Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas, disse Jesus. Vim para dar-lhes pleno cumprimento. Antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei sem que tudo se cumpra. (Evangelho de S. Mateus 5,17-19)
O PL 1904, que criminaliza o assassinato de bebês no ventre das mães após 22 semanas e pelo cruel método de assistolia fetal, é urgente, bom e necessário. No entanto, seu valor e necessidade está intimamente ligado a um processo que deve levar à completa criminalização do aborto em todos os casos, idades gestacionais, e por quaisquer métodos utilizados.
O aborto nos casos de estupro já é crime no Brasil e somente não é punível, havendo na verdade um excludente de punibilidade, o que muitos defensores da morte usam para manipular a sociedade chamando de “aborto legal”. Não há assassinato legal, mas apenas um excludente, associado a um entendimento de fragilidade de quem o comete. No entanto, a maior fragilidade é a da vítima, única do processo, que é a vida indefesa que concorre para o nascimento. Perto dela, não há outras vítimas.
Portanto, embora muitos acreditem ser necessário um processo lento e de vitórias parciais até que possa ser defendido o que de fato se pretende, para o cristão a omissão não é uma alternativa válida. A defesa da vida indefesa precisa ser radical. Todo católico que não defende a completa criminalização de todos os pecados públicos impõe sobre si mesmo uma divisão que lhe será cobrada no Dia do Juízo.
Muitos enfatizam o valor da vida intrauterina e buscam seus direitos, o que é de fato um dos caminhos jurídicos possíveis. No entanto, a maior razão pela qual um aborto deve ser criminalizado e repudiado por todos é o fato do seu imenso pecado público, que não apenas mata a vítima física em questão, mas normaliza na sociedade um dos pecados mais graves cometidos pelo homem contra Deus: o assassinato, crime contra o 5º mandamento.
Associado ao mesmo pecado capital está o escândalo, que mata a graça e a virtude na alma de toda a sociedade, espalhando uma fumaça negra de morte e de ódio contra o próprio Criador.
O foco da legislação na pessoa que aborta, mais do que na vida inocente da vítima, pode parecer cruel. Mas é uma herança, distorcida e aviltada, de uma preocupação legítima com quem comete o pecado, mais do que com a vítima dele. Isso porque a vítima pode ser salva, o criminoso pecador, não. O mundo moderno, que trouxe a novidade dos “direitos das pessoas”, opôs, assim, os indivíduos a Deus, criando monstros retóricos a partir dos Mandamentos divinos. Esta realidade, no entanto, raramente é aprofundada suficientemente para se chegar à conclusão mais ampla e verdadeira.
Os católicos precisam ter a coragem de ser contra o aborto, mas não apenas por se tratar da violação de um direito civil à vida, mas por ser uma imensa, gigantesca e odiosa ofensa ao direito dAquele que é o Autor da vida e a morte, não apenas de uma vida biológica, mas da vida espiritual. O ataque à Vida eterna contida, pensada e desejada para cada alma trazida à existência por Deus com a cooperação humana se torna o maior dos pecados possíveis diante da realidade espiritual, muito mais que a física e biológica, pois esta depende daquela.
A destruição de uma gestação é a negação da participação humana na Criação e um ato de rebeldia metafísica que põe o ser humano em estado de inimizade com o seu Criador, opondo todas as graças que lhe são desejadas por Ele, jogando-as todas fora e decidindo, por si mesmo, a condenação à morte eterna, assim como oferece publicamente o mesmo destino e ameaça a toda a sociedade que ouve, vê e discute normalmente sobre tão aviltante crime contra Deus.
O aborto é o crime de Herodes, repetido em sarcástica paródia pelos demônios que ocupam as ideias e pessoas incumbidas da defesa da morte eterna. Todo bebê assassinado é, no fundo, Nosso Senhor imolado por cruéis Herodes da história. Portanto, o que os proponentes do aborto desejam não é apenas “direitos reprodutivos”, tampouco as mortes concretas dos bebês em gestação. O que eles querem é a morte eterna da humanidade.
Ao se negar o nascimento a uma alma humana, não se está apenas negando a vida material, biológica, social e o exercício de seus direitos, mas negando-a o Batismo, os demais sacramentos, a oração, a oportunidade da santificação de si e de seus semelhantes. Quando se mata um bebê no ventre, nega-se à humanidade inteira a chance de não ser castigada por um Deus justo que exerce a sua Justiça como o maior ato de misericórdia em favor dos menores e mais inocentes.
Afinal, em tempos de “responsabilidade civil”, não há melhor lembrança do que a responsabilidade que temos sobre o sangue de Cristo derramado na cruz, por nós, e sobre o qual Ele nos pede participação, cooperação e união nas reparações de todos os crimes cometidos contra Ele.