A principal reflexão que deveríamos estar fazendo seria sobre como avanço das tecnologias digitais, como as criptomoedas e os sistemas de rastreabilidade financeira (Pix e Drex no Brasil), oferece novas ferramentas de controle e organização social. Embora esses instrumentos possam parecer inovadores e vantajosos à primeira vista, sua implementação pode ter implicações profundas sobre a liberdade individual e a natureza humana.
Para compreender melhor o impacto dessa transformação, é fundamental analisar a relação entre esses sistemas e a filosofia da tecnocracia, e como ela se conecta com ideologias históricas, como o Iluminismo da República, o Positivismo de Auguste Comte e o modelo do “Grande Caminho” chinês – primeiro Estado Tecnocrata mundial e modelo para os próximos. Não por acaso a primeira missão do grupo liderado pelo General e Ex Vice Presidente Mourão foi para trazer esse modelo para o Brasil.
A discussão sobre criptomoedas e controle social não pode ser dissociada de uma reflexão mais ampla sobre o papel da espiritualidade e da moralidade na organização da sociedade. A verdadeira compreensão de um sistema tecnocrático exige a consideração da visão de mundo que ele promove, não apenas como uma estrutura política, mas também como uma transformação profunda da natureza humana e do comportamento social.
No contexto brasileiro, a ideologia positivista de Auguste Comte, com sua ênfase na ordem, no progresso e na ciência como guia para a sociedade, se encaixa perfeitamente na lógica tecnocrática. Desde a fundação da República Brasileira, a ideia de uma governança científica e técnica tem sido uma marca de diversas políticas públicas. O Exército Brasileiro, influenciado diretamente pelo pensamento positivista, vê na ordem a base para o progresso, e a ciência como ferramenta para guiar a sociedade. A imposição de um sistema tecnocrático alinhado com esses princípios pode parecer, à primeira vista, uma solução para os problemas sociais, mas ignora as limitações da moralidade humana.
Comte defendia que a moralidade altruísta seria a chave para o progresso social, e sua ideia de uma elite técnica governando a sociedade para o bem comum ressoa fortemente com a ideia de tecnocracia. Contudo, essa visão tem implicações problemáticas, como a subordinação do indivíduo ao coletivo e a eliminação da liberdade moral, visto que a verdadeira moralidade não pode ser imposta de fora para dentro, mas deve ser um processo interno de escolha consciente.
A China, com seu modelo de governança tecnocrática baseado em créditos sociais e vigilância massiva, apresenta um cenário onde a filosofia confucionista serve como base para o comportamento coletivo. O Confucionismo valoriza a hierarquia, a ordem e o dever para com a coletividade, o que facilitou a implementação de um sistema de controle rígido e moralmente regulado. Esse controle se manifesta não apenas em ações políticas, mas também na mentalidade coletiva, moldada pela tradição confucionista.
Contando com um ambiente propício, influências ocidentais modelaram a Tecnocracia chinesa. Zbigniew Brzezinski, em seu livro Between Two Ages: America’s Role in the Technetronic Era, propôs que o controle social poderia ser ampliado por meio de tecnologias avançadas. Ele e Henry Kissinger foram influentes em moldar as políticas que encorajaram a modernização e abertura da China. A colaboração ocidental, especialmente com fundações como Rockefeller, ajudou a China a adotar tecnologias e políticas voltadas para a tecnocracia. O governo centralizado e autoritário da China, aliado à ausência de uma tradição democrática ocidental, tornou-a ideal para implementar experimentos de controle social e vigilância tecnológica.
O Datong, que significa “Grande Unidade”, é um ideal confucionista descrito no Livro dos Ritos (Liji). Representa uma sociedade utópica em que recursos são compartilhados, líderes virtuosos governam e as necessidades de todos são atendidas. O conceito foi reinterpretado para justificar a centralização de poder e o uso de tecnologias para alcançar um “bem comum”. Datong serve como base filosófica para políticas que promovem a harmonia social à custa de liberdades individuais, como a política do “Grande Caminho” seguida pelos líderes chineses. Assim, a China serve como protótipo para a implementação de tecnocracias em outras nações, com o apoio de elites globais que buscam um controle mais abrangente e centralizado.
A tecnocracia, enquanto modelo de organização social, tem como princípio central a administração científica e a alocação de recursos com base em dados objetivos e eficiência técnica. No modelo tecnocrático, os indivíduos deixam de ser cidadãos livres e se tornam partes de um sistema funcional, onde cada ação e escolha são monitoradas e recompensadas conforme a contribuição para o “bem comum”. Esse modelo se apoia fortemente na ideia de que uma elite técnica pode otimizar todos os aspectos da vida social de maneira a maximizar o progresso coletivo.
Em um sistema tecnocrático, a economia pode ser reorganizada de modo a substituir o sistema monetário tradicional por algo mais funcional e rastreável. Ao invés de usar dinheiro convencional, os cidadãos poderiam receber “certificados de energia”, que funcionariam como uma moeda digital, baseada no consumo e produção de energia. Esse sistema poderia, por exemplo, ser relacionado à quantidade de recursos sustentáveis consumidos (como energia renovável ou atividades de baixo impacto ambiental). Em troca, esses créditos seriam utilizados para acessar bens e serviços dentro de uma economia completamente centralizada. Essa centralização resultaria no controle da sociedade sendo transferido para um órgão central, responsável por gerir todos os aspectos da vida social. Esse corpo seria alimentado por um fluxo constante de dados provenientes de tecnologias de rastreamento e monitoramento, como câmeras, sensores e dispositivos conectados, e tomaria decisões baseadas em algoritmos que identificam a melhor forma de distribuir os recursos, eliminar desperdícios e alcançar a máxima eficiência social.
Criptomoedas como o Drex ou outras moedas digitais poderiam desempenhar um papel crucial nesse sistema. Ao integrar blockchain e rastreamento de transações, seria possível implementar um controle completo sobre o comportamento de cada indivíduo. Em vez de moedas físicas, que podem ser usadas anonimamente, as criptomoedas digitalizadas garantiriam transparência e rastreabilidade, tornando difícil escapar do monitoramento do governo ou do corpo tecnocrático. Esse sistema também permitiria “minerar” créditos através de comportamentos incentivados, como a economia de energia ou a participação em programas de reciclagem, transformando a ação social em uma espécie de recompensa digital.
Logicamente, embora a tecnocracia proponha um modelo de governança eficiente e racional, ela peca ao pressupor que uma transformação moral e ética possa ser imposta de cima para baixo. A grande falha desse sistema é a subestimação da complexidade da natureza humana. Há uma clara tendência de ignorar que o ser humano, com suas falhas intrínsecas (como narcisismo, psicopatia e avareza), não pode ser transformado por um sistema técnico ou político – não se pode controlar completamente a natureza humana apenas com tecnologia e dados.
Além disso, a centralização do poder em mãos de uma elite tecnocrática cria um ambiente propenso a abusos de poder e falta de liberdade individual, já que toda decisão seria tomada por um grupo centralizado, supostamente “onisciente” e moralmente superior. Essa concentração de poder leva a uma desumanização da sociedade, onde os indivíduos são reduzidos a números em um sistema de otimização de recursos, e não mais tratados como seres livres e racionais.
A crença de que a transformação radical da humanidade pode ser alcançada por um movimento social ou político é uma falácia perigosa. Tanto o Datong chinês quanto a tecnocracia global pressupõem uma transformação fundamental do ser humano para que o sistema funcione. Essa ideia é arrogante e ingênua, pois subestima as complexidades da natureza humana, que não pode ser totalmente reformatada por mecanismos sociais ou políticos.