A infiltração revolucionária na direita, como temos denunciado há anos, já está escancarada no Brasil. Desta vez, o youtuber popular da direita, Kim Paim, em um vídeo publicado na rede social X, minimizou a influência soviética no Brasil, reduzindo a relevância política da ideologia que matou mais de 100 milhões de pessoas na URSS, optando por atacar a influência norte-americana de operações da CIA durante o regime militar. Amigo de militantes da ideologia russa de Putin, o youtuber tem sido especialmente favorecido pelo profundo déficit de inteligência que tem assolado a maioria dos conservadores desde a ascensão e queda de Bolsonaro. Como diz o ditado: “o fracasso subiu à cabeça” e depois de achar que dominam a política partidária e as análises “clínicas” da situação, ninguém mais leu um livro, preferindo informar-se e formar o caráter nos corredores maravilhosos da rede social. O resultado está aí.
Alguns, acostumados a vincular suas análises a seus apetites e gostos estéticos, já começam a achar “chato” todo esse negócio de anticomunismo, americanismo bolsonarista, coisas que já “deu no saco”. Com isso, reduzem tudo o que sabem a um mero discurso político, vinculando as verdades antes conhecidas ao mesmo reducionismo.
Em um de seus vídeos recentes, Paim utilizou documentos que comprovariam a existência de agentes do governo norte-americanos no Brasil, informações que usou para favorecer a tese da influência ianque ter sido determinante no golpe de 64. Ele chegou a utilizar a sua “inside information” para alfinetar o filósofo Olavo de Carvalho, uma maneira de dizer aos seus alunos quem é que agora tem razão.
Trata-se, todavia, de uma tática comum usada por comunistas: a desinformação, definida como a introdução de informações no campo adversário através de um canal de confiança dele ou, no mínimo, visto como imparcial. Qual o efeito narrativo pretendido? Inserir narrativas da velha esquerda para dentro do campo de direita de maneira a atrair militantes, não para o campo esquerdista, mas para o campo da terceira posição (saiba o que é isso).
Na prática, Paim aderiu oficialmente às teses popularizadas pela esquerda ao longo das últimas décadas, que tiveram o reforço universitário e midiático desde o tempo do regime militar. A tese ganhou força justamente devido à penetração revolucionária nesses meios de influência da opinião pública, que para Kim Paim talvez tenham sido apenas fruto de discussões abertas e espontâneas que levaram à conclusão socialista de praticamente toda a classe cultural brasileira.
Reforçada em toda a mídia mainstream por décadas, a tese que tem origem nos próprios métodos comunistas de infiltração e subversão, tinha o papel de facilitar o avanço da agenda de esquerda no país, cujo resultado prático foi a criação do Foro de São Paulo, em 1990, que oficialmente alegava a meta de “restaurar na América Latina o que foi perdido no Leste Europeu”. Isso possibilitou a subida ao poder por parte do PT, o que foi possível graças ao conchavo com o tucanato ligado ao Partido Democrata norte-americano no chamado Pacto do Diálogo Interamericano. Mas é claro que para quem aparece no youtube numa montagem com uma falsa biblioteca atrás de si, ler alguns livros é muito mais tedioso do que abrir alguns links recebidos por seus amigos russófilos.
Kim Paim devia saber — e provavelmente sabe — que o ataque sistemático ao anticomunismo, estigmatizando-o como um medo fanático e injustificado, típico de caipiras, sempre foi utilizado pela URSS desde o macartismo. Agora o mesmo método é repetido pelos lacaios de Putin no Brasil.
Simpatia pelo demônio
A razão das falas de Kim Paim é a sua proximidade com ativistas da agenda atual do Kremlin, que trocou a aposta no proletariado pela aposta no conservadorismo e nas “tradições”, embora mantendo os mesmos métodos e a mesma ideologia. O youtuber é figura frequente do canal dos “olavistas” do Estúdio 5º Elemento, que em 2022 fez entrevistas com ninguém menos que os ideólogos do Kremlin, Leonid Savin e Alexander Dugin. Dugin é conhecido pelo debate com o filósofo Olavo de Carvalho, onde o filósofo demonstrou as raízes neonazistas e ocultistas do ideólogo de Putin. No entanto, muitos conservadores têm visto a Rússia como uma alternativa ao globalismo ocidental, comprando junto as teses e premissas revolucionárias incluídas.
Portanto, uma das estratégias adotadas por grupos como o Nova Resistência é minar a credibilidade de Olavo de Carvalho, para com isso reduzir o impacto da humilhação sofrida por Dugin no debate. Daí a alfinetada de Kim em Olavo. Já outros grupos, como o 5º Elemento, vivem de falar mal da agenda woke exclusivamente, método cujo objetivo é fazer países como Rússia e China, onde essas agendas não entram, parecerem opções palatáveis aos conservadores. Em um de seus últimos vídeos, eles afirmam, por exemplo, que “a religião que mais cresce na China é o cristianismo” e que “a China é mais conservadora que os EUA” e por aí vai. O objetivo é preparar o terreno da opinião pública conservadora para a invasão de Taiwan e outras medidas da China, que parecerá bem mais agradável que o maligno imperialismo ianque. Mas os EUA são vilões ou heróis? Para quem vive dentro do mundo das narrativas, certamente só uma resposta pode ser possível. Qualquer uma delas. Mas vejamos.
Influência americana no Brasil
Até alguns anos atrás, quando alunos de Olavo de Carvalho ainda não haviam substituído a leitura atenta de livros pela de postagens de redes sociais, era conhecida de todos a literatura que comprovou a influência profunda da subversão soviética na sociedade ocidental, tanto no campo cultural da sociedade americana, a partir da qual se espalhou pelo mundo durante a Guerra Fria, como na ação nem tão sutil em países latino-americanos. Para quem conhece essa história, não há dúvidas de que a influência americana estava presente no Brasil, através de organismos como a Fundação Rockefeller, Ford, entre outras. Mas, diferente do que tenta indicar Paim, esses grupos não estavam aqui para defender os interesses dos EUA, tampouco para limitar a influência soviética, mas para aprofundar ideias de esquerdas repetidas até mesmo por Kim Paim.
Paim não trata de informações, mas de sentimentos. O que o vídeo e as postagens de Kim tentam fazer, na verdade, é simplesmente tirar o foco da União Soviética, sabotando o que resta do sentimento anticomunista e qualquer pé atrás com a Rússia, e direcioná-lo contra o inimigo geopolítico da Rússia, os EUA. Para fazer isso, o foco nos efeitos da cultura esquerdista vinda dos EUA é fundamental, pois a associa ao país e consequentemente alimenta um nacionalismo antiamericano. Qual a origem desse método?
No livro 1964, de Mauro Abranches, sobre a infiltração da KGB no Brasil, talvez a informação mais relevante seja o foco prioritário dos soviéticos nos movimentos nacionalistas do país alvo. Ou seja, ao menos naquela época, o apoio aos movimentos comunistas era menos importante do que a infiltração em movimentos vistos como conservadores. O objetivo era fomentar o antiamericanismo, visto estrategicamente como mais relevante do que um suposto apoio à URSS, que seria impossível dado o sentimento anticomunista nacional. Agora, porém, passada a Guerra Fria e fomentado o modo de vida revolucionário e seus efeitos, chegou o momento de propagandear a Rússia, que se apresenta como salvadora do Ocidente.
Influência comunista e subversão: o que conservadores sabiam, mas “esqueceram”
Ainda assim, o apoio logístico do Kremlin aos partidos comunistas durante a época não foi pouco, tendo sobre isso uma volumosa literatura. O próprio livro de Abranches o demonstra para não deixar dúvidas quanto à influência soviética no Brasil e na América Latina.
Muitas fontes o demonstram, destacando obras como Latinskaya Amerika: as relações entre a União Soviética e a América Latina (1957-1962), de Marcos Napolitano, trabalhos históricos indispensáveis como o de esquerdistas das univesidades que celebram veículos existentes durante o regime militar, como a Revista União Soviética em Foco. É claro que pessoas como Kim Paim, acostumados às tramas políticas, são completamente indiferentes às influências culturais e seus efeitos. É por isso que repetem chavões e caem na desinformação com facilidade ou se tornam idiotas úteis dessa mesma desinformação que desprezam como meios mais eficazes e determinantes historicamente.
A revista União Soviética em Foco foi uma coprodução da editora carioca Revan com a agência soviética Novosti. Uma das importantes revisões acadêmicas sobre a publicação explica:
“…a URSS utilizou de duas frentes para o seu avanço, voltando-se a agências, organizações e confederações das quais foram criadas e mantidas predominantemente pelos países capitalistas ocidentais, ao mesmo tempo em que organizava associações de classe internacionais através de auxílios regionais com razoável capilaridade global”. (“A CULTURA LATINOAMERICANA NA REVISTA UNIÃO SOVIÉTICA EM FOCO” de Larissa Ceroni de Morais
Em outro artigo, publicado na PUC de Minas Gerais, os autores demonstram que:
“A StB foi a polícia secreta que atuou de forma mais ampla na América Latina, sobretudo no Brasil, pois os soviéticos precisavam de países que já possuíam relações com o Brasil.”
Se não fosse assim, como teria sido possível que a esquerda tivesse, como sabemos, dominado durante o regime militar as universidades, toda a mídia e o meio editorial? Na verdade, se havia atuação norte-americana era justamente devido à preocupação com a influência soviética, base da Guerra Fria. Essa preocupação com o comunismo sempre foi comum entre brasileiros, especialmente os de direita, mas Kim Paim parece já ter transcendido isso. Mas se da parte dos EUA essa seria uma atuação até justificável, está claro que ela foi insuficiente, para não dizer cúmplice da infiltração comunista. Grande parte dessa “influência norte-americana”, seja da CIA ou dos Rockefeller, parecem ter ignorado ou relevado a influência cultural. Por que será?
Será mesmo que eles atuavam em interesse dos EUA ao ponto de chamarmos de uma “influência norte-americana? Basta a simples lógica e algum conhecimento histórico e do presente para ver a imensa peça de propaganda que são alguns conteúdos propagados por celebrados direitistas. Afinal, se os EUA se consagraram como principal veículo de transmissão do globalismo pelo mundo, essa ideologia nunca foi um patrimônio nacional dos EUA. Essa falsa identificação é indispensável, porém, para os soviéticos e atuais russos.
Globalismo: expansão do comunismo
Ora, se foi o processo de infiltração eficiente dos comunistas nos países ocidentais que tornou possível a construção do Foro de São Paulo, do Pacto Interamericano, tudo isso obviamente determinou a consagração da hegemonia política no continente inteiro. Mas isso só foi possível após a propalada “Queda do Muro de Berlim”, isto é, o suposto “fim do comunismo”, oportunizando um imenso alastramento, uma diáspora comunista, verdadeira inundação das teses revolucionárias sob várias roupagens, culturais, sociológicas, antropológicas, psicanalíticas, possibilitando que as ideologias woke, ambientalismo etc, hoje praticamente hegemônicas, viessem dos EUA, para onde migraram em massa os dissidentes soviéticos e, com eles, centenas de agentes de subversão. Esse processo, que foi bem descrito por Pascal Bernardin, no livro Império Ecológico, só para citar um livro mais conhecido sobre isso, parece ter sido esquecido pelos direitistas que se acostumaram a uma superficialidade criminosa sobre a natureza do inimigo revolucionário. O efeito disso será o aparecimento cada vez mais frequente de desinformantes como Kim Paim, uns mais conscientes do que estão fazendo, outros menos, numa verdadeira manada de idiotas úteis.
Portanto, se o esquerdismo brasileiro é, em parte, fruto dessa infiltração soviética direta da KGB, comprovada por inúmeras obras, a outra parte é fruto do aspecto cultural vindo de organismos e movimentos que sofreram um tipo mais sofisticado de infiltração ainda no território americano. Portanto, sim, eles vieram mesmo dos EUA. Mas quem são eles?
A respeito da infiltração soviética nos EUA, há o trabalho de diversos dissidentes que revelaram as operações, como é o caso de Walter Krivisky.
Havia agentes soviéticos infiltrados entre os dissidentes que fugiam para o Ocidente. Muitos deles se passavam por refugiados, mas na realidade estavam operando sob ordens diretas de Moscovo para sabotar qualquer movimento contrário ao regime soviético. Esses agentes desempenhavam um papel crucial, minando a confiança e a cooperação entre os exilados e os aliados ocidentais.”
(Krivitsky, 1939)
Mas, para a maioria dos seguidores de Kim Paim, este texto já está longo demais, tedioso e difícil de entender.
Subversão pós-globalista: a desinformação russa
A razão mais profunda das alegações de Paim, porém, é que o youtuber direitista tem se aproximado do movimento neofascista Nova Resistência, formado por seguidores de Alexander Dugin, sobre o qual tratamos inúmeras vezes aqui e cujas ideias exploramos à exaustão no livro O Sol Negro da Rússia (que tem mais de 300 páginas, portanto, longo demais para quem está acostumado com “dossiês” de youtube com figuras e prints comentados).
Depois de apostar na defesa do proletário oprimido, a nova estratégia russa é fazer a “colheita” de conservadores desiludidos após as décadas do trabalho de longo prazo: a subversão cultural. Carentes de autoridade e hierarquia num mundo igualitário e politicamente correto, só restaria a Rússia e China como portadores das tradições. Sobre quais são as tradições russas trazidas para o Ocidente, remeto a outros textos, pois isso é outra história.
Depois da estratégia russa, há as táticas locais, demandas de retirada dos obstáculos para a efetivação da boa cooptação dos conservadores. No caso do ambiente conservador brasileiro, essa sedução russa necessita, do ataque sistemático — embora nem sempre direto — à figura de Olavo de Carvalho, cuja obra jornalística e filosófica parece ser a mais capaz de limitar o avanço da mentalidade revolucionária. Se com Olavo, lido superficialmente, muitos conservadores já se deixam enganar, imagine sem ele. Além disso, foi de Olavo que o guru russo Alexander Dugin levou a sua maior humilhação no debate que até agora não consta com tradução russa.
Associação fácil com o nazismo
A questão é que essa perigosa aproximação de segmentos de direita com movimentos neofascistas frequentemente traz junto ideias criminosas para a maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo por associações evidentes e declaradas com a ideologia nacional-socialista em suas novas roupagens. Para a maioria dos conservadores brasileiros, as associações da direita com “extrema-direita” e neonazismo são meras peças de propaganda ideológica para uma tentativa de criminalizar os seus críticos. De fato, até pouco tempo atrás, essa era a única fundamentação possível. Mas com a entrada do duguinismo nas cercanias conservadoras, a coisa mudou radicalmente.
A teoria do Mundo Multipolar, de Dugin, é na verdade um plágio das teses neonazistas que se desenvolveram no pós-guerra a partir da filosofia de Martin Heidegger, como mostra o livro Heidegger e seu legado, de Victor Farías. O filósofo alemão, que inscreveu-se no partido nazista, se tornou a fonte fundamental de uma imensa gama de ideologias pós-modernas que vão do neofascismo, ambientalismo (partido verde alemão) passando pelo radicalismo islâmico e até a Ideologia de Gênero. O conceito-chave que permitiu isso tem sido o do “Dasein” (ser-aí), espécie de sujeito histórico e cultural, espírito de um povo, que reúne identidade individual, racial, cultural, espiritual e territorial, possibilitando uma série de usos para as ideologias modernas, especialmente ligadas ao diversitarismo e igualitarismo revolucionários, seja moderno, pós-moderno ou antimoderno. Assim como o nazismo utilizou o termo para uma relação radical entre o indivíduo, a raça e a terra, este também passou a ser útil para designar uma associação da humanidade com o meio ambiente, assim como justificar o expansionismo russo e islâmico ao mesmo tempo.
Este arcabouço filosófico é o que está por trás não apenas de Dugin, mas de todo um movimento ideológico que abrange globalismo e eurasianismo, conectando-se diretamente ao espiritualismo anticristão. Para os russos, esta é uma aposta estratégica para fisgar a atenção e o interesse tanto de esquerdistas quanto de conservadores, ampliando formidavelmente a base de apoio russo para os seus projetos globais.
Da mesma forma, globalistas ocidentais (que russos gostam de vincular aos EUA de maneira geral) também possuem o interesse em remodelar o globalismo para uma versão menos materialista, usando para isso a sua velha plataforma do multiculturalismo antiocidental. O bilionário Peter Thiel, por exemplo, que é financiador do vice de Trump e de milhares de projetos aparentemente conservadores, diz acreditar na “liberdade como valor de transcendência”. Sua influência é a cabala judaica misturada a uma série de crenças que se aproximam muito mais do movimento New Age do que de qualquer topo de tradicionalismo. No entanto, é justamente dessa mescla espiritualista que emerge a “magica do caos” por trás das estratégias que chegam na política.
Recentemente, a saudação aparentemente nazista de Elon Musk acendeu o alerta da esquerda mundial. Para não perder a oportunidade, direitistas já tiraram foto fazendo a saudação, que na cabeça deles é apenas um ato de apoio a Musk. Para a esquerda, porém, será um prato cheio. Tudo isso caminha para uma conjuntura imaginária e sentimental na qual a política de direita não conseguirá se expressar de outra forma que não a de um resgate neonazismo misturado a uma defesa libertária de direitos de autodeterminação, multiculturalismo e indiferentismo religioso, em um ecumenismo radical que terminará na perseguição a todos os que defendam um conservadorismo dissociado da mentalidade revolucionária.
Mas, para quem está acostumado a análises superficiais, politiqueiras e linguagem conspiratória, cínica e risadinhas, como grande parte da direita que caminha para se tornar um imenso rebanho de idiotas úteis da Rússia e da China, assim como dos globalistas, isso tudo é “coisa da direita intergaláctica”, um termo que bem mostra a distância em que certos influencers estão do entendimento da realidade sobre a qual opinam, comentam e denunciam diariamente.