A médica pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Margareth Dalcolmo, entrevistada pelo Jornal Nacional no dia 1 de abril para desmentir supostas fake news sobre vacinas, possui vínculos formais com a farmacêutica Pfizer, principal produtora de vacinas contra a covid-19. Dalcolmo já foi entrevistada outras vezes ao longo da pandemia pela Rede Globo, que não mencionou o conflito de interesses declarado pela própria médica em seus trabalhos publicados.
A pesquisadora foi chamada para desmentir supostas fake news sobre as vacinas contra covid-19. No final do ano passado, Dalcolmo, que virou uma das referências de jornais para falar de vacinas, foi eleita para a cadeira de número 12 da Academia Nacional de Medicina e festejada como a quinta mulher a fazer parte da Academia. No site G1, também do grupo Globo, a médica é apresentada da seguinte maneira:
Dalcolmo publicou mais de 100 artigos científicos no Brasil e no exterior, e teve papel fundamental no esclarecimento de informações sobre a pandemia da Covid-19. No ano passado, lançou um livro sobre a visão da ciência para o enfrentamento do coronavírus reunindo artigos escritos para o jornal “O Globo”.
O vínculo com a farmacêutica, que representa conflito de interesse, não é mencionado pelas publicações jornalísticas que trataram da especialista, apesar de ser declarado pela própria médica em um de seus trabalhos, que pode ser lido aqui.
No documento, ela declara as seguintes atuações:
Membro do grupos de trabalho Task Force Group for new TB treatments e
Essential Medicines List – OMS
• Membro do Expert Research Group do Banco Mundial para países da
África Subsaariana
• Investigadora principal do ensaio SimplicTB – Global Alliance
• e Vacina BCG para Covid 19
• Membro e ex Coordenadora da Câmara Técnica de Pneumologia e Cirurgia
Torácica do CRM – RJ
• Advisory boards Abbott, Janssen, Novartis, Eurofarma , Pfizer
Em novembro do ano passado, Dalcolmo venceu o Prêmio Jabuti na categoria Ciências com o livro: “Um tempo para não esquecer: a visão da ciência no enfrentamento da pandemia do coronavírus e o futuro da saúde”, publicado pela editora Bazar do Tempo. A divulgação do prêmio foi feita no site da Escola Nacional de Saúde Pública, que também não mencionou a Pfizer.
Questão ética
A existência do conflito de interesse foi denunciado no Twitter, pela médica Maria Emília Gadelha Serra, que levantou questionamentos sobre a ética deste tipo de procedimento.
“Agora começamos a entender o motivo da Sra. @DraDalcomo, @fiocruz, ser defensora ardorosa das ‘vacinas’ contra COVID-19 …Vale ser Conselho Consultivo da Pfizer e da Janssen? Quanto recebe? E a ética, onde fica?”, questiona a médica.
Agora começamos a entender o motivo da Sra. @DraDalcomo, @fiocruz, ser defensora ardorosa das "vacinas" contra COVID-19 …Vale ser Conselho Consultivo da Pfizer e da Janssen? Quanto recebe? E a ética, onde fica?
https://t.co/o6kzqF895Fhttps://t.co/lTjG2znBma#estamosde👁👁 pic.twitter.com/mGfIQWOroW— Maria Emilia Gadelha Serra, MD (@dramariaemilia) April 26, 2023
O médico endocrinologista e pesquisador Flávio Cadegiani também criticou a falta de transparência jornalística e da classe política sobre o tema. Ele mostrou o print de um e-mail que recebeu da Pfizer convidando-o para um webinário junto ao Ministério da Saúde, o que demonstra o vínculo governamental com a farmacêutica.
“Ministério da Saúde não tem nenhum impedimento para fazer parceria com a Pfizer? Acho que não, mas achei de relevância que saibamos”, disse o pesquisador.
Ministério da Saúde não tem nenhum impedimento para fazer parceria com a Pfizer? Acho que não, mas achei de relevância que saibamos. (Vejam o print na resposta a este Tweet)
— Flavio A. Cadegiani, MD, MSc, Ph.D. (@FlavioCadegiani) April 26, 2023
O médico e infectologista Ricardo Zimermann também comentou o conflito de interesses, a sua omissão diante do jornalismo e do governo federal, responsável pela compra dos medicamentos da farmacêutica.
Isso é completamente inaceitável. É um escárnio. Perdeu-se completamente a noção. Como pode alguém que está na folha de pagamento de fabricantes de medicamentos ter voz ativa na determinação da compra de insumos feita com dinheiro público? Como pode emitir opiniões, muitas vezes de cunho coercitivo, sobre políticas em saúde que afetam milhões de brasileiros?
Isso é completamente inaceitável. É um escárnio. Perdeu-se completamente a noção. Como pode alguém que está na folha de pagamento de fabricantes de medicamentos ter voz ativa na determinação da compra de insumos feita com dinheiro público? Como pode emitir opiniões, muitas vezes… https://t.co/1VtWJDWFGF
— Dr. Ricardo Zimerman (@ZimermanRicardo) April 26, 2023
Falta de transparência
Em entrevista ao EN, no dia 13 de abril, o infectologista Francisco Cardoso falou sobre a responsabilidade de autoridades médicas e da mídia pela crescente hesitação vacinal no país, tema de um workshop que pretende apresentar online no dia 3 de maio.
Para ele, a falta de transparência está levando as pessoas a desconfiar não apenas das vacinas de covid-19, mas de todas as outras.
“Este é o nosso grande problema atualmente: a conduta das autoridades públicas em ocultar informações, negar eventos adversos, desinformar sobre riscos e benefícios, é o que está fazendo a população no Brasil e no mundo começar a ter medo de tomar vacinas”, disse o infectologista, na matéria.
Sem resposta
O EN entrou em contato com a produção do Jornal Nacional nesta quinta-feira (27), mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.
Questionamos sobre a razão para a omissão do potencial conflito de interesse declarado pela própria especialista e se há na empresa alguma política específica para evitar eventuais prejuízos à credibilidade das fontes científicas e médicas consultadas pela emissora.