Hoje vemos uma onda conservadora avançando pelo mundo, unindo as “tradições” contra o materialismo e utilitarismo globalista. Vemos cada vez mais os chamados “valores religiosos” ou espirituais, frutos de uma ansiedade espiritual provocada pela modernidade. Neste sentido, apesar de um anseio geral por uma base firme e forte, não é na Igreja Católica que se busca a salvação, mas num sentido genérico de fé, numa política ecumênica onde o único valor acima de todos é a “liberdade religiosa” ou de expressão. Ou pura e simplesmente uma genérica liberdade. Este problema está na base do que chamamos conservadorismo clássico.
Contra os excessos revolucionários da França, muitos intelectuais que antes comungavam de ideais reformistas se voltaram à defesa das tradições e da religião ou da monarquia. Isso se devia à percepção, não da sua validade por serem a autêntica identidade necessária que vinculava a sociedade ao fim último que é Deus, mas por uma utilidade dos valores morais como forma de coesão e manutenção social. Em outras palavras, eles viram que a sociedade baseada em princípios religiosos era “menos pior” que a revolucionária.
Evidentemente, isso pareceu uma alternativa menos mal que o avanço da Revolução, mas há que se observar que, na prática, a alternativa do Bem Comum apenas distantemente inspirada nas virtudes morais poderia não ser suficiente para uma autêntica virtude. O resultado disso, se já não vimos o avanço do próprio comunismo, vemos agora na indiferença de conservadores com as verdades da fé católica, preferindo apostar em “verdades” ecumênicas que favoreçam projetos políticos.
Escritores associados ao conservadorismo clássico, como Edmund Burke, aparecem frequentemente festejados por católicos modernos. Como um típico exemplo de conservador clássico sustentado por um ecumenismo, as suas ideias esboçaram meramente uma rejeição dos ideais revolucionários radicais através da defesa de uma fé deísta e genérica, podendo ser católica ou anglicana, como era o próprio Burke. No fundo, trata-se do erro moderno do indiferentismo, apenas ilustrado com cores tradicionais atraentes ao homem moderno afastado da tradição católica e das sociedades tradicionais devido à imersão cultural num mundo hostil às verdades divinas.
É claro que durante muito tempo tal erro poderia parecer pequeno diante da dimensão das ameaças existentes. Mas afinal, tudo confluiu para que a metafísica revolucionária, na qual paira o indiferentismo relativista, imperasse abrindo as portas para a hegemonia cultural da esquerda que varreu o século XX.
O conservadorismo clássico surgiu como primeiro bote salva-vidas contra-revolucionário após os banhos de sangue promovidos na França, provocando rejeição unânime das ideias iluministas quando aplicadas de maneira radical na política. Isso não as invalidou completamente, pelo contrário, fez com que suas versões atenuadas fossem preservadas justamente para salvá-las de seus erros.
Implantados nos governos da Restauração, essas “novidades” revolucionárias foram vistas como conquistas irreversíveis das sociedades modernas e inseridas num imaginário político que foi se fortalecendo no horizonte histórico imediato e de longo prazo. Isso conduziu o mundo às grandes guerras e, em última análise, à Revolução Bolchevique. O processo repetiu a dose no pós-guerra e na Guerra Fria, impondo um verdadeiro fosso histórico-cultural e imaginário entre a sociedade e o catolicismo, graças às instâncias substitutas do conservadorismo clássico, de raiz liberal e moderna, manifestados hoje pela chamada educação clássica e o humanismo cristão.
Tratou-se de louvar a carroça, e não os cavalos, pelo movimento, traçando a razão substituta da ética no lugar das virtudes teologais, trocando o Sumo Bem pelo Bem Comum, a filiação de Deus e a santidade pela cidadania e assim por diante.
Qualquer proposta de retorno a uma era tradicional ou à Tradição, de maneira geral, passou a ser praticamente monopolizada pelos tradicionalismos filosóficos, filhos do espiritualismo e não do catolicismo, criadores de novas seitas e novos erros. O tradicionalismo filosófico foi uma corrente do século XIX promovida justamente por estes conservadores clássicos, muitos deles católicos e franceses, que estavam imersos em espiritualismos esotéricos, muitos deles envolvidos com seitas maçônicas. Afinal, a maçonaria sempre teve um lado católico e outro anticatólico. Nada mais útil do que criar duas mentiras e convencer as pessoas a dividirem-se em debates cada um para apresentar uma delas como se fosse a verdade final.