Em um mundo afundado de crueldades e indiferenças, repleto de monstruosidades difundidas e enumeradas publicamente e de forma sensacionalista, pode ser tentador ao católico confundir-se em meio a ações e omissões suas ou de outros (e até do clero), atribuindo-lhes genericamente o termo “escândalo” sem o devido exame. Afinal, uma opinião dita publicamente pode ser vista como “escandalosa” para o mundo, mas profundamente piedosa para o cristão. Ao passo que outra, aplaudida e ovacionada pelo mundo, é escandalosa de fato e o seu anunciador culpado de pecado mortal. Como fazer essa distinção?
Na conotação secular, o termo “escândalo” virou sinônimo de mera distinção singular frente a costumes vistos como comuns, da moral vigente, de maneira que se choque com aquilo que a maioria das pessoas encara como certo ou moralmente correto. Pode significar até mesmo a violação de padrões ditados pelo Politicamente Correto, sendo, neste sentido, até mesmo elogiável como fruto da coragem de enunciar a verdade quando ela não agrada a sensibilidade secular e mundana. Neste aspecto, pode-se afirmar até mesmo que é dever do católico ser “escandaloso” ao mundo, como Cristo o foi para o seu tempo. Mas, do ponto de vista estritamente católico, devemos consultar o Catecismo, já que ali o termo escândalo tem outro sentido.
Essa confusão é, hoje, razão pela qual se tornou um pecado de estimação praticado tanto por progressistas quanto por ditos conservadores. Mas o escândalo é um pecado contra a caridade e, como tal, punido com nada menos que a condenação eterna.
Tanto no Catecismo da Igreja Católica, em sua edição moderna, quanto no completíssimo Catecismo Maior de São Pio X, o termo “escândalo” diz respeito a um pecado contra o Quinto Mandamento (Não matar), o que faz dele um pecado mortal.
Diz o Catecismo Maior, que “o escândalo é toda palavra, ação ou omissão, que é ocasião para os outros de cometerem pecados”.
No item 416, diz o Santo Padre que
“o escândalo é um pecado grave, porque tende a destruir a maior obra de Deus, que é a redenção, com a perda das almas: pois que ele dá ao próximo a morte da alma tirando-lhe a vida da graça, que é mais preciosa que a vida do corpo; e porque é causa de uma multidão de pecados. Por isso, Deus ameaça os escandalosos com os mais severos castigos.
Comete este pecado, portanto, toda pessoa pública que escreve ou fala, dá publicidade a atos, falas, textos, ou até mesmo deixa de o fazer, em relação a uma matéria grave de maneira a gerar uma normalização, dessensibilização, minimizando ou cometendo determinado pecado. Principalmente quando desses atos são conhecidos os seus resultados: na melhor das hipóteses, o desânimo da vida na graça, abandono deste estado no qual Deus assiste por meio da graça santificante, torna, assim, culpa mortal deste ou daquele que o comete, seja ele leigo ou clérigo. Se clérigo, tanto pior.
Isso pode ocorrer tanto por parte do clero, como dissemos, na publicação de documentos em linguagem dúbia que levem a confusões ou interpretações que conduzam a justificativas retóricas de pecados (se mortais, ainda pior), quanto por parte de leigos que, deliberadamente, ao invés de buscar esclarecer ou minimizar esses mesmos danos, justificam com essa mesma língua dúbia a confusão por meio de eruditismo ou minudências teológico-pastorais que sabidamente escapam ao entendimento das pessoas de fé simples, dos pequenos, dos que vivem em estado de graça e dos puros. Dizia Bento XVI, da necessidade da “proteção dos pequenos contra os intelectuais”.
“Caso alguém escandalize um destes pequeninos, melhor será que lhe pendurem ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar” (Mt ,18,6)
Quando Cristo admoesta o escândalo contra os “pequeninos”. Estes pequeninos obviamente podem ser as crianças, mas também são as pessoas puras, inocentes. Isso também pode significa os “inocentados”, isto é, os que se encontram em estado de graça. Assim, mesmo o caminho intelectual deve ser acompanhado de uma busca incessante pela graça santificante, sem a qual, como dizia tanto Aristóteles (sobre a vida moral), quanto Santo Tomás, não há verdadeira busca da verdade. Ao contrário, cria-se monstros de intelectualismo estéril e destruidor.
Mas aqueles intelectuais, dos quais fala Bento, são os que, quanto mais se creem eruditos, mais enveredam-se em caminhos complexos de suposta intenção evangelizadora, mas cuja escolha é sinal de arrogância e sensação de superioridade intelectual. Por esta razão, omitem-se frequentemente ao preferirem métodos questionáveis para uma suposta “estratégia” que inclui uma escandalosa participação em pecados capitais vistos como naturalizados pelo mundo. O Papa Pio IX advertia contra a heresia da crença na “inevitabilidade do mundo moderno”, pois dessa crença conclui-se uma suposta necessidade de abandonar tudo o que os santos fizeram no passado como se fossem práticas “ultrapassadas”.
Por outro lado, quando muitos atores, influencers e pessoas públicos em geral preferem, ao invés de esclarecer, atacar deliberadamente o clero, arriscam conduzir os fiéis à desobediência, e até mesmo à apostasia, ainda que só potencialmente. São aqueles que transforma um apostolado em um “apostatado”. Pois quando não há certeza do mal que se produzirá comete-se o mesmo pecado por imprudência ou soberba. Não é este um pecado de estimação de tantos conservadores? No entanto, diante desses apontamentos, não dirão eles que este alerta se perfaz de um “excesso de escrúpulos”? Certamente, darão risadas e farão piadas. Para quem não tem escrúpulo algum, todo alerta é excessivo, toda moral opressora.
Quando vemos pecados mortais, dentre eles aqueles que clamam aos céus por vingança, serem aceitos ou mesmo debatidos sob justificativas de suposta “tolerância” ou “diálogo”, estamos diante de, no mínimo, um flerte perigoso com o escândalo. Da mesma forma, quando parte do clero se omite de agir ou de coibir padres ou religiosos que estão publicamente envolvidos em militâncias ideológicas conhecidamente imorais, incorre-se num risco à alma de fiéis, conduzindo ao mesmo perigo.
Assim, também um certo escrúpulo politicamente correto induz alguns a omitir-se justificando-se pelo mesmo sentido mundano da palavra escândalo, para não chocarem-se com o mundo que preferem, e o fazem justamente enquanto praticam este pecado contra o Quinto Mandamento. Afinal, não foi por “escândalo” que foram jogados aos leões os cristãos nos primórdios? Não foram por escandalizar o paganismo e a moral vigente que milhares de mártires povoaram os céus e cujo sangue fez erguer-se, mais tarde, toda a Cristandade durante o tempo medieval?
O escândalo praticado tão deliberadamente que já nem pode facilmente ser distinguido, é um evidente prenúncio de uma era de perseguições contra a Igreja. Pois, se as portas do Inferno não prevalecerão, como temos certeza de fé, então fatalmente o mundo se voltará contra a mesma Igreja que prometeu (ou deixou que prometessem por ela) toda forma de cooperação com este mundo. Surpreendido pela porta fechada, o inferno clama por sangue inocente, e os céus, pela vingança purificadora que fatalmente trará a vitória dos que permanecerem firmes.