[Transcrição de um trecho da aula “Desinformação russa na direita”, de Cristian Derosa, para os assinantes do Observatório]
Transcrição: Walter Arruda
Hoje eu resolvi falar sobre um tema que a gente tem comentado muito no nosso canal aberto do Telegram. É a questão da desinformação e da propaganda. São duas coisas diferentes e que, ao que parece, muita gente não sabe ou não lembra. E essa falta de memória, ou ignorância, pode custar muito caro para aquelas pessoas que estão muito preocupadas com a questão política. Justamente a questão que ocupa a mente de tanta gente é aquela questão que eles estão menos atentos. E é porque estão atentos às narrativas, aos memes, às questões mais diretas, como as notícias, ao conteúdo da mídia, que acabam distraindo-se de outras coisas mais fundamentais. Antes do que vamos fala eu queria recomendar a leitura daquele artigo que publiquei no site do Instituto Estudos Nacionais, um artigo sobre a desinformação russa a propaganda russa na direita e na esquerda. Ali compreendemos que a coisa está ocorrendo nos dois lados e ela tem as suas feições diferentes, mas quando a gente conhece a estrutura dos dois, da esquerda e da direita, a gente sabe quem vai ter o benefício, quem vai realmente ganhar com isso.
Fundamental também é a leitura de dois grandes livros sobre o assunto. Um deles é No Serviço Secreto de
Stalin, as memórias do Walter G. Krivitsky, simplesmente o primeiro dissidente a sair da União Soviética
antes da Guerra Fria. O outro é o Arquivos secretos de W. Krivitsky no MI5: Infiltração, corrupção e sabotagem comunista no Ocidente. Quem foi responsável pela tradução desses dois livros, esses materiais que estão em poder da CIA, mas estão em domínio público, foi o nosso amigo Renato Rabelo, responsável por esse
tipo de publicação no Instituto Estudos Nacionais.
Uma das coisas importantes, por exemplo, nesse livro sobre o MI5 é que, como todo mundo sabe, aquele serviço secreto conhecido dos filmes do James Bond, já na década de 40 era praticamente um órgão do império Russo, ou melhor, da União Soviética. Isso mostra o nível da infiltração dentro dos serviços secretos dentro daqueles órgãos que a gente classifica normalmente como de tal lado ou do outro lado.
Nos acostumamos a lidar com as coisas da maneira como elas são ditas oficialmente. Mesmo conservadores, mesmo os direitistas mais conspiratologistas cometem esse erro. Porque os direitistas acham que
precisam aceitar legitimamente certos canais de informação para angariar credibilidade entre seus adversários. Informações tanto do jornalismo quanto os órgãos oficiais que os jornalistas consultam, vindos do outro lado, muitas vezes são aceitos sem questionamento. Mas a suspeita reiterada, o extremo oposto, também possui uma fragilidade. “Ah, isso é tudo mentira. Na verdade, quem está por trás é maçonaria, os Iluminati…” E aí vem com as conspirações, o que ajuda justamente os conspiradores a se ocultarem sob um véu de exageros e excentricidade.
Ambas são posturas de quem não tem conhecimento sobre a estrutura do inimigo, sobre a estrutura de funcionamento. Falta a compreensão da ideologia (a cosmovisão, as crenças), que são a estrutura que orienta a prática, a práxis, que é o que conduz e define, depois, as estratégias maiores e as táticas menores.
Temos, portanto, uma estrutura em três níveis, que podemos expor em ordem decrescente, isto é, do menor para o maior: a tática, a estratégia e a agenda.
Por definição, a tática pode aparentar termos opostos à estratégia e até à agenda mais ampla. Isso porque a agenda é o objetivo maior. Usemos, por exemplo, o objetivo de construir a hegemonia de determinado grupo político na sociedade (estratégia) para implementar determinado modelo cultural, social ou econômico (agenda). Se o tal grupo detém a ocupação de espaços de um canal de informação, por exemplo, qualquer informação que ele der, até contrária a ele mesmo, vai cumprir o objetivo de ampliar a legitimidade e a credibilidade desse canal de informação no seu público. Isso é válido até que ele finalmente conquiste uma certa credibilidade e aceitação no grupo alvo (um país, por exemplo).
Portanto, é por esta razão, nesse aspecto, que muitas vezes a gente vê pessoas denunciando, fazendo certas denúncias e tal, mas na verdade trabalham para aqueles mesmos a quem estão denunciando. É o papel da desinformação.
Mas e a propaganda?
Em primeiro lugar, a propaganda é quando é direta e abertamente a favor da agenda ou da estratégia de determinado grupo. Mas ela é uma propaganda no sentido de um propagandista pago, um propagandista de fato? Isso nós definimos através da análise do agente, de onde vem essa propaganda. Então, por exemplo, temos RT (canal estatal) Russia Today. A informação vem de lá. É uma informação a favor da Rússia, então, obviamente isso é propaganda. O Sputnik também, a mesma coisa. “Ah, mas saiu no Uol”. O conteúdo é abertamente a favor da Rússia? É propaganda ou desinformação? Vai depender de quem são as pessoas entrevistadas. Quem é o autor? Qual é a ligação do autor com a Rússia? “Ah, não tem ligação nenhuma e as pessoas entrevistadas
também não tem ligação nenhuma, mas é uma coisa que ajuda a agenda da Rússia”. Então é desinformação.
Se é uma pessoa ligada diretamente, é propaganda. É muito simples isso aí. É muito simples. E essa distinção é importantíssima porque muitas vezes as pessoas dizem assim: “Ah, não. Fulano não trabalha mais para Rússia, ele trabalhou numa época. Agora não está mais, então dá para confiar nele…” Uma das mais famosas funções da desinformação é justamente servir de credibilidade para o canal do inimigo. Como é que ele vai fazer isso? Obviament sendo afastado do canal propagandista. Isso vale para o desinformador consciente e o inconsciente, aquele que é chamado, treinado, depois jogado fora e sai dali com certas críticas, mas mantém certa relação de gratidão ou de admiração pelo que viu lá, pelo que fizeram por ele, mas principalmente uma certa simpatia pela causa daquele grupo, o que faz com que ele critique até certo ponto apenas, o que já ajuda a agenda maior, que para os governos e movimentos estruturados, é o que importa.
Historicamente, a Escola de Frankfurt foi extremamente útil para isso, porque ela dava todo um instrumental teórico para isso, abasteceu a esquerda, que cresceu, se alastrou por tudo, dizendo: “somos a favor da liberdade”,
que é um dos valores associados ao capitalismo, vindo do liberalismo clássico. Você utiliza o quê? Como é que você vai fazer um capitalista dizer: “somos contra a liberdade”? É simples: exagerando e mostrando os problemas dessa liberdade. Mas a liberdade em si não é a causa principal e sim o meio para se ocupar os espaços. Enquanto isso, para o liberal a liberdade é um valor absoluto.
Os frankfurtianos disseram: “estou falando a favor da liberdade. Estou criticando o capitalismo em defesa da liberdade”. Então, o direitista liberal fica sem resposta diante disso. Pior: ele aceita isso como valor acima das divergências ideológicas.
O liberal passa a olhar para o regime do stalinismo e vê que eles estavam, na verdade, escravizando os trabalhadores, isto é, precisamente a crítica que Marx fazia ao capitalismo. O liberal vem mostrando as
contradições do comunismo dentro do mesmo do mesmo paradigma libertário, de certa forma, igualitário
do comunismo. Essa é, de fato, a plataforma do liberalismo, mas que começa a conquistar os demais setores da sociedade, incluindo conservadores católicos. Entraram na cabeça da direita que achou que precisava defender aquilo, porque senão, não haveria mais lugar para eles na sociedade. Essa é a definição da Espiral do Silêncio. Trata-se da grande função da desinformação.
A Escola de Frankfurt, como eu falei, foi o principal canal de desinformação e ela inseriu na mentalidade ocidental, não só o igualitarismo como a ideia de uma cultura de massa globalizada e total, que não estava mais amparada, por exemplo, no cristianismo, que é, na verdade, a Igreja Católica. E de repente, nós temos, hoje vários canais e grupos conservadores, incluindo católicos, defendendo uma multipolaridade. Isso porque o igualitarismo entrou na mente dessas pessoas, inicialmente como uma tática: “ah, vamos defender isso aqui porque eles defendem, então eles não podem ir contra nós, e aí a gente ganha espaço”. Mas depois esqueceram disso, e começaram a defender mesmo, com unhas dentes, como se fosse uma crença, e virou uma crença hegemônica. Esse é o papel mais profundo da desinformação. E teve espantoso sucesso.
O que acontece com o eurasianismo, é que na verdade ele pega a resposta liberal que deu origem ao
globalismo, a resposta Liberal às críticas da Escola de Frankfurt. Ele pega esse globalismo e diz assim:
vocês deram essa resposta, mas essa resposta não foi suficiente. Nós vamos agora dobrar a meta. Vocês
ficaram piores”. É claro, com a ajuda deles, ficou muito pior.
“Então, agora nós (os eurasianos) vamos oferecer uma nova saída. Esqueçam esse negócio de igualitarismo e vamos voltar para a hierarquia, a ordem moral perdida que vocês abandonaram”. Mas é a hierarquia da Rússia. Só pode ser a hierarquia da Rússia. Por que? Porque eles estão querendo romper com uma era de igualitarismo do globalismo. A gente sabe que essa era de igualitarismo e do globalismo foram eles que colocaram para o Ocidente. Essa onda de igualitarismo, esse ideal de igualitarismo veio de onde? Veio dessas doutrinas ocultistas que estavam por trás das ideologias, das escatologias políticas das quais fazem parte nazismo, fascismo, comunismo que o Dugin propõe uni (todos) contra o liberalismo.
O idiota útil da direita
Quando as pessoas pensam que fugindo de um assunto, esse assunto vai se tornar menos relevante, elas
se enganam muito. Então, compreender o papel da desinformação e da propaganda é essencial para
compreender exatamente um terceiro tópico, que é o do idiota útil. É aquele que vê a coisa, parece que é
verdadeira, parece que ele deve dizer aquilo, parece que ele deve agir daquela forma. Então ele acredita
na propaganda e trabalha com o imaginário feito pela desinformação. O idiota útil e tem também o “expert útil”, que não é tão idiota, que é quase um desinformador; e tem, é claro, o “idiota Inútil”, mas deste a gente não precisa falar.
O idiota útil, em geral, é exatamente aquele que consegue dar a maior amplitude para o desinformador. Ele
dá espaço para o desinformador, dá espaço para o propagandista, e justamente por não perceber,
não saber o que está acontecendo, vai fazendo e achando que está tudo bem, que tudo é maravilhoso, e vai deslumbrado, muitas vezes até tem certa noção de geopolítica, mas tão errada, tão fora do lugar, que pensa estar por cima, que está fazendo o negócio avançar. Na cabeça dele, ele é quem está instrumentalizando aqueles conhecimentos, aqueles autores, aqueles nomes, aquelas pessoas, aquelas frases e ideias prontas que dissemina, quando, na verdade, ele é o maior instrumento ali, nas mãos dessas pessoas. O idiota útil tem um papel importantíssimo, pois ele não pode ser acusado de desinformador, e também não pode ser acusado de propagandista. Mas ele é as duas coisas. E quando o acusarem de um dos dois, ele vai dar risada. Vai achar: “vocês são muito ignorantes, veem coisas onde não existem. Vocês são malucos, são lunáticos que veem teorias conspiratórias etc”
Por outro lado, falando do conspiratório, existe o cara que acha que tudo é conspiração, e ele força muito, repete muito a própria desinformação. E a desinformação russa atual age exatamente na conspiratologia. Em determinados trabalhos, Dugin deu especial atenção às teorias conspiratórias como úteis para gerar insights capazes de mobilizar e unir divergentes em torno de ideais comuns e maiores. É por isso que ele divulga vários autores, inclusive autores que acreditam em extraterrestres, que acreditam nas teorias mais bizarras
do mundo. Ele acredita naquilo? Não sei no que o Duguin acredita. Mas ele sabe que lançando essas ideias que
deixam tudo mais fascinante e colocam o globalismo como uma coisa inescapável, invencível, totalizante, isso é positivo para a causa da Rússia, pois você explora a desilusão e não oferece outra coisa, sobrando apenas os próprios duguinistas como iluminados.
Quando você vê uma pessoa extremamente pessimista em relação ao mundo, e ela foca somente no lado ocidental: ”Ah, o ocidente acabou, aqui é só imoralidade, isso aqui não sei que…”. Você pode ter certeza que essa pessoa foi muito influenciada por este tipo de desinformação, e ela tem um sentimento de total abandono. Abandono de Deus, abandono de tudo. Já é um sentimento gnóstico. E ela vai repetir exatamente o modo de proceder desses desinformadores russos atuais, os eurasianos, que são no fundo todos gnósticos.
A desinformação vai movimentando o sentimento das pessoas através de áreas mais sutis. E as pessoas
da direita, em geral, não estão mais atentas a isso.
A área da cultura pop, por exemplo. Já viram o quanto de cultura oriental entrou no Brasil nas ultima décadas? O mundo underground é também carregado de sadismo, e uma série de coisas. Esse pessoal é todo desse meio, punk, gótico, black metal, e se dizem muito tradicionais. Eles é que vão resgatar a “tradição”. Que tradição é essa?
Então, entra uma outra camada mais profunda da desinformação, que é a desinformação tradicional,
a desinformação religiosa. Desinformação espiritual. Tem um autor que fala que a Madame Blavatsky teria sido pioneira nisso. E que o Dugin, a gente pode dizer que também segue os passos dela numa espécie de desinformação de infiltração de conteúdos satânicos dentro da cultura ocidental. Esses autores, que são esotéricos, dizem que era uma “infiltração de contra-iniciação dentro de um universo iniciático”. Ou seja: estava lá o René Guénon com a sua iniciação de “caminho da mão direita”, que é a via gnóstica da negação do mundo através da ascese, e vinham então os malvadinhos da “via da mão esquerda”, que é a via da destruição revolucionária do mundo. Acontece que tanto uma quanto a outra são escolas gnósticas que originaram o pensamento revolucionário e se pautam pela crença na salvação pelo conhecimento, cujo símbolo máximo e originário é a Serpente do Éden. São os filhos da Serpente.
Vemos claramente esse embate, esse intercâmbio entre o gnosticismo de mão direita e gnosticismo da mão esquerda como uma dinâmica interna do movimento revolucionário.
Isso tudo faz parte de um fenômeno que, infelizmente, os conservadores se desinteressaram completamente de compreender, o que é lamentável e terá consequências.