gostam de chamar, oligarcas soviéticos, despejavam dinheiro em negócios pelo mundo todo. Caía o regime, sobreviviam os seus protagonistas internos. A fome se uniu com a vontade de comer, e Trump não tardou em fazer acordos.
O livro “Trump/Putin: Uma História Definitiva (2018)”, de Seth Hettena, jornalista americano, junto do livro “Os Homens de Putin (2020)”, da britânica Catherine Belton, também jornalista, investigaram essas relações do atual presidente americano com os soviéticos desde o fim da década de 80. John Brennan, ex-diretor da CIA e Peter Strozk, ex-chefe de contra-inteligência do FBI, que trabalharam com os últimos presidentes americanos, rearfirmam as acusações. John Bolton, republicano que foi conselheiro de Ronald Reagan e conhecido por sua visão de política externa pró-ocidente, foi demitido do governo de Donald Trump em 2019 por “discordâncias profundas”.
Mas essas poderiam ser denúncias vazias ou boatos infundados, por suas ligações diretas com agências e organizações do poder americano e ocidental. Poderíamos facilmente dizer que são acusações da mídia corrupta esquerdista contra um político direitista, outsider popular que está enfrentando o sistema globalista e a falida “agenda woke”. Porém, quando buscamos os nomes envolvidos e as fontes que apresentam os dados, percebemos que as dúvidas diminuem e as confirmações ganham espaço. Se ainda restam dúvidas quanto a seriedade das pesquisas, vale então procurar os nomes de Yuri Shvets e Jack Barsky, ex-agentes da KGB, e Oleg Kalugin, ex-general de contra-inteligência e espionagem da KGB, que foi chefe de Vladimir Putin na década de 80.
Barsky (1), nascido Albrecht Dittrich, era um dos infiltrados nos Estados Unidos, especialista em política externa, e atuou no período citado anteriormente. Ele diz que o interesse da KGB naquela época não era em políticos socialistas e ideologicamente favoráveis à URSS. Pelo contrário, o foco era o mundo dos negócios, grandes empresários com influência nos centros de poder americano. Foi nessa época que Trump viajou para Moscou em busca de acordos comerciais, incluindo até a construção de um prédio em frente ao Kremlin.
Já Kalugin (2), em diversas entrevistas, afirma que Trump foi alvo do sistema soviético pelo menos desde o final da década de 70. O perfil vaidoso, esbanjador e mulherengo de Donald Trump chamou atenção dos serviços secretos soviéticos inicialmente em uma viagem à Tchecoslováquia, em 1978, junto da esposa Ivana Zelnickova, modelo tcheca. E é logo após esses anos que a participação midiática de Donald nas discussões sobre política externa aumenta. O jovem empresário muda de imagem, abre o seu primeiro grande empreendimento imobiliário e começa a aparecer como alguém que sabia a arte de negociar.
Alguns anos depois, em 1986, Vladimir Kryuchkov, um dos principais chefes dos serviços soviéticos, planejou a aproximação e educação de Trump como colaborador russo. Trump se aproximou de diversos nomes ligados à URSS, entre os quais o embaixador soviético nas Nações Unidas, Yuri Dubinin, e sua filha Natalia Dubinina. “Ele é uma pessoa emocional, um tanto impulsiva. Ele precisa de reconhecimento. E, claro, quando ele o recebe, ele gosta. A visita do meu pai funcionou nele como mel em uma abelha”, disse Natalia sobre Donald Trump.
Yuri Shvets (3) ressalta que Trump era um sonho para os recrutadores soviéticos. Os desejos incontroláveis por holofotes somados ao baixo intelecto era o que a KGB precisava. Pode ter sido em 1987 que os agentes conseguiram um “kompromat” (materiais comprometedores, geralmente de natureza sexual) do vaidoso empresário americano. “No seu mundo, muitas vezes, vocês pedem aos seus jovens que se levantem e orgulhosamente sirvam ao seu país. Na Rússia, às vezes pedimos às nossas mulheres que apenas se deitem”, disse Kalugin uma vez a um repórter. Não é um dado consolidado, mas o ex-agente alega que isso era prática comum da KGB na época. Logo depois, em 1988, relatórios da StB, polícia secreta da Tchecoslováquia ligada à URSS, registram o interesse de Donald Trump em se candidatar para presidente dos Estados Unidos.
Esse é apenas um resumo das relações de Donald Trump com a Rússia. Há muito mais, como lavagem de dinheiro, venda de apartamentos, novos empreendimentos e financiamentos, além de conluio para evitar qualquer investigação. Basta procurar pelos nomes citados e o fio irá se desenrolar (4).
A busca dos serviços soviéticos por empresários influentes e líderes nacionalistas também ocorreu no Brasil e é confirmada pelo livro “1964: O Elo Perdido”, escrito pelos pesquisadores tchecos Mauro Abranches e Vladmir Petrilak. Ou seja, não somente a KGB russa mas também a espionagem dos países satélites buscavam atuar da mesma maneira. Barsky reforça ainda que a espionagem russa nos EUA hoje ocorre em “escala industrial”.
Contudo, quem colhe os resultados disso é Vladimir Putin. O ditador russo, que trabalhou como espião (1985-1990) em Dresden, na Alemanha, e posteriormente articulou a tomada do Kremlin pelos serviços secretos, chegou ao poder derrubando burocratas e políticos, sempre alegando corrupção dos seus adversários. Hoje, a ex-KGB, atual “FSB”, comanda o país com mãos de ferro, perseguindo e matando dissidentes. Putin certamente teve acesso e conhecimento de todo esse envolvimento do presidente americano com a KGB e o está usando agora a seu favor.
A hora certa para espalhar os erros da Rússia
Aos olhos da maioria dos cidadãos do mundo, esses relatos sobre Donald Trump parecem inacreditáveis. De fato, muitos direitistas, apoiadores do republicano, têm dificuldades de considerar qualquer informação quanto a isso. Os discursos recentes, abandonando aliados e enaltecendo a Rússia surpreendem. Afinal, nem todos acompanham esses pormenores da história política. Mas o que fez a direita acreditar em uma solução política tão simples? Por que conservadores e patriotas caíram nas narrativas e propagandas influenciadas pela Rússia, não só nos Estados Unidos, mas na Europa e outros países? O que são hoje a esquerda e a direita?
Cresce, pelo ocidente, o cansaço para com as políticas progressistas e liberais do último século. A afamada “agenda woke”, a revolução sexual, o feminismo, o abortismo, o racialismo, somados às ideias de pacifismo e ambientalismo vindos dos movimentos jovens, nas músicas, nos filmes e todo contexto literário e cultural marcaram um período de subversão no ocidente. Também é conhecida a influência dos pensadores da escola de Frunkfurt, patrocinados pela URSS, além da enorme colaboração das fundações globalistas, forrando com muitos milhões de dólares os bolsos de ONGs e associações que defendessem essas agendas pelo mundo. Foram décadas de forte desestabilização, de conflitos, de antagonismo com a cultura ocidental e a moral cristã.
Tudo isso remonta, em última análise, não apenas as últimas décadas, mas sim os últimos séculos de grande embate contra o cristianismo, fundamentalmente contra a Igreja Católica, guardiã de todo o ocidente e de toda a cristandade. A serpente que representa a prepotência esotérica e o ódio revolucionário do gnosticismo trouxe a revolta protestante, a revolução francesa, o iluminismo, o cientificismo – e resultou, por fim, no liberalismo laicista e no comunismo supostamente ateu.
Se por um lado toda essa rebeldia anti-hierárquica causou forte turbulência no catolicismo, esvaziando o ocidente de seus valores e tradições, destruindo a ordem que buscava seguir e imitar a Cristo, por outro, há também nos revoltosos um caminho de retorno. Não o caminho de Jesus Cristo e sua Igreja, mas uma volta a um passado onde os cristãos eram perseguidos, a santidade e a tradição apostólica não tinham vez e o mundo era então alvo fácil da serpente demoníaca. Um retorno às tradições pagãs, trazendo uma nova hierarquia, dessa vez desvinculada da Igreja (no fundo, portanto, uma rebeldia).
E é evidente que os mesmos poderes que outrora patrocinaram as revoltas anti-católicos e anti-hierárquicas agora observam esse retorno ao passado ante-Cristo – e anti-Cristo. A serpente tem a língua bifurcada, não é mesmo? E chegou a vez de apresentar a sua hierarquia, a sua ordem e às suas tradições. No lugar do laicismo indiferentista das crenças vazias, surge o indiferentismo gnóstico, onde o que vale é o resgate do espiritualismo esotérico.
Ninguém melhor que a Rússia para compreender e efetivar o processo. O histórico do país com as crenças esotéricas perpassa o último século. Por trás do ambiente ateísta do regime soviético, permaneceu a raiz do messianismo gnóstico russo. Putin encarna tudo isso, como um czar dos tempos pós-modernos. Um novo-velho ideário, que se espalha pelo mundo, unindo mentes e corações dos jovens que em breve estarão assumindo postos políticos e de influência. Basta investigar os novos movimentos e partidos de direita para ver o quanto se unem à esquerda no anti-catolicismo (ou então em um tradicionalismo católico sedevacantista).
Um outro período histórico se apresenta e muitos ainda ficarão surpresos. Entretanto, se a alquimia de desestabilização e estabilização social começa agora a dar os frutos pretendidos pela serpente, devem saber os católicos que não há o que temer. Pois justamente no ano de 1917, quando a Revolução Bolchevique ganhou o Kremlin, Nossa Senhora apareceu em Portugal, precisamente em Fátima, no outro extremo da Europa, para alertar que os erros da Rússia haveriam de se espalhar mundialmente mas no final seu Imaculado Coração triunfará.
(1) – https://www.youtube.com/watch?v=2BV0MisWuKs
(2) – https://newrepublic.com/article/150646/young-trump-went-russia
(3) – https://www.theguardian.com/us-news/2021/jan/29/trump-russia-asset-claims-former-kgb-spy-new-book
(4) – https://nymag.com/intelligencer/2018/07/trump-putin-russia-collusion.html