O processo revolucionário vive de radicalismos que se intercalam com recuos estratégicos. Com isso, eles fingem-se de mortos e avançam em um terreno ainda mais profundo, não mais nas pautas políticas e na opinião pública, mas no aspecto poético-estético, ou intelectual, que sedimenta no imaginário popular uma colheita para o futuro retorno da Revolução que irá, mais adiante, servir de base para outra radicalização. Vimos isso historicamente na Revolução Francesa, quando o terror deu lugar à tão esperada “Restauração”. Nela, restabeleceram-se monarquias, reconstruíram-se relações de paz e harmonia para, num sentido mais profundo, manter as teses mais perigosas da Revolução a salvo dos seus próprios erros.
Com isso, todos os prejuízos do processo de radicalização são como que “perdoados” pelo mundo, que passa a aceitar a Revolução desde que se apresente em linguagem mais polida, menos agressiva às sensibilidades daqueles que servirão de agentes da próxima etapa. Isso se dá, entre outras razões, pela natureza autofágica da Revolução: ela destrói o que não serve mais, utilizando-se dos recursos humanos gerados pelos seus erros.
É exatamente o que temos visto ocorrer com o conservadorismo atual, a chamada onda conservadora, percebida há algum tempo pelos condutores da fase globalista da revolução, para avançar para uma nova fase, cujo discurso se pautará pelo mesmo igualitarismo e multiculturalismo, mas com uma linguagem adaptada às sensibilidades de tradicionalistas católicos e dos conservadores protestantes.
O novo recuo estratégico do processo revolucionário é consciente, programado e de certa forma uno, pois possui um senso de lealdade e coerência baseado no acúmulo de certos interesses de parte da velha esquerda e de uma nova direita aparentemente descobridora de uma versão esotérica das suas raízes e tradições, coisas que a própria velha esquerda aprendeu a respeitar ou tolerar, desde que não se apresente como um universalismo típico da Igreja Católica. É neste sentido que venho alertando para o profundo anticatolicismo que domina essa nova ênfase nas tradições, vindo tanto da direita quando da esquerda.
Os atores desse recuo possuem, porém, papeis dialéticos e às vezes contraditórios. Mas isso é porque eles ora representam a bandeira da renovação, do anti sistema, ora reafirmam o próprio sistema para apostar na saturação. É o caso de Trump quando na sua típica linguagem agressiva ataca o BRICS e a Rússia, mas por meio de seus apoiadores, favorece o diálogo e a negociação para garantir que todos mantenham um crescimento sustentável de suas agendas. Elon Musk, que provoca frisson entre os brasileiros quando ataca Alexandre de Moraes, mas aposta pesado no transumanismo e em suas máquinas cerebrais cibernéticas que carregam em si a utopia mais satânica possível. Nayib Bukele e Milei soam aparentemente ocidentalistas e contrários a Putin ou ao Islã, mas a sua agenda favorece, cada um à sua maneira, um processo de saturação.
Mas ambos não iniciaram nada. Apenas surfam numa onda que vem crescendo há muito tempo com o aval e o dinheiro globalista.
Esse processo já tem avançado pela atualização da moda “coaching”, velhos autores da já ultrapassada “auto-ajuda”, iniciada com nomes como Napoleon Hill, que vem sendo atualizada por nomes como Jordan Peterson. Eles apostam na onda antissistêmica, conduzida por um tipo de espiritualidade social supostamente defensora de um retorno das tradições a um mundo antitradicional e moderno. Na prática, tais “tradições” ressurgem pela mesma plataforma anticatólica, seja pela velha New Age ou o tradicionalismo perenialista de base islâmica.
Mas é claro que essas “tradições” ressurgem com o incremento pós-moderno do próprio transumanismo que dizem combater, numa frente estética de recrutamento de jovens em fileiras de fãs de animes violentos, jogadores de video games e consumidores de pornografia que facilmente são convertidos em saturados paladinos “contra o mundo moderno” que está dentro deles. Um “niilismo épico” que resgata com todas as forças as potências do ódio em admiração aos impérios mais sanguinários e tribais, como numa verdadeira abertura das portas do inferno a pretexto da purificação final. Os jovens enfiados em seus quartos anseiam por um tirano e um banho de sangue, para o qual desejam ser recrutados como kamikasis, heróis suicidas inspirados no ódio ao mundo, à família e ao ocidente. Os ataques a escolas são apenas ensaios desta batalha programada.
Quem vence a queda de braço? Os conservadores é que não.
A briga para ressignificar e dar direção desejada à chamada onda conservadora, fruto da saturação com as teorias e agendas antinaturais, obviamente só pode ser vencida por quem detém os meios de ação e de descrição da realidade. O atual contexto é o resultado de sucessivos avanços e recuos estratégicos, de maneira que as teses revolucionárias já residem no coração dos homens há tanto tempo e com tão agarradas raízes, que precisariam mil vidas para estudá-los e cortar seus grilhões um a um. Humanamente falando, isto é impossível.
Adormecidos, muitos católicos, ao invés de apostarem pesado num processo de retomada que só pode vir da fidelidade mais radical à Igreja e à Virgem Maria, apostam na já fracassada moda do diálogo, da tolerância e da conciliação entre bem e mal, sentindo-se desamparados em uma sociedade em ruínas que ainda desejam ardentemente agradar. Mas esta é outra história.
A pandemia, como já dissemos, serviu como um elemento gerador de grande saturação da atual fase revolucionária, quando pessoas que antes estavam alienadas do processo passaram a compreender a natureza dos projetos globalistas de maneira um tanto rudimentar. Se esse “despertar” provocado pela pandemia não serve para a compreensão da complexidade da Revolução, é suficiente para a criação de uma verdadeira milícia de “companheiros de viagem” que construirão a verossimilhança democrática, isto é, a aparência de legitimidade social, para o avanço da nova fase. Eles ajudarão a derrubar os “barões do poder” para reerguer renovadas lideranças sob os mesmo princípios.
O que mais favorece a essa conclusão é o silêncio culpado da imensa maioria dos conservadores sobre o crescimento avassalador de processos bem claros e definidos, como a ideologia russa do eurasianismo, sedimentada pelo tradicionalismo perenialista que impulsiona castas intelectualizadas para nada menos que o islamismo, inimigo final do Cristianismo.
Neste sentido, fazem eco a esse processo os ingênuos que ainda creem em “poder do povo”, enquanto a história política e geopolítica vai sendo conduzida por homens alinhados e comprometidos com grandes agendas que anseiam por uma renovação, uma continuidade aparentemente renovadora da Revolução. Mas tal é a natureza deste recuo estratégico, a Revolução ressurgirá mais poderosa, porque estará encastelada definitivamente nas almas dos que apostam exclusivamente nas soluções humanas.