Favorecidos pelo desinteresse e indiferença da classe falante, especialmente dos influenciadores conservadores da direita pós-bolsonarista, uma “terceira via” muito menos inofensiva que um “centrão”, vai crescendo entre jovens e quarentões, pronta para fazer as vezes de conservadorismo permitido diante de um globalismo sedento de sangue. O papel, representado nos idos de 2015 pela “direita MBL”, será muito mais agradável à esquerda e aos globalistas por trazer de volta a velha luta antifascista que originou sua utopia.
A terceira posição, tradicionalmente conhecida como neofascismo, alimenta-se de sentimentos como o ressentimento e humilhação, sabiamente utilizados por agendas de propaganda, como a da Rússia por exemplo. Mas também atua no imaginário de uma juventude cada vez mais afeita aos sentidos, à pornografia oriental dos animes e a indústria subterrânea de memes de uma ironia macabra e sádica. Esse movimento, que é tipicamente ignorado por adultos por acharem “coisa de adolescentes”, vai minando a imaginação e os sentidos de uma parcela considerável da sociedade dita “esclarecida” já consagrada legitimamente como a classe falante. Eles fazem podcast, entrevistas, dão cursos de como viver, como ganhar dinheiro e são cultuados, voluntária ou involuntariamente, por toda a opinião pública pela via da mágica dos algoritmos.
Da mesma forma como os usos e costumes do heavy metal e do rock “agendaram” os hábitos da música pop (desde as vestimentas até as sonoridades cada vez mais tecnicamente assemelhadas), o progresso dessa revolução das almas vai se alastrando como uma fumaça negra sobre os corações através de uma permissividade de sentidos e gostos, um subjetivismo contra o qual muitos conservadores acreditaram ser suficiente a mera ressignificação ou “adaptação”, a famosa e fracassada dialética da assimilação. Sob uma discutível crença salvífica no poder da cultura universal (ah, a “alta cultura”), muitos pseudo-intelectuais afeitos a fetiches acharam que podiam presumir o efeito de suas ações racionalistas e abstratas aprendidas de “orelhada” do que ensinou Olavo de Carvalho. Em nome de suas próprias reinvenções de personalidade, por meio de cultos às próprias misérias, esses conservadores se assemelharam aos progressistas do início do século passado em suas utópicas construções meta históricas e meta cristãs.
Mas recordava Jean Baptiste Chautard que sem a graça o homem não cumpre nem mesmo os Dez Mandamentos. Querem esses intelectuais conduzir o mundo? Não. Na verdade, querem apenas viver suas vidinhas, mas vendê-la sob a moldura de uma missão sagrada. Em nome disso, é claro, precisam atender apenas aos anseios da propaganda e omitir os problemas reais. E quais são os problemas reais?
Trata-se do já denunciado problema da nazificação da direita, que é um fruto combinado do duguinismo e do avanço de esoterismos antimodernos de longa data. Este movimento, favorecido ainda pelos pós-bolsonaristas humilhados, só cresce em estudos, agendas e planos, fazendo-se de solução contra a degradação moral da sociedade moderna. Com isso, atiçam os globalistas com um alimento que lhes é venerado desde a fundação das Nações Unidas: a luta contra o fascismo.
Afinal, o globalismo ocidental, liberal e socialista ao mesmo tempo, já conta com todo um aparato de repressão policial e jurídica internacional, consagrado em todas as partes do mundo, para perseguir e prender os adeptos de ideologias totalitárias e todas as ramificações que lhes sejam adequadas. A ameaça fascista é a justificativa moral mais elevada do globalismo e eles aguardam apenas um sinal para começar a prender cristãos simplesmente por suas crenças.
É esse mesmo aparato jurídico-policial de censura e perseguição que acaba auxiliando os neofascistas reais a instrumentalizarem suas militâncias contra esse mesmo globalismo, mas apenas e justamente por nele residir essa possibilidade de censura e perseguição daquela “resistência” que uniu-se com um tipo de lumpemproletariado pós-moderno. Isso implica no fato contundente de que a defesa da liberdade de expressão, causa tão cara ao bolsonarismo, também passará, em breve, a ser território minado por quem anseia disseminar seus ódios contra o Ocidente, o mundo moderno e, é claro, a Igreja Católica Romana. Afinal, esta última é a primeira concorrente espiritual tanto das versões ortodoxas que anseiam pelo título de Terceira Roma, quanto do Califado Universal impulsionado igualmente por perenialistas e a esquerda ocidental.
O grande fantasma do materialismo global oculta a face do ladrão que vem assaltar: o espiritualismo tradicionalista e gnóstico, profundamente totalitário e imperial, que visa consagrar e legitimar misticamente impérios tribais e cultos demoníacos com a legitimidade da “multipolaridade”. Mas se o ambiente global é fértil a essas doutrinas, mais ainda é o público criado ao longo dessa decadência moral ocidental.
Diversos são os grupos jovens e nem tão jovens que se avolumam nas ideologias de terceira posição (entre as quais podemos incluir o próprio islã e o perenialismo se considerarmos a motivação de adesão).
Em primeiro lugar, temos a geração de MGTow e tradicionalistas incels (involuntary celibates). Eles foram rejeitados pelas mulheres e por isso passaram a odiá-las. Adorariam enfiar-lhes uma burca e tratá-las como lixo pelo resto de suas vidas como punição por não terem cedido aos seus encantos e aos devaneios juvenis acumulados em anos de confinamento de seus anos de solidão.
Em segundo, essa turma logo se unirá à “grande resistência”, com o incremento das vozes de famosos autistas influenciadores “contra o mundo moderno”. Não se sabe se o elevado número de autistas na sociedade atual é devido às vacinas (como tantos argumentam) ou devido à transformação radical das famílias que passaram a cultivar filho único, somada às exigências modernas e novidades educacionais e culturais do mundo moderno, exigências de trabalho, relações dessa geração com a tecnologia etc. O fato é que é cada vez maior o número de autistas que se diz influencer, que debate, faz podcasts, reflete e cria comportamentos. Qual o efeito disso em médio e longo prazo?
Em terceiro, temos a espiritualidade do Red Pill, da qual já falamos. Embora ela faça parte do fenômeno do MGTow, tem ramificações que transcendem a ele. Muitos conservadores já aderiram ao termo como forma de instrumentalização, aquele erro clássico do qual também já falamos e que trouxe mais problemas do que soluções. Quem está preocupado e observando o assunto? Não basta fazer podcast sobre isso, pois a linguagem já está demasiado gasta e apenas avoluma o problema da dispersão psicológica e da problematização excessiva e subjetivista, ao sensacionalismo, linguagens alheias a qualquer estudo sério.
Com o conflito em Israel, e a consequente adesão da direita bolsonarista ao apoio do país e contra os palestinos, crescem as instrumentalizações da propaganda russa em um meio conservador que já vem se dividindo há anos pela presença marcante de estudos perenialistas, que migram facilmente de um catolicismo tradicional para uma militância anti-israel, antissionista, levando fatalmente aos revisionismos e manifestações de ódio aos judeus, muitas vezes através de memes humorísticos. Ocorre, porém, que o humor negro tem sido há alguns anos o “veículo” dessas ideologias totalitárias, que começam zombando de grupos e terminam defendendo regimes tirânicos e até genocídios. Esse processo ficou claro no crescimento de fenômenos como MGTow e Red Pill, entre outros. Basta uma olhada em grupos de Telegram de direita um tanto “dissidente” para encontrar exemplos à exaustão, quase sempre aliados a uma estética que remete ao chamado “Iluminismo das Trevas”.
O Iluminismo das Trevas é uma vertente neoanarquista também conhecida como “direita alternativa” ou “reacionarismo hardcore” que está em franca ascensão e já foi defendido abertamente por Alexander Dugin. O principal teórico contemporâneo do “aceleracionismo”, porém, é Nick Land, que resume o iluminismo das trevas como uma “desilusão destrutiva com a democracia”.
“Para os neorreacionários hardcore, a democracia não está meramente condenada, é a própria condenação. Fugir dela se aproxima de um imperativo supremo. A corrente subterrânea que propulsa tal antipolítica é reconhecidamente hobbesiana, um iluminismo das trevas coerente, desprovida do início de qualquer entusiasmo rousseausista pela expressão popular”.