O termo idiota útil talvez seja o mais perfeito para descrever aqueles que desconhecem as bases sobre as quais se fundam as narrativas e discursos, especialmente em matéria de política. O que faz o idiota é justamente a sua teimosia ou obstinação em transitar sobre um terreno que lhe é não apenas desconhecido como extremamente hostil. Ainda assim, sem perceber a hostilidade, ele flerta com o desconhecido com a maior das ingenuidades acreditando estar por cima da situação. Mas como fugir disso?
Primeiro, saibamos a quem estamos nos dirigindo. Evidentemente, os ativistas da atual direita, no Brasil, não possuem mais a mera capacidade de compreender o texto a seguir. Então, caro leitor, sinta-se privilegiado se compreender bem o que se segue e conseguir extrair daí boas formas de combater o real problema que nos aflige a todos. O ativista, aquele que vive de aparências de ideias, este não passará das primeiras linhas.
Falemos aqui primeiro dos efeitos naturais, transitando pela psicologia das massas, até chegarmos no aspecto espiritual, que é aquele que finalmente determina o efeito de tudo o que é feito.
A grande questão por trás de quem opta por atuar no campo das narrativas, dos discursos e da persuasão por meio da opinião pública, é saber qual o efeito das mensagens e como medi-los. Na verdade, há um critério infalível, embora trabalhoso, para saber que grupo, movimento ou ideologia sairá privilegiada com todo tipo de mensagem em circulação na opinião pública. A indiferença sobre esse critério torna o indivíduo apto a ser classificado como o mais clássico idiota útil.
Com dizia Hugo von Hofmannsthal, nada está na política que não esteja, antes, na literatura. Isso é crucial, mas é preciso saber como observar isso na prática. Ora, há grupos, movimentos, linguagens e elementos diversos que atuam dentro de uma grande esfera de ação, ainda que de maneira sutil, sendo determinantes no todo para o avanço de um movimento de sentimentos que irá, afinal, servir de base de compreensão para as mensagens. Ou seja, o sentimento geral é o que determina como serão recebidas as opiniões, notícias e os fatos da realidade. Então resta saber quem define este “sentimento geral”. Mas tem outra coisa: o sentimento da massa possui uma imagem, um estereótipo e símbolos que o estão associados. O manejo desses elementos podem já ser suficiente para toda a definição. Então a coisa já simplificou: basta ter poder sobre estes símbolos. Esta foi a grande percepção de Walter Lippmann, o artífice do controle da opinião pública no século XX.
Pouco importa, de fato, o real sentimento das massas para o sucesso das narrativas. O que vale realmente como este sentimento será traduzido para o público, pela mídia e para os políticos ou tomadores de decisão (política, jurídica ou comunicativa). Onde estão esses elementos, esses símbolos ou estereótipos que representam, como que por procuração, as opiniões e sentimentos gerais? De maneira clara, estas imagens é que conduzem o processo e poucos no mundo possuem o controle ou manejo desses aspectos. Eles são manifestados pelos costumes, valores, ética, compromissos, o que antes era conduzido pela Tradição, mas hoje foi traduzido racionalmente para um conjunto de premissas, expressas invariavelmente por meio de hábitos. Mas, como explicou Leon Festinger, os hábitos precedem as ideias.
Mas dizendo claramente, a quê exatamente estamos nos referindo?
Há no processo revolucionário uma coisa chamada “revolução tendencial”, descrita por Plinio Corrêa de Oliveira como um conjunto de elementos pré-doutrinários que servem de “veículo” para que o elementos revolucionários avancem sobre as almas. Não se trata de uma doutrina ou um conjunto de princípios que orientam as ideias revolucionárias. Isso surge, de fato, mais tarde. Há, antes disso, um clima moral que pede ou exige certas condutas que, por sua vez, irão tender a aceitar as ideias que virão em seguida. Portanto, num primeiro momento, são os detentores dos meios de comunicação ligados à cultura e ao entretenimento que gerem esse processo. Só depois entram os doutrinadores. No passado, como trata Hofmannsthal, era a literatura que preparava o imaginário. Hoje, tudo o mais pode gerir esse processo.
Antes de qualquer doutrinação poder começar, portanto, recorda Plinio Corrêa o primeiro passo pede somente uma falta de compenetração do estado de luta da vida, depois uma amenização e relaxamento dos princípios, seguido da falta de certeza das coisas. A falta de convicção segue o estado de relativismo, o indiferentismo e, por que não, também a excessiva preocupação com a política do dia e as narrativas em disputa. Isto porque as narrativas, hoje, sustentam o que no passado recente o apetite pelo entretenimento.
Basta, portanto, observar qual grupo, movimento ou ideologia, conta com maior arcabouço literário, científico ou cultural, para saber quem determinará o sentido das palavras e dos fatos. E não há nada que se possa fazer contra. Os hábitos, ou a revolução tendencial se preferirmos, define a recepção das mensagens. Se eu lhe disser, por exemplo, que a roupa que você usa ou o jeito que você fala interfere diretamente no sucesso da sua mensagem, certamente você interpretará isso como um efeito natural, isto é, psicológico ou técnico da mensagem, que precisa ser bem elaborada etc. Isso porque estamos acostumados à persuasão lógica e racional do mundo das ciências e técnicas, mas não de um sentido mais amplo. A revolução tendencial divide, separa e fragmenta a alma humana para que ela veja como elementos incomunicáveis a realidade técnica e o mundo sobrenatural, como dimensões totalmente separáveis. É o fruto maduro do cartesianismo. No entanto, o real sucesso das mensagens não obedece ao cartesianismo.
Se usarmos uma linguagem revolucionária para comunicarmos verdades universais, o resultado não será para o benefício das verdades universais, mas será o avanço e a legitimação social da linguagem revolucionária. Isso porque essa linguagem é que detém, há mais de 4 séculos, a fundamentação e penetração cultural no imaginário a partir da separação cartesiana, de que você pode perfeitamente ser um bom cristão e dizer, falar, vestir-se à maneira própria, pessoal e individual. É claro que isso não significa que perceberemos esse prejuízo das verdades universais de uma maneira evidente e rápida, pois pode ser que se obtenha vantagens momentâneas e transitórias, limitadas. O aspecto individual, evidentemente, pode ser um tanto relativo e é neste sentido que essa separação cartesiana pode ser eficaz. Mas essa limitação, que na verdade é uma restrição, está de fato apenas no aspecto individual e singular, não no geral e tampouco no espiritual.
O primeiro e principal interlocutor, receptor das nossas mensagens, é Deus, a quem toda palavra ou definição escapam e são insuficientes. Isso quer dizer que todo o estudo da persuasão, se afastado dessa realidade, só irá privilegiar o outro lado, aquele que se beneficia da presunção e vaidades humanas. Sabemos bem qual é.
Na verdade, indo além da significação de aparentemente meros hábitos e costumes sociais, há aqueles que simbolizam revolta espiritual contra a ordem da criação, ou elementos óbvios de um louvor demoníaco. Na modernidade, somos permanentemente convencidos de que não há como fugir desses elementos. Isso nos desanima, ainda que possamos estar aparentemente animados com as novidades. Na verdade, desanimamos da luta contra-revolucionária porque acreditamos que ela é inútil e impossível. Nos tornamos idiotas úteis dela por aceitação. Mas os próprios hábitos mentais dessa aceitação abrem portas, não apenas aquelas intelectuais e culturais que fazem avançar agendas, mas para as forças preternaturais que as sustentam.
O idiota útil, portanto, é o espiritualmente inútil, que serve apenas ao pai da mentira, ainda que diga as maiores verdades e as repita mil vezes. Pois se não o fizer com espírito de submissão à Verdade, que é a humildade em si mesma, mil e uma técnicas persuasivas só irão fortalecer, no mundo, essas mesmas técnicas que estão nas mãos dos maus e dos principados e potestades.
Essa é a realidade espiritual da coisa. Mas é possível dizer tudo isso em termos técnicos, como vemos, naturais e intelectuais. Mas se o aspecto espiritual já não nos basta, pouco ou nada faremos.