Quem poderia imaginar que o governo petista iria se unir ao STF para criar leis próprias sob medida para perseguir todos os que se meterem no caminho das suas agendas? Qualquer um que estudasse minimamente o assunto e até menos que isso. A invenção de crimes irá prosperar ainda mais, considerando a conjunção de fatores favoráveis.
Os ministros do STF são o fruto maduro da atuação revolucionária de longo prazo na formação acadêmica do direito, como teses do ativismo judicial amparados por nomes como Richard Dworking, somadas à atividade político partidária-criminosa dos próprios indivíduos ocupantes do Supremo atual. Somado a isso, a chegada ao poder pelo PT, partido fundador do Foro de São Paulo, maior entidade articuladora de políticas de esquerda do mundo, e sua agenda combinada entre o programa ideológico da esquerda, somado ao sentimento de vingança de Lula e a profunda consciência de oportunidade única histórica para implementar mudanças (era pós-Bolsonaro), temos a receita para a instalação de um sistema todo de regulação extrema e invenção de delitos indefinidamente.
Mas a situação pode ser ainda pior quando os inventores dos crimes e delitos definem os termos a serem usados pela mídia, e até para os seus críticos, elevando seus atos arbitrários à categoria de elementos da “regra do jogo”.
Dalagnol foi cassado sob a surreal “acusação” de hipoteticamente, quem sabe, ser alvo de um processo administrativo no Ministério Público. Há uma semana, o Telegram foi obrigado a declarar-se culpado de crime inexistente pelo ministro Alexandre de Moraes. Evidentemente, temendo algo pior, a empresa obedeceu e fez a declaração, produzindo provas contra si mesmo pelo mesmo delito inexistente de “ilícita desinformação”.
“O tempo de liberdade de expressão não regulada acabou no Brasil”, disse o ministro Flávio Dino em reunião com o Twitter, outra empresa na mira do governo por conceder excessiva liberdade para os usuários, especialmente os opositores do regime.
A declaração foi dada no mês passado, época do massacre ocorrido em uma escola em Santa Catarina, quando publicamos com quase exclusividade um relatório que buscava vincular os massacres às ideias conservadoras, de direita, e por que não dizer, antipetistas, incluindo aí os manifestante do dia 8 de janeiro, que foram à Praça dos Três Poderes protestar contra o governo petista. O relatório, apelidado no EN como Minority Report Petista, buscava culpar conservadores por crimes não cometidos (ainda), isto é, inventados a priori, com vistas a justificar a censura e perseguição prévias, pautas já tão conhecidas não apenas do PT como de toda a esquerda.
A ONG Transparência Internacional alertou, nesta quinta-feira (18), para o “risco” que corre a democracia brasileira, como divulgamos no EN. No entanto, o alerta, feito na linguagem usual dos grupos internacionais que amparam grande parte das justificativas usadas para a implementação desse novo regime no país, como “democratização da comunicação” e luta contra a “desinformação”, tem pouca valia como forma de descrever o fenômeno real do qual padecemos.
Afinal, assim como a cassação de Dalagnol e o ultimato ao Telegram, para citar apenas dois exemplos simbólicos, as chamadas instituições do festejado Estado Democrático de Direito estão sendo utilizadas para inventar crimes, sugerir punições tiradas da paranoia ditatorial dos seus titulares. E talvez elas tenham sido ao longo do tempo preparadas justamente para isso. Se é assim, há motivos pelos quais todas as reações ao problema serão extremamente frágeis e até mesmo impotentes.
Essa impotência se dá no campo linguístico: uma cassação de deputado, por exemplo, corresponde a uma figura jurídica e política reconhecível, a partir da qual a maioria das opiniões e posições tomadas partem para verbalizarem seus descontentamentos. Ao mesmo instante que e trata o episódio como “cassação”, esteriliza-se e castra-se a comunicação real do fato, obrigando à aceitação e legitimação do ato como uma ação dentro das regra do jogo democrático e jurídico. O formalismo democrático é, por definição, a fenda por onde entram as tiranias oportunistas.
O mesmo se deu na ocasião do ultimato ao Telegram. A imprensa noticiou como uma “determinação do ministro Alexandre de Moraes”, atendo-se à definição formal dada pelo próprio ex-advogado do PCC, um homem cuja malícia parece não contar com concorrentes à altura na esfera pública.
Ora, essa tal “determinação” estava amparada numa lei que não existe, inventada e imposta pelo ministro simplesmente “porque sim”. Infelizmente, parece inexistir figura jornalística para descrever esse fato, o que fez com que os jornalistas recorressem ao formalismo da descrição dada pelo próprio inventor do crime, que se tornou, assim, o master of puppets do efeito social das suas próprias ações, um poder que a nenhum outro ser humano é dado em sociedade, já que o efeito de nossas ações, em geral, escapa das possibilidades da maioria dos seres humanos normais.
Muitos outros crimes inventados nos últimos anos poderiam ser elencados aqui e muitos outros virão, principalmente se o jornalismo e os opinadores de plantão continuarem se valendo dos termos de criminosos para descrever seus próprios crimes. Como seria descrito um crime passional ou um assalto se os jornalistas elegessem o próprio criminoso como fonte primária e definidora da explicação oficial do fato? É diante disso que estamos: sequestrados por uma prisão linguística fornecida pelo formalismo e pelos jargões convencionais, cujo lastro na realidade está tão distante de nós quanto o período paleolítico.