Muita gente se pergunta a razão da queda do catolicismo no Brasil, ao que não raramente se culpa o clero e sua apatia na defesa e clareza da doutrina católica. É verdade que muitos erros foram adotados pela hierarquia e pela Igreja como forma de aproximar as almas, terminando por afastá-las. Em sua maioria, elas decorrem de uma falsa concepção do Concílio Vaticano II, reiterada e fortalecida por um mainstream católico que se tornou hegemônico. Mas se podemos resumir tudo isso como modernismo ou progressismo católico, há também muitos movimentos até ditos conservadores que optam pelas mesmas táticas, ainda que atenuadas, que levaram ao atual estado de coisas.
Alimentar o crocodilo na esperança de ser devorado por último. Eis a imagem mais perfeita desta alternativa. Afinal, tanto a esquerda quanto os infiéis provenientes das mais diversas crenças falsas, das mais aparentemente inofensivas como as mais violentas, não hesitarão em direcionar seu fogo aos católicos tão logo tenham os meios de fazê-lo. Mas para o católico “acolhedor”, o importante parece ser o cooperar com o inimigo para esperar dele a misericórdia. Como se misericórdia fosse uma virtude natural e não um dom dado por Deus, pelo verdadeiro Deus.
Ninguém esteve em terreno mais hostil do que os mártires. E qual foi a resposta deles aos pagãos?
Aceitar, tolerar e até fomentar o erro por acreditar que ele pode ser atenuado por meios outros, seja linguísticos, estéticos ou intelectuais, constitui grande presunção. É claro que tal presunção pode ser punida na eternidade, mas também obtém como fruto um castigo de Deus neste mundo: a ineficácia e a insuficiência que termina por conduzir mais almas ao erro.
Uma delas, talvez a mais importante, diz respeito à chamada “tática do terreno comum”, que visa atenuar verdades de fé dogmática ou exclusivas da Igreja Católica. Certo dia, buscando informação num importante site católico conservador sobre determinada virtude, encontrei um texto bastante elucidativo, mas que terminava não mencionando o mais importante na busca pelas virtudes: a ação da Graça Santificante. Se nenhuma alma pode por si mesmo alcançar virtude alguma, e nem pode praticar ato bom sozinho, sem o auxílio espiritual, por que razão se omitiria este fato tão comprovado pela doutrina e nas palavras de tantos santos? A razão é que para obter o auxílio da graça é preciso frequência nos Sacramentos, exclusivamente oferecidos pela Santa Igreja, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Disto conclui-se que a referida postagem buscava uma abordagem ampla e indiferentista para que protestantes, espíritas e membros de outras seitas, pudessem obter ali alguma informação de cunho naturalista.
Em seu livro Em defesa da Ação Católica, de 1943, Plinio Corrêa de Oliveira criticou a “tática do terreno comum”, que consiste em evitar temas que possam causar desavenças entre católicos e não católicos, enfatizando apenas os pontos de concordância. Ele argumentou que essa abordagem pode levar à diluição dos princípios católicos e à perda da identidade religiosa.
Em seu livro, ele afirmou referindo-se a uma tática já em uso na Ação Católica:
“Daí decorre toda uma tática que, uma vez adotada oficialmente na A. C., seria a canonização da prudência carnal e do respeito humano. O primeiro princípio da sabedoria consistiria em evitar sistematicamente qualquer coisa que, legitimamente ou não, pudesse causar a menor diversidade de opinião. Colocado em um ambiente acatólico, deveria o membro da A. C. salientar apenas, e sobretudo no começo, os pontos de contato entre ele e as demais pessoas presentes, calando cautelosamente as divergências. Em outros termos, o início de qualquer manobra de apostolado consistiria em criar largas zonas de “compreensão recíproca”, entre católicos e não
católicos, situando-se ambos em terreno comum, neutro e simpático, por mais vago e largo que este terreno fosse”.
Ele alertou que essa tática pode levar à ocultação de verdades fundamentais da fé católica, resultando em uma forma de proselitismo que não representa autenticamente os ensinamentos da Igreja. E não foi exatamente este o efeito após tantos anos? Os conservadores, zelosos de avanços políticos e ocupação de espaços, não estariam cometendo o mesmo perigoso erro ao concorrer para o apoio “estratégico” dos evangélicos? Parece que o benefício político se tornou maior que o espiritual. Mas será possível algum benefício político sem o auxílio da graça, que se obtém, além dos sacramentos, com a cooperação com as graças suficientes que sopra-nos o Espírito Santo para que não pensemos em benefícios terrenos?
Foi esta tática que levou, por exemplo, ao aproveitamento que a esquerda obteve da caridade como instrumento de propaganda, já que ela havia sido desligada do seu valor espiritual e reduzida ao material. O mesmo ocorre com as virtudes, que sem a graça, resultam reduzidas e humanizadas, sendo facilmente aparentadas pelos não cristãos, progressistas e inimigos da Igreja para seduzir e igualar tais virtudes com a inigualável virtude dos santos. A fé se tornou uma mera opinião benevolente, humanamente simpática.
Também se assemelha a este expediente a busca por “cristianizar” literaturas e obras de arte mundanas, ressaltando sua virtude humana ou o seu suposto humanismo. Este era precisamente o projeto dos humanistas da Renascença, que embriagados pelo fetiche estético e sensualista do paganismo grego e romano, traduziram toda a beleza e verdade numa mera humanidade. Este foi o fruto do nominalismo, que deu ao mundo o liberalismo.
Os meios seculares, progressistas e heréticos possuem, em nossos dias, infinitamente mais meios para redirecionar e aproveitar tudo o que é dito ou feito pelos católicos, razão pela qual somente a ação mais enérgica e íntegra de colaboração com a graça poderá obter efeitos reais e bons. Se é difícil sabermos como proceder num ambiente hostil, façamos como milhares de mártires ou como São Francisco de Assis quando foi visitar o sultão: admoestar e recomendar a conversão imediata. Se o preço é a vida, isso significa uma graça muito maior! Se temos responsabilidade com uma posição privilegiada na sociedade, com a qual poderíamos converter pessoas, manda a humildade que a coloquemos totalmente a serviço de Deus, sendo um privilégio e uma graça perdermos tudo pelo nome de Cristo. É difícil demais? Bem-vindo ao catolicismo de sempre!
Falar do inferno, por exemplo, como recorda o autor, passou a ser proibido nos redutos da Ação Católica já no início do século passado. No entanto, sucessivas vezes o Magistério alertou que o medo do inferno era, sim, uma forma legítima de sensibilidade do fiel, razão pela qual é necessário sempre recordar, como o fizeram diversos santos. No entanto, a filosofia personalista começou a fazer um verdadeiro “terrorismo” contra o medo do inferno, como se fosse causado por neuroses e males psicológicos diagnosticáveis, jogando tudo no campo científico e técnico.
É importantíssimo notar que o Sagrado Concílio Tridentino ensina (c. 818) que: “Se alguém disser que o medo da gehena, pelo qual choramos os pecados e nos refugiamos na misericórida de Deus e ao mesmo tempo nos abstemos do pecado, constitue um pecado, ou torna peiores os pecadores: anathema sit”
Plinio Corrêa queixa-se de que o apostolado, a partir daquela origem da militância civil que propunha-se a Ação Católica, parecia exclusivamente optar pelo “recuo estratégico”, condenando todas as outras formas, tradicionalmente eficazes, de se fazer apostolado ou de se relacionar com o mundo.
Hoje sustenta-se uma questionável primazia da conversão dos não católicos como se este fosse o principal objetivo do fiel na prática do apostolado. Além de uma grande presunção, tal objetivo quando procurado em primeiro lugar apenas resulta no seu oposto, promovendo mais a apostasia dos católicos do que a conversão dos pecadores e infiéis.
Afinal, recomendava o doutor Plinio também em seu livro o que para o católico de hoje pode parecer chocante:
“Não hesitamos em afirmar que, acima de tudo, se deve desejar a santificação e perseverança dos que são bons; em segundo lugar, a santificação dos católicos afastados da prática da Religião; finalmente, e em último lugar, da conversão dos que não são católicos”.
“Isto manda a caridade”, dizia, recordando o que escritores e Papas recomendavam quanto à Comunhão dos Santos, que é a busca radical da santidade para o sustento da própria Igreja.
“A simples análise do dogma da Comunhão dos Santos já nos oferece para tal, um argumento precioso. Há uma solidariedade sobrenatural no destino das almas de forma que os méritos de umas revertem em graças para outras, e, reciprocamente, a alma que deixa de merecer, depaupera todo o tesouro da Igreja. Ouçamos a este respeito a admirável lição de um mestre. O R. P. Maurice de la Taille, no seu conhecido tratado sôbre o Santíssimo Sacrifício e Sacramento da Eucaristia, à pág. 330-1 observa que “a devoção habitual da Igreja jamais desaparece, pois que Ela jamais perderá o Espírito de Santidade que recebeu; pode não obstante esta devoção, na variedade dos tempos, ser maior ou menor”. E aplicando este princípio ao Sacrossanto Sacrifício da Missa, acrescenta: “Quanto maior for ela, mais aceitável será sua oblação. Eis, pois, que é de suma importância existirem na Igreja muitos santos e muito santos; nem nunca jamais se deve poupar ou impedir que os varões religiosos e mulheres envidem esforços para que cada dia cresça o valor das Missas e se torne mais potente aos ouvidos de Deus a voz indefectível do Sangue de Cristo que clama da Terra. Pois que nos altares da Igreja clama o Sangue de Cristo, mas pelos nossos lábios e coração: tanto quanto se lhe abrir o vigor de vociferar” (apud Filograssi, Adnotationes in SS. Euchaaristiam, pg. 1115-6)”.