A relação entre magia e mídia não é um campo novo de estudos, tampouco um interesse raro entre políticos e celebridades. Tratado como tópico de teorias conspiratórias, o problema do uso de técnicas sutis de manipulação para o avanço de certo tipo de vertente ideológica é, porém, completamente desconhecido especialmente por suas vítimas e divulgadores úteis.
Na última semana, foi amplamente noticiado que o bilionário Elon Musk mudou o nome do seu próprio perfil na rede social X para Kekius Maximus, referência à criptomoeda de memecoin Kekius, cuja imagem é a do sapo do meme chamado Pepe. Notícias vincularam ao interesse de Musk na onda das criptomoedas, o que ficou evidenciado pela explosão do valor da memecoin. Mas há outras ligações importantes a serem feitas para compreender de maneira mais ampla a agenda global que as criptomoedas servem, mais ainda associadas aos memes. Musk vem se aproximando da administração Trump, que tem como vice D. J Vance, um russófilo financiado por um espiritualista cabalista Peter Thiel. Antes de entrar nos agentes envolvidos nas últimas polêmicas jornalísticas, porém, precisamos compreender a lógica por trás da combinação entre criptomoedas e memes.
Tem sido frequente em redutos conservadores a aposta nas criptomoedas como alternativa aos bancos centrais e ao sistema financeiro mundial. Análises puramente técnicas e financeiras, porém, deixam de lado um importante elemento: o esotérico e mágico associado à mídia das ideias por trás da onda de memes e de um sistema monetário alternativo. É claro que não se trata de defender o sistema financeiro tradicional, mas de apontar como as alternativas são em geral mantidas como uma oposição controlada do mesmo sistema.
Alguns sites da grande mídia, ao noticiarem a mudança do nome de Musk, até recordaram que Pepe, the frog, é uma referência a uma deusa egípcia com cabeça de sapo. O que pouca gente associa, porém, é a ligação disso com a indústria aparentemente espontânea dos memes, que tem grande influência na direita mundial e por isso utilizada por agentes de transformação nem tão claros no mundo da internet e da opinião pública. Recordemos dos nossos frequentes alertas sobre a influência e até a determinação dos critérios conservadores por agentes russos espalhados por diversos setores.
Magia do Caos e a mídia
A complexa teia de influências não pode ser bem entendida sem o conceito de Magia do Caos ou caoismo, prática associada à política e à cultura para se disseminar ideias de maneira subliminar e conduzir as ideias de maneira que pareça espontânea. A própria ideia do caoismo evoca ao mesmo tempo a espontaneidade e o determinismo, num arranjo cuja contradição é apenas aparente. Um dos principais promotores da magia do caos, no Ocidente, é o russo Alexander Dugin, que indicou na bandeira do seu movimento eurasiano o símbolo máximo dessa vertente mágica criada pelo ocultista britânico Aleister Crowley.
Uma das mais relevantes fontes sobre o assunto é o livro Book of Lies: The Disinformation Guide to Magick and the Occult, de Richard Metzger, cujo título é uma referência ao livro de Aleister Crowley, apresentando uma série de estratégias midiáticas que envolvem o ocultismo e a mágica do caos para a subversão cultural e espiritual com vistas à influência política e até econômica. Um dos artigos do livro se chama: “manual de combate de Julius Evola para uma Revolta contra o mundo moderno”.
A base da magia do caos, como exposto no livro de Metzger, chama-se “sigilo” (também chamado de “glifos”), para “codificar e projetar a Vontade de alguém no Universo”. Só um ato de vontade individual é legítimo para os seguidores de Crowley, que necessitam de uma “libertação” de todas as leis, doutrinas ou valores, assim como crenças evolutivas ou sentidos da história, que conduzam a ação humana sem que seja a mágica individual, único poder que existe para eles. Para representar esse “ato de vontade” cria-se uma imagem (um meme).
Pode ser algo tão abstrato quanto um rabisco hieroglífico, mas que represente a sua “vontade”. Naquilo que é descrito como “guerra memética”, a imagem é amplamente divulgada, mesmo subliminarmente, para que possa semear as mentes da população em geral e produzir resultados no mundo real. Há grande similaridade com técnicas de Programação Neuro-linguísticas, mas aplicada em massa. O conceito de uso dos memes neste sentido possui como referência o livro de Susan Blackmore The Meme Machine, que teve o prefácio de Richard Dawkins. Na capa, há a referência do livro de Dawkins The Self Gene.
A lógica do “meme” refere-se a um tipo de brincadeira oriunda de uma tradição de “Culture Jamming”, que foi influenciada pela doutrina do discordianismo, espécie de culto satânico que no século XX ganhou status de tendência comportamental e postura política. A unidade básica de uma mensagem em culture jamming é, portanto, o “meme”. O termo foi cunhado e popularizado por Dawkins em The Selfish Gene, em 1976, para descrever como as ideias se espalham pelas culturas. A inferência é que, por analogia, os memes são para a cultura o que os genes são para os humanos. A “memética” é, portanto, análoga à genética, onde existe a crença que os memes podem ser gerados ou manipulados para alterar a cultura humana. Com o livro de Dawkins, o termo “meme” entrou na cultura popular.
Como isso está influenciando a política e a direita
Há uma presunção nos movimentos conservadores de que uma certa “onda” espontânea meramente anti-esquerdista conduzirá o rumo do mundo nos próximos anos através da mera liberdade de expressão. Esta é uma tese, na verdade, revolucionária e seus efeitos dá mais poder à Revolução. Vejamos.
Há alguns anos, a utopia salvacionista depositada em Donald Trump, nos EUA, motivou o uso de numerosos memes nas redes 4chan, fóruns adolescentes criados originalmente para discutir animes japoneses, mas que ganhou grande relevância na circulação de ideias entre jovens. Isso ocorreu junto do surgimento da moda da expressão “/pol/”, que significa “politicamente incorreto” no jargão dessas redes, um subforum para assuntos políticos. Nessas discussões, passou-se a associar Trump a um emissário do deus do caos. Mas a mágica entra aqui: cada postagem no 4chan, e locais online semelhantes, possui um identificador numérico de 8 dígitos. Com a quantidade de tráfego desses sites, os últimos dígitos desse número são essencialmente uma rolagem aleatória. Quando uma postagem recebe dígitos repetidos, ele é chamado de “dubs”, “trips”, “quads” e assim por diante. Dessa forma, os leitores passaram a “apostar” o conteúdo da sua mensagem na ocorrência de dígitos repetidos numa espécie de loteria. As apostas bem-sucedidas foram celebradas como “GET”. Por alguma razão, postagens ou tópicos ligados às postagens sobre Trump receberam Gets mais frequentes e com o uso do meme de Pepe, o sapo, houve uma clara associação. Isso promoveu a expressão “KEK”, termo que vem do idioma coreano e do popular videogame World Of Warcraft. O “KEK”, nome da divindade egípcia, substituiu o popular “LOL” nesses chats e foruns e PEPE se trata de uma abreviação de: “Point, Emerging, Probably, Entering”.
Criado por Matt Furies, o meme Pepe foi usado em postagens de blog no Myspace em 2005 e se tornou uma piada interna no Gaia Online. Em 2008, a página contendo Pepe e o slogan foi escaneada e carregada no quadro /b/ do 4chan , que foi descrito como o “lar permanente” do meme.
Os memes do sapo voltaram à popularidade em 2012, mas ganharam projeção ligada à política nos foruns a partir de 2014. Segundo o Wikipedia, embora originalmente fosse uma coisa “inocente”, o personagem teria sido cooptado como mascote pelo movimento alt-right e por nacionalistas brancos e foi usado em memes apoiando ideologias de supremacia branca e neonazistas . Finalmente, a imagem de Pepe acabou sendo usada em 2016 por apoiadores da campanha de Donald Trump para presidente. O próprio Trump e seu filho compartilharam memes usando o personagem em postagens de mídia social. A partir daí, grande parte da direita mundial começou a compartilhar o meme, associando-se com ele.
Para compreender a fundo o caoismo contemporâneo é preciso saber, além da origem satânica e ocultista de Crowley, a sua ligação com outros conjuntos de práticas políticas nem tão discretas como o aceleracionismo, de Nick Land, e o Iluminismo das Trevas, já tratado neste site.
É preciso compreender que, se o globalismo é visto como um herdeiro da utopia iluminista, a sua alternativa vem sendo conduzida por agentes de subversão ligados à inversão da utopia moderna do racionalismo, isto é, um irracionalismo, próprio da maioria dos teóricos fascistas do início do século XX. Para Dugin, a ruptura com a modernidade é realizada por meio de um apocalipse esotérico ocultista – num aparente retorno à ortodoxia e uma ativação de um eschaton místico. Já Land, em sentido só aparentemente oposto, imagina que a ruptura com a modernidade liberal será realizada por meio de um tecnocapitalismo acelerado, substituindo a própria humanidade. Apesar dessas diferenças, ambas as figuras rejeitam a modernidade como terminando no pesadelo do marxismo cultural e é aí que entra figuras como Elon Musk, cuja principal referência imagética está na obra Os Fundadores, de Isaac Asimov.
Essa aparente divergência entre Dugin e Land é um dos aspectos centrais do novo teatro das tesouras, que influencia os debates principalmente entre conservadores sobre a geopolítica mundial sem que os debatedores compreendam o sentido profundo da guerra em que estão imersos e sobre o lado para o qual trabalham como idiotas úteis.
Basta recordar Bannon e sua ligação com Dugin, D J Vance e seu apoio declarado a Putin, além de Peter Thiel, seu financiador, com uma clara agenda espiritualista cabalista que possui como valor universal a libertação individual por meio da transcendência através da tecnologia (transumanismo). A agenda transumanista está explícita há tempos na política de Trump de maneira que só agora alguns conservadores começam a desconfiar, quando ele começa a nomear alguns expoentes dessas ideias. Mas, como vimos, há muito mais no subterrâneo das ideias do que julgam os analistas geopolíticos da direita mainstream.