Enquanto a Igreja Ortodoxa Russa reforça a identidade nacional russa, o sufismo é usado para estabilizar regiões muçulmanas e construir alianças externas. Essa relação ilustra um sofisticado sistema de manipulação cultural e espiritual, usado para reforçar o poder político de Vladimir Putin e consolidar a visão de uma civilização russa distinta, messiânica e resistente às influências do Ocidente. Esse modelo, profundamente entrelaçado com o pensamento eurasianista, é tanto uma expressão de estratégia geopolítica quanto de uma luta por hegemonia ideológica global.
Olavo de Carvalho, ao enfrentar esses movimentos, mergulhou em uma batalha não apenas contra um aparato de propaganda, mas contra uma máquina que combina religião, esoterismo e política em uma narrativa articulada de poder. Em sua crítica incisiva, Olavo revelou como essas dinâmicas ameaçam os valores ocidentais e a liberdade individual. Sua oposição a essas forças destacou a necessidade de compreender as complexas conexões entre religião, política e ideologia no mundo contemporâneo. Essa batalha, embora intelectual, expôs as profundas contradições e os riscos de um sistema que utiliza o sagrado como arma de poder.
Desde a ascensão de Vladimir Putin, a Igreja Ortodoxa Russa tornou-se um pilar da identidade nacional russa. O governo promove a Igreja como guardiã dos valores tradicionais, em contraste com a “decadência moral” do Ocidente. Essa narrativa é essencial para fortalecer o sentimento patriótico e legitimar as políticas autoritárias do Kremlin. A IOR é apresentada como herdeira da tradição cristã bizantina, posicionando a Rússia como protetora do cristianismo global contra inimigos externos e internos, mais especificamente se relacionando ao princípio messiânico da Terceira Roma. Patriarcas e líderes da Igreja reforçam a legitimidade do regime de Putin, proclamando-o como um defensor da fé ortodoxa, o Katechon. Não obstante, a IOR também é usada como uma ferramenta de soft power em países com populações ortodoxas. A Rússia utiliza laços históricos e culturais com países como Sérvia, Grécia e Montenegro para promover uma visão pró-Kremlin, com isso exercendo grande influência nos Balcãs e no Mediterrâneo. Perante outras Igrejas Ortodoxas, a IOR frequentemente desafia a autoridade do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, promovendo a narrativa de que Moscou é o verdadeiro centro da ortodoxia. Embora a IOR tenha uma longa história espiritual, sua relação com o Kremlin a coloca em uma posição instrumentalizada, onde a religião é subordinada aos objetivos políticos. Membros do Clero e comunidades que criticam o governo ou a aliança com o Estado geralmente enfrentam represálias. Em muitos de seus sermões e declarações oficiais da Igreja, ecoam as narrativas do Kremlin, consolidando sua influência sobre a população – não por coincidência o Papa Francisco, muito atacado por “Tradicionalistas” e outras instituições sob influência direta ou indireta da Rússia, admoestou o Patriarca Russo sob a perspectiva de que um líder de tal envergadura não poderia exercer papel de Coroinha do Putin.
Paralelamente ao uso da Igreja Ortodoxa Russa, o Kremlin tem explorado o sufismo esotérico como uma ferramenta de controle e influência, especialmente em regiões de maioria muçulmana. O sufismo, com sua ênfase em práticas espirituais e hierarquias internas, é promovido como uma alternativa ao Islã mais politicamente ativo, como o salafismo. Tariqas/Confrarias sufis são cooptadas para reforçar a estabilidade em regiões como Chechênia, Daguestão e Tartaristão. O Kremlin promove líderes sufis que apoiam a narrativa estatal e marginaliza os que desafiam sua autoridade. O sufismo esotérico também é usado como parte de uma estratégia de soft power para construir pontes com países islâmicos – ao apoiar o sufismo, o Kremlin busca projetar uma imagem de cooperação inter-religiosa, atraindo aliados no Oriente Médio e na Ásia Central. Elementos esotéricos do sufismo são incorporados a uma narrativa eurasianista que enfatiza a unidade espiritual entre cristãos ortodoxos, muçulmanos e outras tradições.
O pensamento eurasianista, promovido por Alexander Dugin e outros intelectuais próximos ao Kremlin, conecta a Igreja Ortodoxa Russa e o sufismo esotérico em uma visão ideológica ampla. O eurasianismo apresenta a Rússia como uma civilização distinta, que combina elementos religiosos e culturais para resistir ao liberalismo ocidental e ao globalismo. A ortodoxia russa e o sufismo são vistos como partes complementares de uma tradição espiritual eurasiana. Essa visão une diferentes grupos religiosos sob uma bandeira comum de oposição à modernidade secular e ao individualismo. As ideias perenialistas, muitas vezes associadas ao sufismo esotérico, encontram eco no pensamento eurasianista. René Guénon e outros perenialistas influenciaram a visão de Dugin e seus aliados, que usam o esoterismo para justificar uma unidade espiritual entre povos e tradições.
O grupo dos perenialistas, ao se debruçar sobre sistemas esotéricos e sincréticos que diluem a centralidade do cristianismo, apresenta perigos significativos, tanto no campo teológico quanto no âmbito de suas ações práticas. A doutrina perenialista, especialmente na forma popularizada por René Guénon, exalta uma suposta “Tradição Primordial” que transcende todas as religiões. Essa visão, além de relativizar a figura de Cristo, também abre espaço para práticas espirituais que se afastam radicalmente dos fundamentos da fé cristã. Não apenas isso: muitos de seus líderes e defensores têm conexões obscuras que frequentemente extrapolam o campo religioso, entrando no domínio da política, da manipulação cultural e, em certos casos, de atividades criminosas.
O principal risco do perenialismo é sua negação da exclusividade de Cristo como o único mediador entre Deus e a humanidade. Ao reduzir Jesus Cristo a uma expressão parcial ou simbólica de uma “verdade maior”, essa doutrina desvia as almas da verdade absoluta. Ao colocar todas as religiões em pé de igualdade, o perenialismo promove uma visão de mundo onde a revelação cristã é tratada como apenas mais uma tradição entre muitas. Essa abordagem não apenas relativiza a verdade, mas também enfraquece a autoridade moral e espiritual do cristianismo. O foco do perenialismo em práticas esotéricas e acesso a realidades “superiores” leva a um afastamento da simplicidade do Evangelho e da dependência exclusiva de Deus. Isso reflete uma forma de soberba espiritual que historicamente tem sido associada à rebelião contra a ordem divina.
No centro da metafísica guenoniana está o conceito do “Rei do Mundo”, uma figura simbólica que governa a ordem cósmica invisível. Sob um exame crítico, essa ideia se assemelha a uma exaltação de poderes ocultos que se colocam como alternativa à soberania divina. A exaltação de uma autoridade espiritual oculta e ambígua pode ser interpretada como uma tentativa de usurpar o papel de Deus no governo do universo. Isso é particularmente perigoso quando associado a práticas espirituais que evocam forças não alinhadas com a verdade cristã. A figura do “Rei do Mundo”, como descrita por Guénon, ressoa com arquétipos de poderes espirituais rebeldes que, em diversas tradições, representam desafios à ordem divina.
A conversão de Guénon ao Islã e sua promoção do sufismo como uma das mais “autênticas” expressões da Tradição Primordial é um dos pontos mais críticos de sua obra. O sufismo, com sua ênfase em práticas místicas e acesso direto ao divino, frequentemente ignora ou minimiza a necessidade de Jesus Cristo como mediador. O Islã, em sua essência, rejeita que Jesus seja Deus. Essa negação é central para compreender os perigos de um sistema que se apropria do Islã esotérico como modelo espiritual. Essa visão prepara o terreno para desvios que podem ser interpretados como alinhados a forças contrárias à verdade cristã. A introdução dessas ideias no Ocidente não apenas confunde os cristãos, mas também enfraquece a resistência espiritual e cultural contra sistemas que rejeitam Cristo como o centro da criação.
Além de seu impacto teológico, o movimento perenialista também se associa a questões políticas e, em muitos casos, a práticas duvidosas. René Guénon e seus seguidores frequentemente orbitam círculos de poder e influência que utilizam a espiritualidade como ferramenta de manipulação. O perenialismo foi apropriado por figuras políticas, como Alexander Dugin, que o utilizam para justificar projetos de poder e expansão geopolítica. O esoterismo torna-se, assim, um instrumento para agendas que muitas vezes se colocam em oposição aos valores cristãos. Certos grupos perenialistas possuem vínculos com redes de influência que envolvem corrupção, espionagem e manipulação cultural. Essas atividades são, em essência, uma extensão do espírito de engano que caracteriza o sistema esotérico.
Diante desse cenário, é essencial que os cristãos estejam atentos às armadilhas do perenialismo e de seus representantes. A defesa da fé passa pela reafirmação de verdades fundamentais, como a divindade de Cristo e sua exclusividade como caminho para Deus. O compromisso com o Evangelho deve ser inegociável, especialmente em um contexto onde tantas forças trabalham para diluir sua mensagem. É necessário discernir os sistemas que, sob o disfarce de espiritualidade, promovem valores e ideias contrárias à revelação divina.