As mudanças no rito da coroação do rei Charles III estão dando o que falar no Reino Unido. Desde que começaram os preparativos, a pressão do próprio rei para a inclusão de outras denominações religiosas em uma cerimônia historicamente marcada pela elevação do anglicanismo, escancararam as suspeitas sobre o possível abandono da fé cristã pelo monarca que será coroado neste sábado, 6 de maio.
Pela tradição, o rei do Reino Unido é declarado “defensor da fé” e é oficialmente o chefe da Igreja Anglicana. Mas o rebaixamento do cristianismo na cerimônia tem sido evidente desde que começaram os preparativos para o evento que será acompanhado por todo o mundo no próximo sábado.
De acordo com o jornalista Ivan Kleber, que mora na Inglaterra, até 48 horas antes da definição das mudanças na cerimônia, os líderes da Igreja Anglicana ainda estavam tentando convencer Charles a se declarar “defensor da fé”, o que o monarca insiste em negar, preferindo o título de “defensor de todas as fés”.
Conforme os jornais ingleses, as autoridades acabaram confirmando que as religiões terão “um papel fundamental na coroação”. O rei é conhecido por suas posições progressistas e modernistas em favor da ideologia ambientalista e sua simpatia histórica pelo islã, o que vem pesando fortemente para as mudanças buscadas por ele.
À imprensa, o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, a quem cabe tradicionalmente a unção e coroação do rei, admitiu que embora a cerimônia seja essencialmente “um ato de adoração cristã”, as mudanças na liturgia promovidas pelo próprio rei irão refletir o que o arcebispo chamou de “diversidade de nossa sociedade contemporânea”. A cerimônia também contará pela primeira vez com o clero feminino, novidade adotada pelos anglicanos.
A principal mudança, porém, não tem nada de sutil como parece indicar o arcebispo: na oração imediatamente anterior ao juramento do novo rei, ao arcebispo caberá a humilhante tarefa de dizer, à toda a congregação da Igreja da Inglaterra, que aquela igreja “promoverá pessoas de todas as fés e crenças que possam viver livremente”.
Trata-se da mudança mais radical já feita desde que o rei Henrique VIII rompeu oficialmente com a Igreja Católica, dando início ao anglicanismo.
Isso porque, segundo o jornal iNews, o próprio rei disse que gostaria de ser declarado como o “defensor das fés” ao invés do título tradicional de “defensor da fé”, que remetia à exclusividade da fé cristã protestante. Com isso, o rei quer refletir a “diversidade da sociedade britânica, já que esta última se relaciona com a igreja anglicana.
O arcebispo Welby integrou um grupo multirreligioso formado por especialistas em teologia, história constitucional monárquica e relações interreligiosas para conciliar a montagem da cerimônia em consulta estreita com o rei e o governo britânico. Outra novidade, de acordo com o jornal inglês, será a “homenagem do povo”, que substituirá a tradicional homenagem aos colegas, que será feita em uma transmissão global com convidados, onde haverá um “grande grito em todo o país e no mundo em apoio ao rei”.
A diversidade cultural e religiosa da Inglaterra já é algo bastante evidente, embora haja resistência a uma ampliação do papel de outras culturas nas instituições mais tradicionais. O país já possui um primeiro-ministro hindu, assim como a Escócia, mas a monarquia ainda permanecia ligada à tradição anglicana. Até agora.
A histórica aproximação de Charles com autoridades islâmicas sempre preocupou os britânicos. No entanto, muitos pensavam que o compromisso com a família real, a tradição britânica e a coroa pudessem ofuscar essa predileção que pareceu aos olhos dos súditos e da imprensa como uma mera excentricidade do futuro monarca. Ao que parece, porém, a confissão secreta ou submissão do novo rei a uma autoridade religiosa, senão secreta, ao menos discreta, vem tomando lugar de destaque e provocou mudanças mais radicais do que se imaginava.
No início de abril, o EN publicou um texto sobre a história da ligação de Charles com o islã, quando o rei então pressionava para mudanças na cerimônia de coroação e encontrava, à época, alguma resistência de autoridades anglicanas que, aparentemente, cederam à pressão.