O princípio orientador da regulação proposta pela esquerda para a comunicação no país é o do controle totalitário e por tempo indeterminado, de acordo com os moldes soviéticos. Essa não é uma opinião ou classificação arbitrária, xingamento ou tentativa de qualificação negativa. Trata-se de um resumo bastante sintético do que vem sendo escrito sobre o tema, a cargo da esquerda universitária, há décadas, sob a forma do debate da “democratização da comunicação”.
A ideia é preencher todo vácuo técnico, burocrático, que possa dar alguma margem de ação não esquerdista no ambiente público, por uma estrutura cujo critério máximo seja a razão revolucionária, a absoluta coerência programática do regime. Essa é a pauta da esquerda desde que surgiu no mundo.
Para os marxistas, os jornais são megafones de repercussão e disseminação da ideologia capitalista, máquina da história segundo a qual o proletariado é oprimido inevitavelmente. A ruptura com essa cadeia de opressão necessita, para eles, uma reestruturação total. Assim como a Igreja, o Estado e a família, para Engels, o mídia também é um instrumento perpetuador da exploração e deve, por isso, ser destruído e reestruturado nos moldes da verdadeira libertação.
Essa força burguesa cuja ideologia parece arrastar a história na direção da exploração inevitável é nada menos que o mercado. E a grande questão que acabou criando, no Brasil, uma narrativa antipetista baseada no puro liberalismo econômico, é que em parte a esquerda tem alguma razão. Mas a resposta para esse problema definitivamente não está no ultramoralismo antimercado do PT e de Flávio Dino, cujas disposições análogas ao mais fascistas dos programas totalitários, visa substituir as forças de mercado não pelas forças do Estado, como acreditam os liberais, mas pelos critérios ideológicos do PT e seus intelectuais, o que é bem pior.
Essa é uma incompreensão que a direita mantém viva, repetindo chavões que apenas alimentam o avanço revolucionário de uma esquerda que tem muito clara a estrutura na qual está inserida e sabe o quanto pode consentir ou não para avançar.
O livro “Introdução crítica ao direito à comunicação e à informação“, de vários autores, dirá inexoravelmente:
…já antes de Engels, o próprio Marx, estabelecendo as diretrizes duma atuação parlamentar dos socialistas, mostrava que o sufrágio universal, de instrumento de engodo (com a força do dinheiro deturpando os pleitos) pode, entretanto, converte-se num meio de libertação (quando neles influam as vanguardas políticas, organizadas com apoio na massa).
Ou seja, as eleições são uma ferramenta ilegítima, mas que pode ser útil se elege o candidato da esquerda. O livro é de 2016, e por ser mais marginal, ainda apostava no sucesso das alternativas como o Humaniza Redes, que acabou virando piada nas redes sociais. De modo geral, a fé que a esquerda tinha nas redes sociais acabou. A crença de que a participação popular traria uma emancipação de esquerda falhou e o que se viu foi o povo pedindo liberdade, estabilidade política, menos estado e a punição de políticos corruptos da esquerda.
A ideia de libertar a comunicação, e agora as redes sociais, das forças do mercado, esconde essa utopia em um mundo libertado de uma força demoníaca herdada talvez pelo Pecado Original: a exploração. Trata-se de uma força universal que só pode ser contida pela ação constante, coletiva e individual, dos militantes revolucionários. Para isso, não se pode deixar o andamento das coisas nas mãos da burocracia, que são os “critérios técnicos”, tão queridos pelos nossos militares. Tampouco se pode deixar nas mãos do “reacionarismo”, que são todas as formas de reação contra o avanço da revolucionário.
A defesa da “democracia”, embora em um certas conjunturas essa palavra signifique socialismo, é importante para a esquerda justamente no sentido de ampliar a liberdade política da própria esquerda para que ela “corrija” constantemente o rumo das coisas quando elas escorregam, seja para o mercado seja para a burocracia. O critério de tudo deve ser unicamente ideológico, pois é a ideologia revolucionária (proletária ou suas análogas pós-modernas do identitarismo) que terão o poder de salvar a humanidade do Erro da Exploração, também referido como desigualdade, injustiça, autoritarismo, “golpe”, golpismo, fascismo, bolsonarismo e qualquer outra palavra que inventem.
Este é o contexto que explica frases e ações do governo petista que aparentemente são recebidos pelos jornais e pela sociedade com espanto. O controle dos meios de comunicação não terá fim nas mãos do PT, já que não é uma proposta de reforma, um mero reformismo estrutural ou uma correção da democracia para ampliação das liberdades. Pelo contrário, a ideia por trás da regulação da internet não tem absolutamente nada a ver com a coibição de mensagens neonazistas, desinformação ou discurso de ódio. É a concretização de um projeto de décadas no sentido que converter os meios de comunicação em instrumentos ideológicos para reorganizar a sociedade sob os moldes totalitários, exatamente como previu e recomendou Lênin.
A prova disso está em uma bibliografia densa e de difícil leitura, muitas vezes com sentenças labirínticas por onde se escondem propostas verdadeiramente indecentes e de uma ousadia assemelhada à mais brutal cartilha totalitária. Atribui-se a frase “Tudo para o Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado” ao ditador Benito Mussolini, na década de 1920, para descrever o regime totalitário. Quando compreendemos, porém, os princípios mais basilares do marxismo, sabemos o quanto Mussolini devia aos sindicatos trabalhistas proletários aos quais pertenceu na juventude, quando Enrico Coradini esboçava as primeiras frases da sua teoria dos “estados proletários”, utilizada depois por Stalin e, mais tarde, pelo próprio Mussolini.
Neste sentido, pode ser desanimador concluir que toda a classe política, seja ela de direita ou centrista, serve aos projetos da esquerda como confirmação de toda a sua narrativa. Quando a direita negocia com a esquerda, é para aqueles uma forma de calar ou aquietar os adversários, mas para estes uma parte importante de um processo que ainda reside na escuridão da ignorância desses políticos. Justamente porque a esquerda odeia a burocracia e seus critérios técnicos, é que os mantém sob controle, ocupando os principais espaços e dominando, há décadas, a própria linguagem jurídica na qual serão redigidos os projetos de lei de deputados de direita.