O que se acostumou a chamar de conservadorismo, no Brasil recente, é algo que pode ser classificado como uma mentalidade ao mesmo tempo antiga e nova. Antiga porque sempre houve conservadorismo na história. Desde sempre, diante de novidades ou propostas aberrantes em termos de moral ou sociedade, homens e mulheres reagiram para defender a manutenção de costumes, crenças ou ideias. Mas o conservadorismo também pode ser novo, já que se define como a defesa da manutenção de uma ordem baseada nas ameaças de cada época. Mas como é que o conservador sabe qual é a maior e mais perigosa ameaça do seu tempo?
Avaliar a periculosidade de uma corrente inovadora de ideias revolucionárias sempre pareceu um trabalho fácil. Afinal, os jornais e a publicidade em geral estão repletos de debates a partir dos quais é possível constatar a relevância ou avanço de certas ideias. A observação prática da sociedade cotidiana também parece estar disponível a todos, de maneira que qualquer um sabe mais ou menos quais são os hábitos e entretenimento mais comuns nos seus dias. Será mesmo?
A verdade é que passamos hoje por um período ímpar a esse respeito. Quando os jornais há muito se tornaram meros instrumentos de propagandas das ideias orientados por organismos e instituições que abrangem muito mais do que esses jornais, avaliar as ideias e comportamentos em desenvolvimento torna-se um trabalho muito mais dispendioso e complexo. E embora o conservadorismo tenha, nos últimos anos, se tornado uma espécie de corrente em ascensão na sociedade brasileira, carece de interesse sobre o estudo e amor ao conhecimento daqueles fatores que mais o deviam interessar.
Da mesma forma, a observação prática dos hábitos e costumes atuantes numa sociedade também se tornou um trabalho extremamente difícil. Jovens, que formarão a geração futura, estão a cada dia mais isolados dos adultos, encerrados em redomas de redes sociais e fóruns dos mais obscuros, trilhando caminhos perigoso ao sabor dos interesses retroalimentados por uma cultura da liberalidade de consciência e inexistência de moralidade. Em grande medida, este é o resultado de uma sociedade que se desenvolveu sob a crença da inexistência do Pecado Original, isto é, numa certeza da inocência infantil e juvenil motivada por uma longa fila de livros e estudos que criaram a mentalidade dos nossos pais e avós: seja pela crença do “bom selvagem”, de Rousseau, seja pelo evolucionismo teológico de Teilhard de Chardin, vitorioso na formação do horizonte de consciência de tantos idosos e adultos que hoje decidem deixar jovens e crianças à própria sorte diante de celulares e séries de TV.
Portanto, quando vivemos num mundo tão complexo, formado tanto por adultos crentes na onipotência da ciência média, fanatizados em busca de remédios e soluções ou aperfeiçoamento do corpo e da mente, quanto por uma juventude viciada em uma moralidade advinda de memes, qual é o conservadorismo que subsistirá? Resta, como diria Chesterton, a tolerância. Segundo o autor inglês, a tolerância é tudo o que resta depois que não há mais nenhuma certeza moral.
O que não se tornou o conservadorismo da direita brasileira se não uma imensa estrutura de justificativas para o pertencimento ao mundo moderno enquanto diz lutar contra ele? A crença dominante é a da inevitabilidade deste mundo, a “instrumentalização” de um dos três inimigos da alma. Se apostam no “amor ao mundo” como meio, o que os impedirá de julgarem necessário o amor à carne ou ao diabo? Sabemos muito bem que não é deste “mundo” a que se referem tantos. Mas o que o separa de tal interpretação? Como os conservadores poderão garantir que a sua tolerância será premiada pelos intolerantes?
O grande equívoco que se sobrepõe a essa complexa realidade é o da inabilidade de identificar o verdadeiro inimigo. Afinal, para a esquerda, o diabo não existe e, para a direita, o diabo jamais falaria através de um discurso conservador.