Tenho falado e escrito reiteradamente sobre a infiltração eurasiana entre os conservadores, tema que infelizmente apenas este site tem se dedicado nos últimos anos, sem gerar grande interesse por parte daqueles que deveriam ser os maiores interessados, os conservadores. Gostemos ou não, há muito tempo que o Kremlin vem investindo pesado em incorporar um discurso conservador, buscando justamente confundir-se com ele em uma retórica aparentemente antiesquerdista mas que, na prática, reúne um público cada vez maior vindo de diversas fileiras ideológicas indistintamente.
Nos dias 16 e 17 de abril, a polícia de Bruxelas interrompeu a segunda edição do Natcon (Nationalist Conservatism), evento conservador que, no momento assistia a uma conferência do ex-eurodeputado britânico, Nigel Farage, conhecido como o principal promotor do Brexit, que imediatamente recebeu a atenção de toda a mídia para protestar contra a “cultura do cancelamento”. Pela lista de congressistas, é possível que o evento tenha se esforçado para não chamar líderes ligados diretamente ao Kremin. Mas isso pode ter sido insuficiente quando a polícia chega justamente na palestra de Farage.
O prefeito de Bruxelas disse que foi ele mesmo quem chamou a polícia e acrescentou: “a extrema-direita não é bem-vinda”. Mas quem é a extrema-direita na Europa?
Oportunamente, Farage se tornou a principal voz a se levantar contra a interrupção do evento, unindo conservadores de todo o mundo em solidariedade. Conhecido por sua proximidade com Trump e Steve Bannon durante as campanhas pelo Brexit, Farage tem se tornado, porém, um defensor não muito discreto da Rússia na imprensa.
Ele tem criticado as sanções do Reino Unido impostas contra oligarcas russos, o que acabou alimentando na esquerda as suspeitas de que Farage pudesse ter ligações financeiras com o Kremlin. Já contam diversas matérias a respeito, especulando vínculos bastante comprometedores com os oligarcas que de fato vem se inserindo na retaguarda do movimento conservador mundial. Verdade ou não, esse fato vem sendo bem aproveitado para a agenda da criminalização dos críticos do globalismo, que vão além de Farage.
E agora, depois de ter se tornado o ícone libertário contra a cultura do cancelamento, entendemos quando ele criticou a guerra da Ucrânia como um “resultado das políticas expansionistas da OTAN e UE”. Só faltou culpar o colonialismo. Na verdade, não faltou.
Farage afirmou que “foi a União Europeia querendo expandir-se, querendo que a Ucrânia se juntasse a ela” que levou à destituição de Viktor Yanukovych, o presidente pró-Rússia da Ucrânia até à revolução Maidan de 2014. Farage parece ter se esquecido de mencionar que o então presidente da Rússia era um fantoche de Putin e queria transformar a Ucrânia naquilo que hoje é a Chechênia e outros países controlados pelo Kremlin. Ele queria que a Ucrânia fosse anexada sem luta?
Na ocasião, o canal russo Russia Today parabenizou Farage e o citou como exemplo de opinião correta por parte de britânicos, salientando como “exemplo de que nem todos culpam a Rússia” pela guerra. Trata-se de um típico desinformador, como Tucker Carlson, dos muitos que ainda serão descobertos no meio conservador.
Mas não é de hoje que Farage se mostra simpático à Rússia e vice-versa.
Entre 2010 e 2014, o ex-parlamentar britânico fez nada menos que 17 participações na Russia Today (RT), principal conglomerado estatal de comunicação ligado ao Kremlin. Ele apareceu ao lado do putinista e apresentador, Vladimir Solovyov, um entusiasta da política de Putin e da invasão à Ucrânia.
A proximidade de Farage com os russos não foram (ainda) mencionados pela grande mídia, tampouco por defensores conservadores. Mas apesar da grande maioria dos congressistas do evento serem de fato conservadores não alinhados à Rússia, essa suposta independência será ainda mais facilmente maculada pela presença discreta de alguns nomes no evento, justamente por um efeito de mistura e confusão entre eles. É o caso daqueles que se solidarizaram publicamente, como Victor Orbán, óbvio aliado de Putin, além de Marine Le Penn, na França.
Depois de Orbán, que está na lista dos congressistas do evento deste ano, a lista mistura nomes conservadores com os de propagandistas aliados de Putin, o que contribui para ampliar a confusão fruto da desinformação russa em forte atividade na Europa.
Outra participante de outras edições do evento foi a jornalista, Eva Vlaardingerbroek – Ativista pró-Rússia, ficou amiga de Tucker Carlson, jornalista que se tornou óbvio simpatizante da causa de Putin. FIcou popular como ativista antivacina durante a pandemia e se uniu aos direitistas que viram em Putin a solução. Ela integra uma lista ucraniana de propagandistas da versão russa da guerra da Ucrânia.
Existe um expediente globalista de acusação de colaboração com a Rússia, o que é difícil de saber se já era verdadeiro quando teve início. Mas eles certamente estão se beneficiando das ligações reais que, junto da própria sedução da propaganda russa direcionada a conservadores, vai tornando verdadeiras as acusações.
A grande sutileza, percebida pelos poucos conservadores atentos ao fenômeno, está em condenar genericamente a agressão russa à Ucrânia, mas culpar o Ocidente ao ponto de inserir a Rússia como uma vítima de um colonialismo ocidental, repetindo retórica esquerdista clássica. Eis aí o crachá revolucionário, que aponta diretamente para o problema da desinformação russa já quase onipresente na direita europeia.
Por aqui, se não temos uma direita assumidamente pró-russa, temos todas as condições para isso, dada a força do antiamericanismo, o impulso antissistema experimentado na pandemia, a instalação de uma rede ativa de financiadores de movimentos pró-vida e pró-família espalhados pelas Américas. Tudo isso somado à indiferença sobre o assunto e a uma crença geral de que se poderá aproveitar do apoio russo para impulsionar as causas corretas, apesar dos agentes errados.
Colocando as causas verdadeiras nas mãos de mentirosos, os conservadores irão atrair para si, não a vitória das suas causas, mas a derrota total por meio da criminalização, ao se associarem com agentes de uma subversão espiritual e cultural de grandes proporções cujo potencial de destruição social poderá surpreender muitos nos próximos anos.