Em uma entrevista publicada em 1999, o ideólogo russo Aleksandr Dugin confessa que os interesses da Rússia eurasiana seriam beneficiados por um crescimento da Maçonaria e do ocultismo no Ocidente, como parte do que ele acredita ser o anticatolicismo. Em contraste, a ortodoxia russa é vista como tradição esotérica preferível para a Rússia.
“A tradição ortodoxa, no nosso caso, não é um dado, mas uma tarefa. E aqui a experiência dos tradicionalistas ocidentais de orientação não católica pode ser útil”, admitiu o russo, que vem ganhando popularidade entre católicos tradicionalistas e até do clero, como o arcebispo Carlo Maria Viganó, que palestrou ao lado de Dugin em um recente evento antiglobalista.
Questionado sobre sua proximidade ou não com a Maçonaria ocidental, Dugin disse que se interessou muito sobre o assunto justamente por sua potencialidade anticatólica no mundo ocidental. Em outra oportunidade, a uma revista polonesa, Dugin já havia declarado que preferia o crescimento da Maçonaria naquele país para limitar o catolicismo romano, que para a Polônia ele considerava um “erro histórico”.
No papo de 1999, ele repete algo que deve servir de alerta para muitos tradicionalistas católicos que flertam com o duguinismo.
“A Maçonaria Europeia, a partir do século XVII, absorveu todo o espectro da espiritualidade e do pensamento não-católico. Naturalmente, esse espectro é enorme. E não é coincidência que muitos padres ortodoxos russos e gregos que estão destinados a servir no Ocidente estejam mais dispostos a contactar os maçons e os ocultistas do que com o catolicismo tacanho e intelectualmente totalitário”.
Para o Ocidente, diz Dugin, a Maçonaria é mais interessante que o catolicismo devido ao seu potencial esotérico e espiritualista igualitário, isto é, contrário ao catolicismo e ao “papismo”. Ele se refere à ortodoxia romana como uma força totalitária contra a qual é necessária uma rebelião, uma força igualitarista, seja maçônica ou esotérica tradicionalista.
“Não afirmo que a Maçonaria seja algo positivo e necessário para a Rússia, de forma alguma. Para nós, a Ortodoxia é o mais importante. Mas no Ocidente a questão é diferente; lá, pelo contrário, o que há de mais desinteressante é o catolicismo, para não falar do protestantismo”.
Não afirmo que a Maçonaria seja algo positivo e necessário para a Rússia, de forma alguma. Para nós, a Ortodoxia é o mais importante. Mas no Ocidente a questão é diferente; lá, pelo contrário, o que há de mais desinteressante é o catolicismo, para não falar do protestantismo. No entanto, nem tudo é tão simples na Ortodoxia: voltando-nos para a herança espiritual de nossa Igreja, tomamos, quer queira quer não, o período Romanov pré-revolucionário como ponto de partida, como o mais próximo de nós no tempo, mas do ponto de vista de Ortodoxia plena, este não é apenas um período de prosperidade e Tradição adequada, mas uma era de declínio teológico, intelectual e espiritual da Igreja Russa. Qual é o valor do Sínodo, muitas vezes liderado por ateus convictos! Portanto, a tradição ortodoxa, no nosso caso, não é um dado, mas uma tarefa. E aqui a experiência dos tradicionalistas ocidentais de orientação não católica pode ser útil.
Trata-se, aqui, do aspecto mais óbvio das técnicas de subversão que marcaram a história da Rússia: subversão cultural, espiritual, para o Ocidente, ortodoxia e iniciação “legítima” para a Rússia. Não por acaso, é a Rússia que vem sendo vista como solução para um retorno à Tradição, que no caso significa a Tradição Primordial, de Guénon, e o homem espiritual e viril de Evola e sua satisfação metafísica pseudo-tradicional. Os ocidentais, produtos do mesmo processo de decadência espiritual em estágio avançado, acabam caindo nas armadilhas espirituais mais óbvias do duguinismo.
Tradicionalismos
O que seria o tradicionalismo não-católico? De maneira geral, Dugin se refere ao tradicionalismo perenialista de René Guénon. Mas há certas premissas desse tradicionalismo que vêm sendo infiltradas para dentro de grupos e movimentos católicos há algum tempo.
Importante destacar a relação complexa e perigosa que há entre o tradicionalismo católico, sedevacantismos e flertes com certo espírito de rebelião contra o Novus Ordo da Igreja Católica pós-conciliar, e o tradicionalismo perenialista, que crê na necessidade de uma comunhão relativa com uma ortodoxia tradicional exotérica (religião pública) como condição para o acesso a essa tradição Primordial que se tem somente com o culto iniciático esotérico (secreto). Ou seja, faz parte da crença perenialista a ideia de um tradicionalismo formalista, descolado e abstraído da tradição católica ligada à Sucessão Apostólica. Afinal, será que existe uma tradição católica autêntica abstraída desse aspecto da sucessão apostólica centrada em Roma? Essa premissa pode estar oculta nas crenças de que “Roma apostatou com Roma”.
Qual é a premissa de se acreditar numa perfeita ortodoxia fora da comunhão com Roma? Evidentemente, um tradicionalismo que se aproxime, por conta própria, de algo maior do que Roma, uma espécie de Tradição superior a essa sucessão, tal como acreditou Lutero. Não por acaso, Lutero sofreu grande influência maçônica e da Ordem Rosa Cruz.
Resta o alerta de tantos escritores católicos romanos de que toda a tradição que escapa do catolicismo romano e da Sucessão Apostólica resulta numa tradição apócrifa e falsa, identificada com a religião do não-ser ou do não-absoluto, como profetizou Fulton Sheen, em um texto de 1947. O venerável alertava para o fato de que o mundo caminharia para a divisão entre duas grandes religiões: a do Absoluto e a do Não-absoluto, isto é, a do absoluto mal, o que recorrendo à Tradição Sagrada nos faz retornar à tão mencionada Descendência da Serpente.
“A indiferença ao absoluto, traço distintivo do período liberal da civilização, dará lugar a uma busca apaixonada por outro absoluto. De agora em diante, lutar-se-á não mais por colônias e direitos nacionais, mas por almas. Não haverá espadas meio embainhadas, lealdades pela metade nem vagas reivindicações de uma ingênua tolerância. Não haverá sequer grandes heresias, já que elas pressupõem alguma aceitação, ainda que parcial, da verdade. As frentes de batalha já têm sido claramente demarcadas e não há mais dúvida sobre o que está em jogo. De agora em diante, os homens estarão divididos em duas religiões, entendidas aqui como sujeição a um absoluto”
O anticatolicismo da Rússia
Um dos conceitos-chave para compreender a justificativa espiritual para todo o arranjo programático da ideologia russa atual está no Katechon, termo bíblico que se desenvolveu em uma noção de filosofia política. Encontrado originalmente em 2 Tessalonicenses 2:6–7, trata de uma realidade escatológica segundo a qual os cristãos devem estar preparados para o Dia do Senhor. Se o Anticristo deve ser revelado antes da Segunda Vinda, torna-se necessário uma atenção especial, mas não apenas para identificá-lo. Antes da revelação do Anticristo, diz São Paulo, haverá a remoção de “algo ou alguém que o restringe”, isto é, impede que ele se manifeste plenamente. O versículo 6 usa o gênero neutro , τὸ κατέχον; e o versículo 7, o masculino, ὁ κατέχων. Isso quer dizer que Katechon é a força que resistiria ao Anticristo.
“(…) o mistério da ilegalidade já está em ação. Mas quem restringe deve fazê-lo apenas por enquanto, até ser retirado de cena. E então será revelado o iníquo, a quem o Senhor matará com o sopro da sua boca e tornará impotente pela manifestação da sua vinda.” ( 2 Tessalonicenses 7-8)
A interpretação deste termo e este conceito ganhou muitas versões e justificativas políticas imperiais ao longo da história.
Na antiguidade, alguns vincularam Katechon ao Império Romano e outros à Igreja romana. Houve muita discussão sobre o tema entre estudiosos cristãos, mas no ocidente isso perdeu força. Segundo alguns autores, o interesse pelo Katechon e suas especulações encontrou morada no clero e na intelectualidade russa do século XIX e no período entre guerras, na chamada “revolução conservadora”, movimento que teve forte influência nos resgates do ocultismo pelo nazismo. As duas vertentes nas quais o Katechon era relevante são aquelas que sobrevivem hoje quase exclusivamente nas ideias de Aleksandr Dugin, o clero russo e nas justificativas do Kremlin.
O termo Katechon ganhou força justamente no nazismo, através de pensadores como Carl Schmitt, que em sua obra Nomos of the Earth, sugeriu a importância histórica tradicional da ideia dessa força do “restringidor catécontico” que permite um cristianismo centrado em Roma, e que “significou o poder histórico para restringir o aparecimento do Anticristo”. Para Schmitt, o katechon representa o sonho de construção do antigo Estado do Império Romano, com todos os seus poderes policiais e militares para impor a ética ortodoxa.
Sob o ponto de vista secular marxista, o Katechon também tem a sua importância e o seu valor como utopia social. Marxistas como Paolo Virno.
À luz das profecias de Fátima, a Rússia já prepara um combinado de falsificações, tentando inverter a ideia dos “erros da Rússia” em os “erros do ocidente”. Em 2017, o site Katehon, de Dugin, anunciava a próxima “queda da Igreja Católica Romana” e a instalação da Igreja Ortodoxa Russa, ou Patriarcado de Moscou como sede do cristianismo universal. A recorrência das denúncias contra a Igreja Católica, sob temos como pedofilia, homossexualismo, iniciados pela grande mídia globalista e anticristã, avançam agora pelas mãos de proeminentes conservadores como forma de empurrar para fora a grande massa de católicos a serem cooptados pela ortodoxia russa.