Hoje em dia, ser de direita significa aliar-se a tudo o que puder ser contra a tirania petista ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Qualquer vítima do “Xandão” passa a ser imediatamente um aliado da direita. Frequentes têm sido as aproximações com a esquerda ortodoxa de grupos como o Partido da Causa Operária, entre outros. É cada vez maior o número de conservadores a defender teses igualitárias, por exemplo, antes rejeitadas por serem revolucionárias. Isso amplia o poder de expansão das conhecidas estratégias de desinformação usadas pela Rússia desde o tempo da URSS, conforme demonstrado em obras recentemente publicadas pelo Instituto Estudos Nacionais, do dissidente soviético Walter Krivisky. O campo político de direita, também chamado de esfera conservadora, se tornou um imenso espaço de conciliações e tentativas de apropriação de discursos da esquerda ou liberais no anseio obstinado de uma ocupação de espaços.
Os efeitos disso, porém, estão demonstrando que essa direita se tornou desfigurada, além de colecionar fracasso atrás de fracasso precisamente no campo em que escolheu lutar. Uma das razões para isso pode ter sido o esquecimento de um dos conselhos mais importantes do filósofo Olavo de Carvalho, considerado o restaurador dessa direita conservadora no país. O filósofo recomendava que primeiro fosse criada uma classe intelectual para agir no campo acadêmico, jornalístico, literário para, depois, atuar na política consequentemente. Mas temos razões para acreditar que nem mesmo isso seria possível no atual estado de coisas, dado o avançado processo de desfiguração das propostas conservadoras, fruto dessa pressa e obstinação pela ação em detrimento do conhecimento sobre as condições e estruturas do adversário político revolucionário (com o qual, aliás, a direita acabou até mesmo por confundir-se).
Há uma tendência mais ou menos tradicional na mentalidade ativista do Brasil, bem explicitada por Paulo Mercadante no livro A Consciência conservadora no Brasil. Trata-se do espírito conciliatório, ênfase que a tudo abarca e cujos valores mais elevados acabam sendo assimilados, ao invés de assimilarem, toda a prática política, social, as opiniões e até os comportamentos. O resultado é uma espécie de lei da entropia, que a partir de movimentos de ideias promissoras, gera uma decadência cíclica, num processo cuja interrupção parece ser o maior desafio dos brasileiros.
Neste sentido, além de compreender o que levou a esse problema, precisaríamos observar quais seriam os caminhos possíveis, ainda que sejam aparentemente impossíveis de serem retomados a essa altura. Cabe uma análise histórica sobre esse fenômeno e sua entropia e suas perspectivas. De início, é importante ressaltar que a necessidade de um movimento conservador (na falta de um termo melhor) se faz pela urgência de resistência eficaz, não contra meros inimigos ou adversários ideológicos em uma perspectiva relativista, mas contra o que Olavo de Carvalho e muitos outros autores consideraram a maior ameaça à humanidade: a mentalidade revolucionária. Fruto de uma revolta metafísica que tem suas raízes na antiga heresia gnóstica, a destruição da sociedade humana é o principal projeto no horizonte dessa mentalidade, que se apresenta sob variadas formas. Isso impõe a necessidade não de uma mera restauração de tradições ou do senso do sagrado, mas da restauração do próprio cristianismo, cuja única representação legítima e válida é a Igreja Católica Apostólica Romana e nenhuma outra.
Neste artigo, contaremos a história da direita católica no Brasil, sem pretensão de esgotar o tema, mas numa perspectiva seletiva daquilo que considero mais relevante historicamente. Assim, passamos em reflexão uma breve história da intelectualidade católica, do ativismo da TFP, tradicionalismo, do olavismo e, por fim, bolsonarismo, a fim de compreender nisso uma linha histórica dentro da hipótese de uma constante entropia conservadora e o desafio de seu rompimento.
Partindo do princípio que o maior problema enfrentado por aqueles que se propuseram a criar uma resistência contra movimentos revolucionários foi uma certa falta de clareza nos princípios, assim como de fidelidade a eles, é possível sugerir que uma melhor resistência deveria ser oferecida, não por um movimento político genérico e abrangente, conciliatório e diversificado, mas exclusivamente centrado num certo tipo de ativismo católico. Justificativas para isso residem na razão natural, mas também na fé que temos na ação da Graça Santificante, sem a qual nada se obtém humanamente. Partimos, assim, também de um conselho de Olavo de Carvalho, quando dizia para não pensar no efeito de nossas ações mais do que em fazer aquilo que precisa ser feito. O efeito humanamente calculado é menos importante que a fidelidade Àquele em cujas mãos reside a história.
Breve história de entropia conservadora do Brasil
Partamos da premissa, verdadeira em vários sentidos, de que um conservadorismo universalmente válido sempre se beneficiou de uma proporcionalmente maior aproximação com o catolicismo e, consequentemente, obteve derrotas e desvirtuamentos quando se afastou da Igreja, considerando-a em sua radicalidade. Muitos argumentarão em contrário, que um conservadorismo católico fracassou no país, mas seria preciso debruçar-se sobre o conceito de sucesso e fracasso na modernidade, não raro confundido com um imediatismo políticos, econômico ou social midiático, dado o contexto atual de utilitarismo e oportunismo políticos. Estamos falando em sucesso do ponto de vista, talvez gramscista, o da construção de uma hegemonia durável e onipresente, ou no sentido de um movimento político e intelectual de longo prazo.
Neste aspecto, os conselhos do professor Olavo de Carvalho, sobre o qual falaremos adiante, são elementares, se bem que necessitados de acréscimos e especificidades de outros atores e escritores, como veremos a seguir. Afinal, quando falamos em uma necessária aproximação com a Igreja, isso não deveria querer dizer nem um clericalismo, mas tampouco um laicismo militante, o que aparentemente dificulta as coisas.
Também não se trata aqui de nenhuma defesa de regimes imperiais ou catolicismo estatal, tampouco ideologias que o legitimam como utópica realidade, mas tão somente traçar um horizonte que defina padrões repetíveis desse conservadorismo e apontar as suas fragilidades, bem como os benefícios e bons exemplos do passado. Evidentemente, é importante considerarmos o contexto de cada época quando concluímos as vantagens de cada exemplo histórico ou sucesso de um modo de ação ou pensamento predominante.
Neste aspecto, ressaltamos que ter em perspectiva projetos políticos definíveis e atuantes tem sido precisamente a raiz dos maiores problemas. Importa mais compreender quais as melhores ações individuais e coletivas, mas com respeito radical às fases de cada processo. Por isso, imaginar um regime ideal e uma classe política ideal, neste momento, é precisamente o problema que conduz e tem conduzido conservadores às tentações de conciliação e consequentemente levando à decadência moral vigente.
Se é verdade que o poder temporal não necessite — e não talvez não possa, segundo alguns — ser desempenhado por agentes ligados diretamente ao poder espiritual, também parece ser verdade que, nos últimos séculos, o poder político foi sendo transferido para as mãos dos maiores inimigos da Igreja e dos católicos, consequentemente do conservadorismo de maneira geral. Isso demonstra, antes do desvirtuamento propriamente dito, uma desordem típica da modernidade entre as duas cidades, a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens.
Afinal, assim como na Europa, no Brasil, tanto o conservadorismo quanto o progressismo estiveram historicamente dominados pela Maçonaria desde os tempos do Império. Um exemplo talvez único de autêntico conservadorismo ocupou o clero na Igreja a partir do final do século XIX, quando foi enviado a Roma para participar das reuniões do Concílio Vaticano I. Admoestado sobre a icônica tolerância com a maçonaria em solo brasileiro, parte do clero viveu a perseguição estatal contra quem insistisse em impor em solo nacional a divisão com a maçonaria que se buscava na Europa. Esse processo é parte da luta ocorrida entre maçonaria e Igreja no século XIX, na Europa, cujo episódio mais relevante foi a publicação do livro Alta Vendita, um manifesto maçônico que prometia infiltrar-se dentro da Igreja para inserir nela os dogmas maçônicos como o indiferentismo religioso e teses liberais, que hoje grassam como dominantes no pensamento da própria direita política — e até de católicos.
Após a Proclamação da República, porém, Estado e Igreja foram separados no Brasil, oportunizando um processo de “romanização” da Igreja, o que a tornou mais tradicionalista e conservadora. Deste período surgem proeminentes intelectuais conservadores católicos, como Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção e Plinio Corrêa de Oliveira. Só este último, porém, se manteve numa linha de defesa aberta da tradição da Igreja: Amoroso Lima se enamorou do martinianismo e seu humanismo integral, indo parar nas terras distantes do catolicismo progressista que evoluiu para a teologia da libertação. Da mesma forma, ao menos naquela época, Corção flertou com um humanismo cristão, argumentando que o católico não poderia ser “comunista ou anticomunista”. No fim da vida, voltou atrás, mas apenas para filiar-se aos tradicionalistas da Fraternidade São Pio X.
É claro que houveram outros, como Jackson de Figueiredo, e a influência marcante do padre Julio Maria, mas que foram assimilados ou desapareceram nas décadas seguintes, ressurgindo no final do século como parte do movimento tradicionalista.
Voltando ao início do século, o período foi marcado pelo surgimento de ideologias ditas de direita, como o Integralismo, associado às utopias sinarquistas, do México, produzindo certa confusão política entre os católicos daquele período, fazendo-os, de um lado optarem pelo fascismo e, de outro, abandonarem a política. Neste período, a Igreja buscava oficialmente uma aproximação com as massas, unindo o tradicionalismo e as devoções à ação social e participação política. Essa balança, entre vida espiritual e ação social, como veremos, pendeu para o último lado, tendo o que chamamos de conservadorismo trilhado caminhos de subjetividade e confinado a uma esfera cada vez mais privada, íntima e de vida interior no catolicismo. Isso deixou o espaço social aberto para a ação dos movimentos de esquerda que se beneficiaram da opção da Igreja.
Opções de um catolicismo de esquerda ganharam as massas com mais eficácia a partir da metade do século XX, principalmente a partir da influência de teólogos como Teilhard de Chardin, Emmanuel Mounier e Jacques Maritain.
A desistência da política
Com o avanço da esquerda sobre espaços católicos, conservadores ou tradicionalistas se afastaram da política e das discussões, criando espaços próprios de reflexão sobre tradições e devoções, fruto de um domínio cada vez maior de uma suposta necessidade de “equilíbrio” entre as duas faces do catolicismo (espiritual e social), mas que efetivamente pendia para a vantagem da esquerda. O campo político partidário e parlamentar, no qual muitos conservadores hoje apostam alto, já havia sido um campo perdido no início do século passado.
Na Constituinte de 1934, Plinio Corrêa de Oliveira, então o mais jovem deputado eleito por São Paulo, obteve algumas vitórias na política como deputado constituinte, assim como na condição de presidente da Liga Eleitoral Católica. Mas acabou por desistir desse campo de atuação, aproximando-se das Congregações Marianas e, por fim, fundando a Associação de Defesa da Tradição Família e Propriedade (TFP) no final da década de 60.
Tendência fascista confunde católicos conservadores
No entanto, já em 1937, Plinio Corrêa havia alertado os católicos para o perigo do Integralismo, que se confundia e se infiltrava entre os católicos como uma alternativa supostamente de direita, algo semelhante ao que ocorre hoje com o eurasianismo russo. Em um longo e aprofundado estudo, Plinio Corrêa encaminhou a diversos bispos e arcebispos do país as razões pelas quais um católico não poderia ser integralista. O então padre Helder Câmara, que chegou a ser presidente da Ação Integralista Brasileira, havia sido impedido pela Santa Sé de ocupar cargo de bispo auxiliar exatamente por ligação com os fascistas de Plinio Salgado. Foi após se afastar do grupo a pedido do clero que, mais tarde, conseguiu ser nomeado e fundar a CNBB em 1955.
A Igreja havia apostado na Ação Católica como forma de combater o crescimento dos movimentos revolucionários. Mas já era tarde e os movimentos já haviam sido infiltrados, como mostrou Plinio Corrêa quando foi presidente da Ação Católica, em um livro denúncia que foi elogiado pelo futuro Papa São Paulo IV, o mesmo que mais tarde denunciou a entrada da “fumaça de Satanás” nas estruturas da Igreja.
A Ação Católica, a partir dali, começou a se tornar um instrumento da esquerda na sociedade, bem ao contrário do que queria a Igreja, dando maior poder para as esquerdas.
Paralelamente, havia na Europa a tendência do fascismo, que frequentemente fazia as vezes de movimento conservador ou de direita por se opor aos comunistas, embora fosse ele próprio um movimento que se originara nas fileiras marxistas, combinado com movimentos esotéricos, maçônicos e neopagãos, o que ficou mais claro nos apelos ocultistas do nazismo. Originalmente, o fascismo foi uma ramificação do movimento trabalhista italiano, no qual Enrico Coradini sugeriu o nacionalismo como forma de “luta de classes”, em uma moldura de luta das nações proletárias contra as burguesas. Não havia uma distinção aplicável à forma “direita x esquerda” e um dos que primeiro adotaram essa abordagem foi Stalin, depois Mussolini. Tratava-se, portanto, de uma espécie de movimento revolucionário alternativo, exposto como opção dialética para conservadores. Não por acaso, o fascismo vinha carregado de raízes igualitárias, tendo iniciado as abordagens do antimodernismo revolucionário, flertando ao mesmo tempo com catolicismo e futurismo italiano. Autores como Julius Evola e René Guénon acrescentavam o componente antiocidental que já crescera no século anterior com movimentos espiritualistas e no orientalismo alemão dentro do movimento do romantismo. Mesmo assim, o fascismo acabou cedendo sua influência estética e retórico-política, aos movimentos de direita conservadora que buscavam se opor meramente ao comunismo.
Já nas décadas de 30, portanto, essa abordagem que influenciou profundamente o clima da Alemanha nazista, acabou sendo rejeitado na opinião pública e só muito discretamente experimentou crescimento, vindo a reaparecer recentemente. De longe, não representou um episódio do conservadorismo, mas, pelo contrário, de uma das vertentes revolucionárias que, no entanto, seduziram tanto direitistas quanto esquerdistas ao longo da história.
O que nos interessa, portanto, não é tanto a circulação genérica das ideias políticas no catolicismo como um todo, mas como essas ideias deram origem a ações específicas entre os católicos de matiz conservadora. Assim como o Integralismo, as ideologias fascistas antimodernas representaram antes um adversário e obstáculo para a definição e manutenção de uma ortodoxia do que propriamente um episódio desse desenvolvimento.
Ainda assim, algumas iniciativas plenamente ortodoxas, limpas de ideais revolucionários e alinhadas à Igreja Católica surgiram naquele período.
Já na década de 20, o frei fransciscano São Maximiliano Kolbe, motivado pelo crescimento da Maçonaria, criou a associação de fieis intitulada Milícia da Imaculada. Era representado por uma revista e tinha como principal ação a reação jornalística contra as investidas maçônicas que ameaçavam a fé cristã. Essa resistência era feita por meio de artigos sobre temas espirituais e devoções marianas. A iniciativa de Kolbe inspirou outro movimento, no Brasil, mas que buscava uma radicalidade ainda maior, pautado pelo enfrentamento civil e público contra as forças revolucionárias de maneira geral.
Surge a TFP
Completamente alinhado à defesa da Igreja Católica, a partir dos anos 60, Plinio Corrêa de Oliveira buscou fazer da TFP aquilo que a Igreja planejara para a Ação Católica, isto é, conter o avanço dos movimentos revolucionários na sociedade e defender a Igreja contra os ataques de dentro e de fora. Com isso em mente, Plinio criou a doutrina da “Revolução e Contra-Revolução” (RCR), que explicava a Revolução como uma expressão da ação diabólica contra a Igreja na história, impondo a necessidade de uma Contra-Revolução por parte dos católicos. Como um sistema ideológico e programático de ação e reação, essa doutrina resumia, em linguagem política, as dualidades tradicionais das Duas Cidades, da inimizade entre a raça da Serpente e a da Mulher, as duas árvores da virtude e dos vícios, de Hugo de São Vitor, e tantas outras dualidades da doutrina católica. Devido à radicalidade dessa dualidade, enfrentou oposição e controvérsia mesmo entre setores católicos piedosos, que, ao contrário da TFP, viam a necessidade de uma aliança com o mundo moderno para a manutenção do catolicismo, amoldando-o às necessidades do homem moderno, à linguagem contemporânea etc.
Apesar disso, a TFP cresceu assustadoramente entre os jovens e representou um movimento histórico de reação conservadora que até hoje inspira iniciativas pelo mundo.
Jovens, muitos deles ainda em idade escolar, ingressavam numa militância contra-revolucionária que se confundia com uma verdadeira vida de ordem religiosa. A prática do Santo Rosário, a Consagração a Nossa Senhora pelo método de São Luís Maria Grignion de Monfort, faziam parte das obrigações para os então discípulos do ativista católico Plinio Corrêa de Oliveira, que se tornava uma espécie de superior de ordem religiosa na condição de fundador ou mentor espiritual. Jovens lotavam congressos em todo o Brasil e pelo mundo. Seu modelo se espalhou pelo mundo em TFPs, existentes ainda hoje, na Europa e Estados Unidos, incluindo a Polônia, onde a associação é bastante atuante. Seu método se caracteriza por uma reação corpo a corpo, indo aos eventos progressistas ou blasfematórios com rosários em mãos, estandartes e imagens de Nossa Senhora.
Sem grande atenção da mídia nos dias de hoje, atos públicos ainda são vistos na Europa, repetindo o que ocorria em São Paulo daquelas últimas décadas do século passado, onde milhares de jovens portavam o tradicional estandarte vermelho com o leão heráldico em amarelo. Aquele foi um movimento autêntico de católicos em defesa da Igreja e caracterizados pela resistência contra a Revolução, isto é, um movimento conservador ao mesmo tempo político e religioso. Eles acreditavam que somente a partir da Igreja Católica, instituição infalível e indestrutível, seria possível reagir contra a Descendência da Serpente, manifestada nas doutrinas e modos revolucionários do mundo moderno. Isso impunha a necessidade de uma oposição total e irrestrita, representativa do “ódio perfecto” dos anjos caídos, representados pela Serpente do Éden, contra a humanidade, representada pela Mulher, Maria Santíssima.
Jean Baptiste Chautard
A sagrada dualidade doutrinária da Revolução e Contra-Revolução se justifica pela pouco mencionada origem das ideias de apostolado defendidas por Plinio Corrêa. Trata-se da obra do abade trapista, Jean Baptiste Chautard, um importante teólogo que teve entre seus seguidores ninguém menos que o próprio Papa São Pio X, o inimigo do modernismo. O que dizia Chautard?
Em seu livro A alma de todo apostolado, Chautard defendeu que o ser humano não é capaz, sozinho, de cumprir nem mesmo os Dez Mandamentos sem o auxílio da Graça Santificante. O que parece uma afirmação óbvia e pouco impressionante, porém, apresentava-se como uma receita infalível para toda a ação católica no mundo. Apesar de ter inspirado o início da Ação Católica, especialmente por influência de Pio X, experimentou uma visão ainda mais radical na obra de Plinio Corrêa. “Um apostolado encharcado de oração e sacrifício”, dizia Plinio. Afinal, isso significava uma primazia da vida espiritual sobre a ação social, ou a “heresia da ação”, como se referia Chautard. Essa visão, essencialmente tradicional da Igreja, resume a opção das TFPs e de seu legado. Na verdade, vamos além: a compreensão dessa realidade dá origem a toda uma escola de catolicismo radicalmente avessa ao que se tornou as pastorais e a evangelização ao longo do século passado, enquanto teólogos aderiam ao humanismo integral ou ao personalismo, correntes que fundamentaram mais tarde a Teologia da Libertação e outras correntes modernistas.
De maneira geral, essa visão contrastou radicalmente com aquela que via a necessidade de uma aliança estratégica com as linguagens e modos de vida modernos. Arriscamos dizer, porém, que se essa radicalidade inicialmente pareceu exagerada, o que nos pareceu verdadeiro em muitos momentos, a tradicional conciliação com o mundo se mostrou completamente fracassada e geradora de uma desordem intelectual e moral nunca antes vista.
Nova desistência da política
Tamanha foi a força dessa crença, por meio da devoção mariana, da prática ascética e oração dos membros da TFP, tornados “eremitas”, que o legado de Plinio se converteu numa ordem religiosa com estatuto próprio perante a Santa Sé, já no tempo da TFP, o que após a morte de Plinio, em 1994, acabou dando origem aos Arautos do Evangelho, considerados evolução natural do ramo espiritual da TFP, focado na crença e esperança na Era Marial profetizada por São Luís e os Apóstolos dos Últimos Dias.
De certa forma, a iniciativa foi em atenção ao que Plinio Corrêa dissera em um texto de posfácio a uma das muitas reedições do Revolução e Contra-Revolução já nos anos 90, de que o campo de batalha da Revolução havia sido transferido para dentro da Igreja.
Finalizava uma era de ativismo católico civil, em um período em que essa atuação em todo o mundo se tornava cada vez mais insuportável, dada a difusão das ideias revolucionárias e o profundo isolamento que sofriam todos os católicos fiéis à hierarquia e à tradição de maneira mais ortodoxa. A resistência se transferiu para dentro da Igreja. Grupos tradicionalistas defenderam a Missa Tradicional no rito tridentino, sendo muitas vezes excomungados, como no caso da resistência da Diocese de Campos e seus prelados. O estigma negativo do tradicionalismo impulsionou, de um lado, os católicos à conciliação com linguagens modernas, fruto das opções filosóficas do personalismo e outras ideias. No caso dos Arautos do Evangelho, foi possível manter uma ortodoxia mariana radical sem parecer-se com o tradicionalismo que era agressivo ao clero, optando por uma solução que parecia, aos olhos do mundo e do clero, apenas uma escolha estética, o que agradou até mesmo as alas mais de “centro” na hierarquia. De certa forma, a crescente perseguição contra a TFP, fruto do estranhamento daquele modelo de sacralidade leiga e civil, uma inovação para a época, justificou a transformação da sua obra numa iniciativa mais alinhada à estrutura tradicional da Igreja. Também oportunizou um foco ainda mais radical no campo espiritual sobre o civil, justificada na premissa inicial da hierarquia tradicional entre as Duas Cidades.
Afinal, em seus últimos anos, doutor Plinio já se dedicava quase que exclusivamente à defesa da TFP contra os ataques que vinha sofrendo, em sua maioria fruto de uma incompreensão cada vez maior sobre aquela linha proposta por Chautard, da proeminência da vida espiritual, causando um profundo fosso de incompreensão entre a TFP e a grande mídia, assim como a sociedade em geral influenciada por ela. Além dos ataques do mundo que se tornava cada vez mais revolucionário, a TFP também foi atacada por um importante ex-membro, Orlando Fedeli, que se voltou contra o mestre depois de ter se visto como preterido por seus alunos. Ele acusava a TFP — e depois também os Arautos — de gnosticismo, um termo que começou a utilizar analogamente à Revolução, de Plinio. Embora autor de estudos relevantes sobre a gnose, Fedeli exagerou ao classificar quase tudo como gnose. Na prática, ao transferir as críticas ao problema da gnose, ele pode ter contribuído para ampliar o fosso que já começava a existir entre conservadores e a defesa mais radical e contra-revolucionária de dentro da Igreja Católica. Enquanto Plinio combatia a Revolução, Fedeli combatia, não o gnosticismo, mas a TFP. O problema do gnosticismo raramente contou com uma facilidade de identificação como ocorre com a mentalidade revolucionária, o que leva fatalmente ao combate a grupos que sejam arbitrariamente identificados com a gnose. Esta é uma dificuldade que persiste nos dias atuais.
Na opinião pública, ao mesmo tempo, a postura tradicional contra-revolucionária começou a parecer estranha e exótica. Tal estranhamento, crescente à medida que o progressismo avançava sobre a opinião pública no efeito de espiral do silêncio, aprofundou-se com a hegemonia das ideias de esquerda, secularistas, que até mesmo dentro da Igreja floresciam já no tempo de Plinio. Nos anos 90, já não se podia conceber um ativismo católico que unisse a vida ascética com ativismo político. Era preciso contar com certo mundanismo e tolerância com o erro ou enfrentar o isolamento social.
O isolamento dos católicos tradicionais impunha uma decisão: mundanizar-se totalmente e tolerar o clima cada vez mais revolucionário dos costumes e das ideias ou deixar de ser católico. Uma terceira opção se oferecia: a conciliação.
A Espiral do Silêncio e a primeira grande entropia
O avanço da teologia da libertação e seus tentáculos na política e opinião pública — Betinho, PT, Lula, FHC — deram uma esfriada e a opinião da maioria dos católicos se tornou a de que era preciso aceitar a realidade da onipresença da esquerda, lidar com ela de maneira “tolerante” e conciliar aquilo contra o qual “não havia remédio”. A intolerância da antiga direita católica com a vida moderna, atacada diuturnamente pela esquerda midiática sob o pretexto de um novo mundo de tolerância e abertura da Igreja para o mundo, construiu finalmente a sua espiral do silêncio e o máximo de direitismo que foi permitido era defender a livre iniciativa e, por isso, votava-se no PSDB.
Dos anos 90 até o final da década de 2010, o que imperou no Brasil foi uma profunda apatia política, desilusão resultante de um caráter conservador abafado por uma pesada espiral de silêncios reinante. Tanto a política quanto a Igreja fecharam suas portas para o conservador que não via em nenhuma delas um consolo de esperança para a sua vida.
É claro que paralelamente, manteve-se no Brasil um certo tradicionalismo católico, ligado às dioceses de Campos, entre outras, que mantinham-se fieis à tradição católica pré-conciliar. Mas essas iniciativas foram, aos poucos, associando-se a grupos que não raro afastavam-se da hierarquia da Igreja, ora por rebeldia tradicionalista, ora por desilusão.
Sem mais uma militância que defendesse a Igreja contra os ataques do mundo e do efeito das novas formas de evangelização, voltou a crescer a apostasia tanto entre jovens quanto em adultos e até os mais velhos que já não viam sentido em pertencer àquela Igreja que, ou se opunha demais ao mundo, ou era demasiado progressista.
Paralelamente, o desinteresse pela política crescia entre os jovens, o que também era negativo para a esquerda. Dessa forma, o establishment de esquerda encabeçou uma campanha pela “Ética na Política”, chamando jovens a entrarem na vida pública tendo como exemplo o “movimento dos caras-pintada” que foi às ruas contra Fernando Collor, um movimento organizado pela própria esquerda. Isso não obteve efeito entre aqueles jovens desiludidos, mas teria sua “colheita” bem mais tarde, talvez entre aqueles que cresceram sob as campanhas televisivas da esquerda política.
Aquele movimento foi visto positivamente por toda a sociedade, abarcando uma grande parcela da classe média que ainda via os protestos de rua como algo grosseiro, não necessariamente devido a uma mentalidade conservadora, mas um tanto burguesa e caricatura de aristocracia. Mesmo assim, via no protesto de rua e revolta popular uma tendência esquerdista inconveniente. Essa classe média elegeu FHC duas vezes devido a essa aversão ao petismo. No entanto, para os jovens filhos daquela geração, as campanhas contra a corrupção e o esquerdismo chique do tucanato iam montando um imaginário libertário e igualitário, que mais tarde colheria seus frutos, como veremos.
Eis que surge Olavo de Carvalho
Do final dos anos 90 até meados de 2006, os livros e cursos do filósofo Olavo de Carvalho começaram a fazer um efeito entre jovens que se interessavam por filosofia e, mais tarde, por política. Eles viam nos diagnósticos de Olavo, a explicação para a sua apatia e desilusão com a política e com a cultura, capturados nas décadas anteriores pela hegemonia de esquerda. Olavo criou em 2002, o site Mídia Sem Máscara (MSM), no qual reunia artigos aprofundados sobre diagnósticos da politica nacional e internacional a partir de um time de colunistas, colhidos entre liberais e católicos, ateus e ex-militares, de uma certa variedade de matizes que se uniam sob o combate da hegemonia esquerdista.
Importante ressaltar o clima e a qualidade daquela primeira geração conservadora que se reencontrava em grupos em diversas cidades pelo país para compreender de maneira esquemática os principais alertas divulgados por Olavo de Carvalho no MSM. O principal tópico passou a ser a denúncia da fundação e atuação do Foro de São Paulo, organização que buscava reeditar o comunismo na América Latina mediante conquistas eleitorais. Em seguida, o Pacto do Diálogo Interamericano, que introduzia a ideia depois conhecida como “teatro das tesouras”, união programática das esquerdas globalista e marxista, expressa na política nacional pela falsa oposição entre PSDB e PT. O desmascaramento deste teatro pode ser considerado o principal fator definidor dessa nova direita conservadora que surgia naquele momento, amparada por um ressurgimento do interesse por livros e por uma redescoberta da história nacional e internacional.
Talvez um dos livros mais importantes daquele período tenha sido O Eixo do Mal Latino-Americano e a Nova Ordem Mundial, de Heitor de Paola, autor que, junto de alguns expoentes do MSM, viajava o país em palestras em diversas cidades. Isso ocorria por volta de 2006 a 2008. Junto de tudo isso, ia sendo exposto, aos poucos, o conceito de mentalidade revolucionária, a ser compreendido paulatinamente por meio de analogias com os movimentos da história global, especialmente o papel das grandes fundações internacionais e da existência da figura dos metacapitalistas, antes inexistente no imaginário político nacional. Essa figura possibilitava compreender um contexto mais amplo do que a usual dicotomia entre capitalismo e socialismo.
Houve em seguida um desenvolvimento de caráter pessoal que foi experimentado por um número cada vez maior de pessoas espalhadas pelo país. Católicos, evangélicos e até ateus liberais se uniam no interesse por filosofia, história política e simbologia tradicional, assim como, de maneira um tanto marginal, temas esotéricos como a astrologia, que marcaram o início da carreira de Olavo. Era o embrião de uma direita nascente, um conservadorismo político e cultural que, no entanto, precisou lidar com uma certa diversidade de crenças devido ao foco numa restauração intelectual.
A partir dos cursos do próprio Olavo de Carvalho essa ascensão conservadora oportunizou um considerável retorno à Igreja Católica, que até então experimentava a evasão pós-conciliar.
Em poucos anos, o número de conversões ao catolicismo ampliou muito entre os jovens e os nem tão jovens. Os novos tradicionalistas surgiam em uma acalorada defesa da Igreja nas emergentes redes sociais, mas também sob um projeto de vida intelectual que mantinha como pano de fundo uma dualidade entre inteligência versus ignorância. Jovens e adultos voltaram a estudar latim, alguns para traduções, leituras e aprimoramento de uma alta cultura, outros, para um viés mais religioso, aumentaram o contingente tradicionalista, buscas por missas em latim, tridentinas, e a procura por enfatizar uma defesa da Igreja, principalmente em seu aspecto histórico e filosófico.
Eles aliavam o estudo da geopolítica, história da Igreja, filosofia clássica e literatura. O projeto intelectual foi consolidado com o Curso Online de Filosofia (COF), que reuniu milhares de pessoas em torno da figura de Olavo como um exemplar vivo do filósofo clássico diante deles. O processo de aprendizado, aliado a mudanças radicais no modo de vida diante de uma verdadeira explosão de entusiasmo pela vida intelectual representou, em poucos anos, um retorno do interesse pela política, surgindo grupos de discussão, movimentos conservadores e uma incrível quantidade de iniciativas editoriais.
A volta de Fedeli e o antiolavismo católico
Quando ressurgia uma juventude que, novamente, unia certa fidelidade à Igreja e o combate ao pensamento revolucionário, reaparece Orlando Fedeli acusando Olavo de Carvalho de gnóstico. Como das outras vezes em que ele proferiu ataques a homens que se tornavam relevantes por unir jovens, Fedeli infelizmente não conseguiu prejudicar o avanço do gnosticismo, mas afastou alguns católicos das ideias de Olavo. Ao combater Plinio, e depois Olavo, Fedeli não evitou que a gnose crescesse entre a juventude, mas a afastou de homens que promoviam uma ligação mais estreita com a Igreja. Esse afastamento de conservadores da comunhão com a Igreja provocou, mais tarde, o fenômeno da “gnose tradicionalista”, sobre o qual Fedeli não parece ter se ocupado tanto.
Fedeli pode ser representativo de um tipo de catolicismo antiolavista que passou a crescer neste princípio. Nele, muitos convertidos até por meio do próprio Olavo, voltavam-se contra ele tão logo encontrassem elementos para o considerar heterodoxo, modernista ou liberal, quando não simplesmente gnóstico. Essa motivação vinha de algumas de suas opiniões sobre questões morais, assim como do interesse gerado em alguns alunos por temas esotéricos e, é claro, pela difusão que acabou ocorrendo de nomes como René Guénon e Fritjoff Schuon, ligados ao tradicionalismo perenialista, uma das influências assumidas das fases iniciais da vida intelectual de Olavo.
No entanto, é evidente a oposição de Olavo a esses autores, dadas as denúncias e alertas feitos inúmeras vezes. Mas as razões pelas quais esses alertas não tiveram o devido e esperado efeito seriam tema interessante para um outro ensaio.
A onda de direita e o bolsonarismo
Finalmente, a partir de 2013, com o avanço da insatisfação com os governos petistas, um grande número de pessoas, entre jovens e adultos, tomaram as ruas no episódio do Passe Livre, organizado pela esquerda. Era para ser um movimento que impulsionaria a agenda petista, mas foi quando a juventude que cresceu durante as campanhas pela “Ética na política” acordou do sono profundo da sua apatia juvenil e, chegada à idade de maturação, tomou as ruas para reeditar o exemplo dos caras-pintadas visto na infância. Era o movimento “contra a corrupção”. Aquele movimento de 2013 inaugurou o que viria a se tornar a direita bolsonarista de 2018.
Com esse levante, muitos alunos de Olavo de Carvalho partiram para a ação com vistas a orientar aquele caos programático, vendo tratar-se de um processo irracional protagonizado por uma classe média pouco instruída sobre o movimento revolucionário que sustentava o poder do Estado. Um fato marcante deste período, do qual participei ativamente, foi a criação da Radiovox, web rádio que buscou reunir alunos de Olavo para uma grande campanha de conscientização intelectual e histórica, com temas diários sobre o movimento revolucionário, Foro de São Paulo, globalismo e até os riscos do eurasianismo. Criada em 2013, foi através dessa iniciativa que se publicou naquela época uma única edição do Mídia Sem Máscara, que foi distribuída em um dos primeiros protestos na Avenida Paulista.
Foi a soma deste movimento confuso de 2013 com a orientação dos alunos de Olavo, que deu origem ao que conhecemos como “direita bolsolavista”, unindo apelo popular a uma orientação anticomunista e antiglobalista. Pouco mudou até 2018, quando nomes surgidos desse meio buscaram ocupar cadeiras no governo com o mesmo intuito de manter uma unidade programática nas mesmas bases anticomunistas e antiglobalistas.
Caos espiritual, caos programático
Essa direita, porém, acabou tendo suas ideias pouco desenvolvidas após ser exposta a uma luta política muito antes de uma maturação necessária: a presunção de uma via política para aquele conservadorismo (talvez inevitável) desconsiderou a estrutura real do poder no país, que era de uma hegemonia revolucionária muito maior e mais abrangente.
Isso ficava evidente na insistente orientação do próprio Olavo de Carvalho, para quem antes de qualquer movimento político, deveria haver uma classe intelectual que cedesse o conhecimento e a orientação, o que jamais foi feito. Para ele, intelectuais de alto nível precisavam desenvolver obras de referência e sem qualquer interesse ou ligação política, exceto o amor ao conhecimento e à verdade. Depois disso, um segundo processo daria origem a uma ocupação natural de espaços na opinião pública, o que difundiria uma classe que falaria a mesma linguagem. Esta, por sua vez, é que tornaria possível uma classe política efetivamente comprometida e relativamente capaz de fazer frente à política revolucionária.
Muitos, porém, depois de alçados por acaso no mundo da política, acabaram por relativizar ou mesmo ignorar essa estrutura, que não é programática ou normativa, mas diz respeito a uma estrutura da realidade social, à qual Olavo de Carvalho chegou após muito estudo. Mas os alunos comprometidos com esse estudo acabaram não tendo diálogo com aqueles que preferiam o campo da ação política antes de tudo. Foi sendo ampliado um fosso de comunicação cada vez maior.
Se Olavo recomendava a vida intelectual antes da política, esses alunos e ex-alunos (alguns apenas seguidores) defendiam que se chegasse ao poder pela política primeiro, para, só depois disso, possibilitar uma melhoria intelectual na sociedade, um óbvio desvirtuamento do que ensinava Olavo. Essa inversão total das prioridades ajuda a explicar os fracassos sucessivos desde o início do bolsonarismo, muito embora os propagandistas eleitorais consigam juntar meia dúzia de frases que apontem apenas “sucessos” desse movimento.
Outros, alinhados a um foco cada vez mais superficial de chavões e slogans políticos, aderiram a ideias essencialmente revolucionárias de maneira inicialmente emprestada, como “educação para todos”, igualdade e até fraternidade universal, teses rejeitadas não apenas por Olavo, mas pela tradição da Igreja Católica. Por fim, a opção exclusivamente política tornou necessária a aliança com evangélicos, maçons, espíritas e toda sorte de grupos e pessoas, desde que estes se comprometessem com a “causa da direita” ou a mera oposição ao PT.
Não é preciso dizer que este expediente conciliatório jamais seria aceito por homens como Jean Chautard, que acreditava que o auxílio da Graça Santificante, sem o qual nada se faz, só e obtido através da radical cooperação com O Autor da Graça, através da Sua Santa Igreja e sua doutrina.
Conclusão
Indo para o final, tentemos resumir esse processo a partir do que acreditamos ser os principais episódios.
Começando com um conservadorismo totalmente ligado à Igreja, que sucumbiu à ação revolucionária no campo político e civil, houve a tentativa de uma via intelectual, fracassada por sucumbir às seduções da política.
Isto é, após a morte de Plinio Corrêa, focado na defesa da Igreja, houve um arrefecimento, uma entropia que tornou o conservador brasileiro apático e desinteressado, convencido de que defender a Igreja não era apenas possível, como suicídio político. Depois, com Olavo, houve um retorno do interesse pelo conhecimento. Mas a via política acabou por matar esse interesse, tornando-o uma mera conveniência política, quando não apenas eleitoral.
Esse processo criou e ampliou um fenômeno de indiferença com as causas que em outros tempos forneceram grande força de entusiasmo, como a defesa da Igreja Católica e, mais recentemente, o combate contra o movimento revolucionário.
Plinio e Olavo
Houve e há uma certa indisposição entre alunos de Olavo sobre o legado de Plinio Corrêa de Oliveira. As razões disso podem ser muitas. Talvez os elementos intelectuais fornecidos por Olavo para a sondagem de elementos revolucionários não tenha sido suficientes para uma efetiva superação de alguns sentimentos ligados a uma autonomia individual e intelectual. Este tema, por si só, já renderia longas discussões e novos ensaios a respeito — o que pode ser o caso.
No entanto, nos permitimos uma inovação no campo conservador: caberia uma análise da conjuntura do movimento revolucionário e seus métodos, bem como as perspectivas de um movimento conservador, feito sob os critérios e princípios combinados de Plinio e Olavo, obtendo-nos os principais pontos de contato.
Fragilidades a serem superadas
Antes disso, seria necessário de antemão afastar pelo menos dois elementos programáticos que nos parecem fragilidades de ambos, se bem que marginais e incertos: em matéria de estratégia política e ocupação de espaços, Plinio sugeriu em seu livro Revolução e Contra-Revolução, que seria possível uma aliança com os protestantes no sentido de limitar o avanço do inimigo comum, o comunismo. Felizmente, nem a TFP ou algum seguidor de Plinio jamais se aventurou a tal aliança com os membros do que Plinio considerava a Segunda Revolução, dada a sua radicalidade na defesa da Santa Igreja, o que não apenas resultaria em contradição como de fato a história mostrou ter sido uma opção desastrosa para movimentos conservadores. É claro, no entanto, que o peso dessa sugestão é bastante reduzido no conjunto das contribuições de dr. Plinio.
No caso de Olavo, o ponto de fragilidade poderia estar no sentido de que, em mais de uma vez, ele se mostrou afeito à tese da Unidade Transcendente das Religiões, um conceito vindo do perenialismo e que o justifica. Embora o filósofo tenha declarado publicamente a impossibilidade do estudo das Religiões Comparadas (tema caro a dois de seus filhos), dada a especificidade do cristianismo e certa incomunicabilidade de finalidade em relação às demais religiões, a ideia da Unidade Transcendente é perigosa e conduz às teses gnósticas de algum modo.
No sentido de suas contribuições ao entendimento da atual conjuntura, porém, temos o essencial:
Para Plinio, a 4º Revolução — depois da Reforma, Revolução Francesa e do Comunismo — se manifesta pela revolta metafísica no coração do homem. O ódio contra Deus expresso na vida moderna que precisa ser combatido negando-se a si mesmo em uma profunda e radical conversão. Para isso, impõe-se ao católico que deseja agir sobre o mundo contra os inimigos da Igreja, a vida sacramental de maneira a obter para si o auxílio invencível da graça santificante.
Para Olavo, a luta interna contra a mentalidade revolucionária impõe uma força pessoal que se expressa como um senso total de missão. Para os católicos, Olavo disse, certa vez, que ler a vida dos santos não basta. É preciso entregar-se a uma vida sacramental, constituída dos Sacramentos da Confissão e Eucaristia, durante muito tempo. Só então se compreenderá do que os santos estavam falando. Nisso reside o mecanismo de restauração e aumento da ação da Graça Santificante e são encontrados apenas na Igreja Católica.
Isso já sugere que, antes da vida intelectual, isto é, para o entendimento daquilo que é preciso, há a necessidade de um caminho espiritual radical, o que nos faz recordar da lição de Chautard e de dr. Plinio, cuja crença na ação invencível da Graça guiou suas vidas.
Ao final da vida, Olavo escreveu alguns comentários que deveriam ser mais fundamentais aos seus alunos:
O medo que muitos olavistas desenvolveram de tornar seu trabalho um apostolado, como se isso indicasse uma “redução” ou limitação, pode estar na raiz de seus fracassos e insuficiências. Da mesma forma, desenvolveu-se uma má vontade com a piedade católica, como se fosse um artificialismo ou superficialidade. São elementos a serem superados. Para Plinio, o apostolado contra-revolucionário é a derrubada de um Rei que reina neste mundo, Satanás, e colocar em seu lugar uma Rainha, Maria Santíssima. Pois nisso consistirá render a maior glória ao Rei do Universo. Mas para isso, Ele precisa reinar em nossos corações, o que equivale ao que Olavo recomendava quando dizia que deveríamos apenas “fazer tudo diante de Deus e de ninguém mais”.
Mais importante, portanto, do que uma direita ou um conservadorismo, é estar ligado a Deus e à Sua Igreja. Como diz um texto de Olavo, considerado espécie de “profecia”:
“Preparem-se. Nos próximos anos a desordem do mundo atingirá o patamar da alucinação permanente e por toda parte a mentira e a insanidade reinarão sem freios. Não digo isso em função de nenhuma profecia, mas porque estudei os planos dos três impérios globais e sei que nenhum deles tem o mais mínimo respeito pela estrutura da realidade. Cada um está possuído pelo que Eric Voegelin chamava “fé metastática”, a crença louca numa súbita transformação salvadora que libertará a humanidade de tudo o que constitui a lógica mesma da condição terrestre. Na guerra ou na paz, disputando até à morte ou conciliando-se num acordo macabro, cada um prometerá o impossível e estreitará cada vez mais a margem do possível. A Igreja Católica é a única força que poderia, no meio disso, restaurar o mínimo de equilíbrio e sanidade, mas, conduzida por prelados insanos, vendidos e traidores, parece mais empenhada em render-se ao espírito do caos e fazer boa figura ante os timoneiros do desastre. No entanto, no fundo da confusão muitas almas serão miraculosamente despertadas para a visão da ordem profunda e abrangente que continua reinando, ignorada do mundo. Muitas consciências despertarão para o fato de que o cenário histórico não tem em si seu próprio princípio ordenador e só faz sentido quando visto na escala da infinitude, do céu e do inferno. Essas criaturas sentirão nascer dentro de si a força ignorada de uma fé sobre-humana e nada as atemorizará”.
Isso combina em muito com uma outra “profecia”, a do Papa Bento XVI, que disse:
“Em breve teremos padres reduzidos ao papel de assistentes sociais e a mensagem da fé reduzida a uma visão política. Tudo parecerá perdido, mas no momento certo, apenas na fase mais dramática da crise, a igreja renascerá. Será menor, mais pobre, quase catacumbal, mas também será mais santa. Porque não será mais a igreja daqueles que procuram agradar o mundo, mas a igreja dos fiéis de Deus e sua Lei Eterna. O renascimento será obra de um pequeno remanescente, aparentemente insignificante, mas indomável, passado por um processo de purificação. Porque é assim que Deus trabalha. Um pequeno rebanho resiste ao mal”.