O duguinismo, assim como o Islã, crescem no Brasil e no mundo através do motor, da mola propulsora do tradicionalismo de René Guénon, verdadeiro veneno demoníaco que, no entanto, arrasta asas para seduzir católicos desatentos, convertendo-os em idiotas úteis que povoarão o inferno. Entenda como funciona o avanço desse fenômeno.
Na última semana, o grupo duguinista pró-Rússia, Nova Resistência (NR), foi objeto exclusivo de um relatório publicado pelo Departamento de Estado dos EUA. O relatório, que pode ser lido aqui, classificou o grupo brasileiro como ameaça internacional. Mas a despeito do tom de alerta, o que fez o relatório foi impulsionar a atividade dos movimentos e suas redes de apoio, o que inclui toda uma diversidade de movimentações ideológicas que há alguns anos vêm avançando entre grupos que buscam soluções políticas “contra a modernidade”.
As informações dispostas no relatório não trazem grandes novidades se comparadas com os alertas que vêm sendo feitos por mim em artigos publicados no BSM, até ano passado, e no Instituto Estudos Nacionais, neste ano. Um apanhado dos textos sobre a atividade ideológica de Dugin, no Brasil e no exterior, pode ser consultado neste link. Na verdade, venho alertando para isso desde 2013. Mas diante da indiferença da maioria dos conservadores, não surpreende que agora alguns se digam surpresos com os resultados que ainda tendem a piorar.
Sem aprofundar sobre as raízes espirituais e ocultistas do movimento, o relatório fortaleceu as atividades do NR ao vinculá-lo a uma opção de oposição ao liberalismo ocidental, representado na imagem icônica dos EUA. No mesmo dia, o grupo fez uma transmissão ao vivo intitulada “EUA temem o Nova Resistência”, mas cujo conteúdo se restringiu praticamente à difusão das narrativas russas sobre o conflito Israel e Palestinos, enfatizando o movimento da Rússia na direção do apoio à “causa palestina”, tendência que vem sendo cada vez mais pronunciada entre seus difusores. Não é uma coincidência que essa narrativa seja a mesma do governo petista atual e da grande maioria da esquerda.
É claro que a reação direitista, manifestada pelo apoio incondicional a Israel, apenas favorece ainda mais as narrativas de terceira posição, que dizem lutar contra o liberalismo sionista, representado por parcelas tanto dos globalistas quanto de conservadores protestantes, maior influência no bolsonarismo residual brasileiro.
Desde a publicação do documento, o NR também ampliou sua atividade de postagens no Telegram, assim como em outras redes, procurando abordar a questão Israel e Palestina, novo front de batalha entre ocidente x oriente na concepção ideológica de Dugin, possivelmente a principal linha geopolítica da Rússia hoje.
Um dos efeitos do relatório foi exposto, já nesta semana, pelo próprio NR, como segue:
“250 pedidos de filiação à Nova Resistência apenas na última semana. Nossa média é uns 100-150 pedidos por mês. (…) Mas esse salto nos pedidos é um indicativo de que existem muitas pessoas buscando o tipo de “fórmula política” que a Nova Resistência oferece. Muito mais até do que poderia parecer à primeira vista. O aumento na popularidade do nome da organização é acompanhado por um aumento na procura. O rechaço se dá exclusivamente entre os ultraliberais da esquerda e da direita, mas como esses são minoria da população brasileira eles ficam restritos em uma bolha, uma câmara de eco, falando uns para os outros. Muitas conclusões podem ser deduzidas daí.”
Se comparado com um outro relatório, porém, observa-se a aproximação de uma conclusão que resulta na perseguição de conservadores no Brasil, ainda representados pelo rótulo de “bolsonaristas”.
No início do governo Lula, demos destaque neste site ao relatório apelidado de “Minority report petista”, que buscava associar bolsonaristas aos atentados contra escolas infantis que levaram à morte crianças e professores ao longo dos últimos anos. Apesar de classificar as ideias por trás dos atentados como conservadoras e até cristãs, o único grupo mencionado no relatório foi justamente os neofascistas do Nova Resistência. Esse relatório, que foi entregue ao grupo de transição do governo petista, destinava-se à vinculação de conservadores com os atentados ligando-os até mesmo ao movimento de 8 de janeiro contra o governo federal. Ou seja, para o PT, o Nova Resistência representa a direita e há muito pouco que a direita possa fazer para desvincular-se.
Isso quer dizer que o alvo do relatório do Departamento dos EUA pode ser facilmente expandido para abarcar os conservadores brasileiros.
Ligações perigosas
Isso porque, embora essa vinculação fosse falsa naquele momento, meses depois podemos observar a perigosa aproximação entre conservadores bolsonaristas com os agentes antiocidentais do NR, realizando a profecia petista-globalista. Essa fácil aproximação se dá por conta da simpatia gerada com setores da esquerda antiglobalista, como o Causa Operária, entre outros. Essa conjuntura aponta para um desfecho pouco seguro para conservadores cristãos, mais preocupados com alianças políticas, mas cujo perigo inevitavelmente respingará nos demais.
A isso se soma a hipótese bastante provável de que políticos, jornalistas e influenciadores associados ao bolsonarismo dificilmente terão elementos suficientes para se afastarem das ideias do Nova Resistência quando essa vinculação começar a contar com fatos inconvenientes, muitos deles já alertados neste site à exaustão. Tendências internas do conservadorismo brasileiro, fruto da desatenção e foco exclusivo nas parcerias políticas e comerciais, além de simpatias culturais e gostos estéticos, alimentam uma tendência crescente e quase imperceptível para muitos.
O NR conta com uma rede de grupos e canais espalhados pelo Telegram, em sua maioria simpatizantes de sistemas ideológicos de terceira posição. Com o incremento da Quarta Teoria Política, de Dugin, essas ideologias, versões pósmodernas do nazismo, fascismo e neopaganismo, ganharam instrumentos narrativos atualizados, retirando-as do ostracismo em que se encontravam. Difíceis de serem identificadas por quem acostumou-se à dicotomia direita x esquerda e capitalismo x comunismo, esses novos sistemas ideológicos se caracterizam pela diversidade de manifestações sob um mesmo pano de fundo simbólico que mescla totalitarismo com elementos neopagãos e tradições tribais, paradoxalmente consonantes com a defesa de “religiões tradicionais”. Como já explicamos aqui, a “tradição” defendida por Dugin não é exatamente a das religiões tradicionais, embora possam ser toleradas as suas vertentes esotéricas no seu submundo multipolar.
Portanto, a publicação do Relatório do Departamento de Estado dos EUA acelerou um processo que vem sendo levado a cabo há alguns anos, isto é, o estabelecimento das ideologias de terceira posição como rivais geopolíticos do globalismo ocidental, representados pelas ideologias identitárias financiadas por bilionários de esquerda e movimentos progressistas. Esse é mesmo processo que faz avançar o islamismo no ocidente, há décadas, através do avanço já nem tão sutil do tradicionalismo guenoniano, do qual falaremos mais adiante.
A ideologia globalista só tem a ganhar narrativamente com a definição da ideologia russa como adversária declarada, já que seus principais elementos, extraídos do neonazismo e ocultismo, favorecem a sua criminalização pela parte liberal da esquerda mundial. Essa criminalização, por sua vez, fortalece as narrativas eurasianas e islâmicas, que anseiam por um confronto cada vez mais acirrado e para isso se valem da propaganda da agressividade persecutória do adversário. Os globalistas, evidentemente, sabem disso. Por trás dos teatros geopolíticos, estão as agendas espiritualistas que anseiam a mudança de eixo do poder global do ocidente para o oriente. Isso quer dizer que todos os projetos estão contra o espantalho do ocidente.
O problema que temos diante de nós é que as contradições dessa dicotomia, que apenas se diferencia no viés superficial de suas narrativas, não são perceptíveis na linguagem da opinião pública atual, seja de direita ou de esquerda.
Se até mesmo na superfície narrativa seria possível expor essas contradições, elas não serão publicadas facilmente. Afinal, Dugin está muito mais próximo das justificativas terceiromundistas, fruto da mesma aposta da narrativa anticolonial soviética, impulsionada pela esquerda em todo o mundo, tanto na Europa quanto nos EUA, do que do alegado “retorno da hierarquia” dos valores universais, como argumenta. Essa aposta anticolonial foi o combustível do ambientalismo e do globalismo, mas agora aparece na boca de um suposto antiglobalista.
No entanto, essas ideologias vêm sendo inseridas na opinião pública como principal linha crítica das ideologias da esquerda identitária e cresce à sombra de suas contradições cada vez mais evidentes. Por trás delas, esconde-se a sua profunda cumplicidade.
O jornalismo mainstream, preponderantemente ligado ao globalismo, não só não possui recursos de compreender tamanha complexidade de narrativa como, ao contrário, propõe precisamente valer-se dela para a perseguição dos adversários políticos. Se alguns jornalistas de esquerda possam até temer a entrada do islã, por seu medo da teocracia ou do terrorismo, isso será facilmente revertido pela narrativa igualmente libertária do duguinismo, seu recurso ao antiamericanismo, anticolonialismo e orientalismo, tendências já tão arraigadas na mentalidade da esquerda que dificilmente serão extirpadas por divergências programáticas.
Não é por acaso que, há mais de 10 anos, o deputado Jean Wyllys propôs a limitação da educação religiosa cristã e, ao mesmo tempo, a ampliação do espaço para história da cultura africana e árabe, com ênfase à cultura islâmica. Este fato serve como exemplo de que, para setores influentes da esquerda globalista, o tratamento dado aos homossexuais em países islâmicos é menos importante que a limitação da liberdade cristã no ocidente. Além disso, também há a limitação do ensino das raízes ocidentais, berço da democracia, abrindo espaço para toda forma de simpatia e apetência a regimes de força.
Isso coincide tanto com a atuação de células islâmicas, do globalismo, eurasianismo, quanto, indiretamente, no ativismo político partidário de parte dos próprios conservadores pela via da omissão, indiferença e desinteresse. Quanto estes assuntos renderem dinheiro e audiência suficiente para que deem atenção a ele, já será tarde demais e muitos preferirão entrevistar sufis e guenonianos, que em breve ocuparão tanto o palco conservador quanto os estúdios da Globo News. Não se trata de profecia, mas de constatação de fatos.
Da mesma forma, a consequente atração de católicos e conservadores, críticos do globalismo, para as fileiras neofascistas, facilitará a perseguição física a esses grupos, sendo a Igreja Católica um dos principais obstáculos, tanto para a Nova Ordem Mundial ocidental quanto para os projetos russo e islâmico.
O tradicionalismo
Afinal, não é por outra razão que a Igreja Católica tem sido o alvo principal tanto da atenção quanto dos ataques. De um lado, os católicos vêm sendo cooptados pela infiltração globalista da esquerda, iniciada principalmente com a operação soviética que criou a teologia da libertação entre as décadas de 50 e 60 do século passado. Isso se deu por meio da inserção de elementos protestantes e gnósticos no seio da doutrina católica através das doutrinas revolucionárias marxistas. O resultado social disso tem sido uma confusão doutrinal que leva os católicos mais fracos à apostasia, não raramente se aproximando do ateísmo ou de tradições espirituais orientais, como cristianismo ortodoxo e islamismo.
O principal combustível disso são as denúncias do progressismo da Igreja, que deixa a grande maioria em uma posição dúbia de cooperação com o mal ou apostasia formal. Sendo a maioria dos católicos com fraca convicção e fé titubeante, a irresponsabilidade das denúncias tem levado um número cada vez maior de católicos para cultos alternativos, seja de viés new age ou tradicionalista. Este último, porém, é o que mais cresce e assedia católicos.
A isso acrescenta-se o assédio tradicionalista guenoniano, possivelmente a maior ameaça ao catolicismo atual, ainda que seus efeitos venham a ser sentidos mais adiante. O processo data do início do século XX, mas seu reaparecimento tem sido observado a partir dos efeitos tardios da subversão cultural no ocidente. A principal obra de Guénon, Oriente e Ocidente, tem sido considerado uma das mais influentes em movimentos culturais e políticos juvenis de terceira posição, inclusive no Brasil.
No canal do Nova Resistência, essa referência é assumida ao lado de Dugin:
“Guenón é um dos mais importantes autores tradicionalistas do século XX, fato que torna sua leitura fundamental para a compreensão de como a Quarta Teoria Política entende a modernidade” (A voz do Nova Resistência)
Do ponto de vista católico, o perenialismo se resume na crença da existência de uma esfera ou prática espiritual superior aos sacramentos. Essa crença rompe o vínculo com a Igreja Católica já de imediato. A realidade iniciática é oposta à doutrina da Igreja e produz a excomunhão, o que é confirmado pelos decretos vigentes da Igreja a respeito da maçonaria, também uma sociedade iniciática. Mas se o interesse pelo tema não representaria, em si mesmo, uma ameaça de excomunhão, tampouco de apostasia, basta que observemos os frutos desse fenômeno.
A aproximação com esses estudos por parte de católicos tem sido fomentada pelo anseio de oposição ao materialismo, associado frequentemente ao globalismo ocidental, mas sem mencionar ou enfatizar o mesmo aspecto ocultista e esotérico das raízes globalistas. No anseio da oposição ao materialismo, cai-se na armadilha da própria cosmovisão que gerou o materialismo, mas em estado puro. É como fugir das drogas por preocupação com as toxinas misturadas, optando-se pela droga pura. Bela vantagem!
O escritor francês Antonie Motreff, que foi um guenonista por anos e delineou os principais pontos do tradicionalismo a partir da doutrina católica tomista, concluiu que a iniciação guenoniana só pode ser de origem demoníaca (leia o texto dele aqui). Não por outra razão, Olavo de Carvalho, também profundamente influenciado pela obra do sufi francês, emitiu inumeráveis alertas sobre a leitura e estudo do guenonismo. Apesar disso, o estudo “descomprometido” de Guénon vem sendo fomentado tanto por editoras conservadoras quanto as assumidamente islâmicas, como Estrela da Manhã, ligada ao Instituto Lux et Sapientiae (ICLS), dos filhos de Olavo de Carvalho.
Sobre a atividade pouco conhecida dos seus filhos, o próprio filósofo deu alertas a alunos quando disse em uma publicação de agosto de 2016:
Embora não se saiba ao certo qual o nível de certeza que o professor tinha sobre a atividade dos seus filhos, as reações de alunos e ex-alunos diante dos alertas de católicos sobre o guenonismo são dignos de atenção. Mas elas podem ser facilmente explicáveis pela própria natureza da relação iniciática. A iniciação independe da adesão a uma ou outra religião considerada “exotérica”, isto é, exterior e pública, sendo perfeitamente possível ao iniciado ocultar a sua adesão externa pelo simples fato de que ela pode mudar a qualquer momento (e na verdade nem importa tanto), dependendo da conveniência ou preferência. O próprio René Guénon casou-se na Igreja Católica enquanto já era iniciado no sufismo, corrente esotérica islâmica, tendo assumido o lado exotérico do islamismo muito mais tarde.
Isso basta para compreender como alguns difusores do perenialismo ou não mencionam sua própria religião ou, quando ditos católicos, chegam a ridicularizar ou relativizar mandamentos ou obrigações associadas à prática religiosa exotérica. Isso porque o iniciado estaria acima dessas práticas. Os alertas de Motreff e de Olavo, para ficar apenas nestes, já seriam suficientes para todo católico ficar longe deste tipo de coisa. Ou seja, se esses alertas prejudicam o avanço dessa agenda, isso também explica a razão pela qual divulgadores de Guénon, como o neoinfluencer e aspirante a iniciado, Victor Bruno, venham centrando críticas diretas a Olavo de Carvalho, buscando justificar-se na influência guenoniana do professor enquanto, simultaneamente, visam desconstruir sua relevância sobre o tema. Há neste tipo de propaganda a clara intenção de transferência de competência sobre o Guénon, tema sobre o qual o filósofo escreveu diversas vezes (incluindo obras ainda inéditas).
Esse fenômeno, embora paralelo ao duguinismo (muitas vezes até aparentemente oposto a ele) vem conduzindo um número cada vez maior de católicos à aproximação com o islamismo, quando não a relativização esotérica dos dogmas católicos por meio do indiferentismo tradicional tipicamente guenoniano. Mas não apenas católicos. Guénon vem ganhando literalmente as massas, o que destoaria um pouco da imagem de eruditos que tentam atrair para si os seus novos especialistas.
O grande problema do perenialismo é o seu indiferentismo e pretensa superioridade. Afinal, se todas as tradições são meios de acessar a “tradição primordial”, é indiferente qual religião você professe externamente. Mas isso está condenado já no século XIX, pelo Papa Pio IX, quando condena o indiferentismo religioso, segundo o qual “toda religião leva à salvação, desde que preservada a moralidade”. Não por acaso, ele se referia à maçonaria, opção preferencial de Guénon para o Ocidente como caminho iniciático (depois, ele mudou de ideia e recomendou o Islã como via mais fácil aos ocidentais).
A realidade da debandada de católicos para o islamismo e igrejas ortodoxas (fenômeno orientalista, análogo ao que precedeu a New Age), dificilmente pode ser negada. Na impossibilidade de negação dos fatos, portanto, opta-se pela ridicularização dos críticos, o que obedece mais ou menos os mesmos padrões. Quando vinda de pressupostos católicos, as críticas são respondidas com rotulações pejorativas, aparentemente indiferentes, e em tom de deboche e superioridade intelectual, um tipo de afetação, aliás, que costuma funcionar muito bem no ambiente católico brasileiro atual, profundamente esteta e sensível às representações teatrais.
Frequentemente, o constrangimento em estar associado a um grupo de censores, inquisidores, “caçadores da gnose” ou moralistas, tem grande força diante de católicos convertidos por meio de associações e estereótipos meramente estéticos e ou políticos. Com profundo desconhecimento da doutrina católica, tanto progressistas quanto conservadores acabam reduzindo-a a elementos ideológicos, como ataque a problemas como a emalsculação, o feminismo, a ideologia de gênero, o pacifismo, ambientalismo etc, problemas graves, mas cuja preocupação exclusiva gera um foco em narrativas retóricas e estereótipos com os quais se quer afastar ou atrair para si.
Todas essas mazelas do globalismo, porém, possuem sua raiz mais ou menos ligada às doutrinas metafísicas do final do século XIX, como as de Helena Blavatsky, contra a qual Guénon dedicou um livro na época em que queria agradar os católicos. Não importa tanto que Guénon tenha criticado a mãe do globalismo, já que tanto o eurasianismo contemporâneo quanto o islã atual vem se valendo do tradicionalismo de Guénon para angariar adeptos. Da mesma forma, o renascimento do interesse por Guénon se alimenta dos elementos da própria cultura pop ocidental.
Islã e satanismo na cultura pop
Esse fenômeno é perfeitamente consonante com o indiferentismo religioso moderno e pode ser apontado como uma das principais razões do seu crescimento, fruto de uma imediata identificação em grupos de jovens pouco afeitos à vida intelectual. Recentemente, um amigo me enviou prints e vídeos que mostram jovens da periferia lendo obras de Guénon, fóruns e grupos de chat ligados à tendencia MGTow, masculinistas e o conjunto de estética meme “Chad” (associado à debates sobre sexualidade e poder), que vêm demonstrando declarada simpatia ao islamismo por sua tendência moralizadora e, do ponto de vista deles, positivamente machista.
Combinada com a influência do neopagão e neofascista Julius Evola, essa sedução diante de jovens desajustados leva ainda mais diretamente às ideologias mais perversas. E isso não poderia ser diferente, já que sua ligação com o próprio satanismo é tão comprovável quanto verossímil. A dicotomia globalismo versus tradição pode ser entendida de variadas formas.
O conhecido satanista Aleister Crowley, criador da Igreja Gnóstica Católica e da Ordo Templi Orientis (OTO), teve algumas diferenças com Guénon, apesar de serem ambos iniciados na mesma loja maçônica de Paris. No livro Aleister Crowley and Islam, de Marco Parsi, há uma interessante comparação entre os dois. Ambos criticaram o cristianismo e a modernidade, encontrando a solução no Islã. No caso de Crowley, a religião de Maomé tem lugar de “fonte de inspiração”, utilizando-o para desafiar a moralidade dominante e defender uma ética de autoafirmação (liberalismo?). Já Guénon dizia querer “restaurar a tradição espiritual universal”, o que só poderia vir através do Islã tradicional. Ou seja, ambos criticavam o ocidente e viram a mesma resposta. Não é por acaso, portanto, que as duas influências andam juntas na modernidade, especialmente na cultura pop e juvenil cada vez mais.
Afinal, quanto mais aprofundada a modernidade e seus vícios, seja individualistas extremos ou coletivistas moralistas, maior a chance de um desses dois nomes aparecer como fonte de inspiração, seja estética ou teórica.
Não espanta que a revolta contra o mundo moderno esteja cada vez mais presente na cultura adolescente contemporânea, ligada à pornografia oriental, mangá, em uma estética que mescla agressividade extrema com ódio contemplativo e depressivo em relação ao mundo social, ligando-se facilmente ao mesmo tipo de desprezo da modernidade ocidental encontrado em Dugin, Evola, Guénon e Crowley, o que se desenvolve de maneira paralela à tendência intelectual do fenômeno conservador-tradicionalista supostamente interessado apenas no “retorno da alta cultura”.
É claro que diante de constatações como esta, o leitor facilmente será tachado de “caçador da gnose”, neurótico e até carola. Novamente, os rótulos, estereótipos e imagens típicas da modernidade freudiana contrária a todo tipo de repressão ou negação da cultura vigente. Não por acaso, alguns conservadores entram nesta linha sem o devido cuidado, o que vai se tornando cada vez mais perigoso. Alertar sobre perigos, no entanto, nunca esteve tão fora de moda entre os católicos, razão pela qual este artigo será razão de profundo ostracismo e recebido por muitos com grande indiferença.
Os elementos da atual direita, segmento saído de dentro de um certo conservadorismo católico cada vez mais atenuado e secularizado, vão sendo aos poucos relacionados ao barbarismo gnóstico que terminará inevitavelmente por conduzir a um acirramento desses conflitos culturais. Abstenho-me de sugerir soluções para o problema, restringindo-me a listar e descrever o problema e sua forma de movimento.
No sentido político, apesar do uso meramente partidário do tal relatório petista, no início do ano, ele não está tão afastado da realidade quando menciona o Nova Resistência, grupo cujos quadros foram compostos por ex-aderentes ao fascismo, nazismo, ligados às subculturas do black metal, profundamente influenciada pelo neopaganismo nazista da Europa (isso é assumido pelo líder do NR em um vídeo raro que já circulou no Twitter). Conservadores estão, de fato, cada vez mais próximos desses grupos, enquanto cada vez mais anestesiados sobre a sua influência.
A movimentação político-cultural segue o caminho já antecipado no imaginário profundamente gnóstico da modernidade, fenômeno muitas vezes enfatizado até por católicos ditos tradicionais. A supostamente nova cosmovisão de Dugin, proveniente de Blavatsky e das seitas gnósticas tradicionalistas iniciática contida também pela maçonaria, bebem da influência cultural da literatura de fantasia, como as de Robert E. Howard, H. P. Lovecraft e até mesmo Tolkien, tão querido por conservadores que buscam enfatizar apenas a fraca linguagem cristã da sua obra. Se fôssemos relacionar Tolkien à maçonaria, como já fizemos, há elementos para muitas “lives” recomendando aos modernos a inspiração do filólogo católico.
Dugin traz de volta os mitos blavatskianos, reaproveitados da era hiboriana de Conan, dos Mitos de Cthulhu, da mitologia nórdica e tantas outras tendências culturais modernas que tiveram como único efeito a aproximação com o ocultismo por parte de jovens e adultos das últimas décadas. Mas há muito tempo os católicos conservadores deixaram esse tipo de investigação de lado, preferindo jogar com maçãs podres na expectativa de colher bons frutos. Mas para isso eles se baseiam em perigosos pressupostos.
Preferindo a boa recepção cultural para uma evangelização questionável, muitos católicos acabam acreditando que a doutrina católica não pode mais ser compreendida nem apresentada sem que seja pela linguagem cultural do tempo presente. Este foi o erro do personalismo, adotado por muitos teólogos modernos, incluindo São João Paulo II (mas, como diz Gabrielle Amorth, “santidade não protege de ideias erradas”).
O próprio Catecismo passa a necessitar de interpretações intelectuais elaboradas. Trata-se evidentemente de uma soberba intelectual provocada por uma sedução racionalista semelhante à iluminista, que põe o cálculo humano no centro da efetividade de tudo, deixando de lado a cooperação com Deus como meio de toda pretendida efetividade. Esquecem-se de um dos mais sábios conselhos de Olavo de Carvalho, o de não concentrar-se tanto nos efeitos dos seus atos, mas em fazer a coisa certa.
Antiglobalismo: centro da propaganda russa atual
O avanço das ideias eurasianas e do islamismo, no Brasil, ocorre principalmente mediante a denúncia reiterada e exclusivista das tramas globalistas ocidentais como se fossem a única ameaça existente. O foco em efeitos na moralidade social provocam maior eficácia na progressiva desilusão e reforço de projetos autoritários e de uma estética de violência cada vez mais justificada.
Em segundo lugar, a denúncia centrada nas tramas financeiras igualmente produzem o efeito do ódio contra o capital, instrumentalizado tanto por movimentos de esquerda marxista, como o trabalhismo, quanto por tradicionalistas antiliberais católicos. Essa vertente, que seleciona aspectos apenas do capitalismo em sua crua realidade, frequentemente compara-o com conteúdos espiritualistas do oriente e seus aspectos culturais, a partir de uma comparação desleal.
Afinal, ninguém fará a comparação entre um mosteiro trapista e o trânsito de Nova Déli, mas, ao contrário, mostra imagens da sociedade islâmica e da sua prática religiosa, confrontado com o caos e o materialismo ocidental em suas expressões mais caricatas. Esta foi precisamente a técnica de Guénon no livro Oriente e Ocidente, não por a caso o mais popular entre neofascistas atuais. No entanto, por mais absurda que possa parecer este tipo de comparação, ela ganha o apreço de muitos ditos intelectuais.
Os idiotas úteis contam-se entre conservadores desatentos, católicos tíbios e protestantes politizados, mas também por parte de liberais atentos às ideias da moda para produção de seus conteúdos alinhados ao público alvo de direita. Foi assim que os meninos do 5º Elemento chamaram Dugin e foram considerados “colegas” pelo Nova Resistência, o influencer Kim Paim, todos ligados a especuladores financeiros e modistas da publicidade.
Outro aspecto que fragiliza esse conservadorismo cultural têm sido as alianças estratégicas. Evangélicos, maçons, espíritas e até teosofistas contam-se nas fileiras da direita, produzindo conteúdo e influenciando nas opiniões diversas. O senador Eduardo Girão foi o proponente de uma sessão solene em homenagem à Nova Acrópole, grupo de divulgação das ideias da teosofista Helena Blavatsky. No entanto, o senador conta com o apoio de católicos. Este tipo de aliança, que é refém do interesse e foco de atenção exclusivo na política, acaba servindo de amarra para silenciamentos propositais e favorecendo o avanço de agendas cuja denúncia não esteja ligada a uma moda vendável ou popular na bolha católica.
Essa rede de omissões, mesmo quando não produza adesão aberta à Rússia ou ao Islã, é explicável pela teoria da espiral do silêncio. Para não afetar as parcerias e as amizades, silencia-se sobre ameaças percebidas e, em alguns casos, até mesmo a percepção dessas ameaças acaba sendo prejudicada pelos interesses comerciais.
No entanto, se isso serve de alerta, como sempre ocorre nos movimentos revolucionários, os idiotas úteis, ou companheiros de viagem, se definem como simpatizantes superficiais das ideias do inimigo, que acabam auxiliando no trabalho sem no fundo compreenderem totalmente o objetivo final. Quando compreendem, porém, passam a representar as ameaças mais perigosas para o projeto ideológico pelo qual trabalharam. Por essa mesma razão, tendem a ser os primeiros a serem eliminados.