Nesta semana, a CNN Brasil divulgou com exclusividade uma série de imagens do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que mudou o curso dos acontecimentos políticos, dando margem a atuação da oposição ao governo Lula no sentido da instalação da CPMI do 8/1. Alguns perfis do Twitter especularam se houve relação desse fato com o recente rompimento da neutralidade do governo brasileiro sobre a questão da Ucrânia, o que culminou na visita do Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, apenas um dia antes do vazamento das imagens.
A ligação entre uma coisa e outra apresentou grande verossimilhança para quem compreende o jogo geopolítico e alguns perceberam de maneira mais tosca, outros mais aprofundada. No entanto, mesmo que o vazamento não resulte em prejuízos políticos diretos para o governo, não parece ser improvável que ele tenha ligação com alguma atuação do governo de Joe Biden no sentido de demonstrar a insatisfação com a postura brasileira em relação à guerra da Ucrânia.
Na visita do ministro russo, Lavrov disse que Brasil e Rússia comungam de uma “visão única” sobre os acontecimentos no leste europeu e, nas palavras do ministro de Putin, apoiam conjuntamente uma “visão de mundo multipolar”. Outros fatos podem indicar essa ligação.
No dia 13 de abril, a embaixadora dos EUA, Elisabeth Frawley, visitou os estúdios da CNN Brasil.
O jornalismo livre e independente é fundamental para sustentar sociedades democráticas. Hoje, conheci os estúdios da @cnnbrasil em São Paulo. Adorei ver uma das principais marcas americanas tão bem representada no país! pic.twitter.com/BN2pDGwjct
— Embaixadora dos EUA Elizabeth Frawley Bagley (@USAmbBR) April 13, 2023
Pouco depois, a CNN publicou algumas entrevistas com embaixadores sobre a condução da política externa de Lula e suas possíveis consequências.
A postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em relação à guerra na Ucrânia pode afastá-lo de líderes estrangeiros e reduzir o diálogo do Brasil com a comunidade internacional, segundo avaliações de embaixadores de países ocidentais lotados em Brasília. A CNN conversou reservadamente com três chefes de representações diplomáticas na capital brasileira e ouviu palavras como “irritantes”, “decepcionantes” e “infelizes” para descrever as falas de Lula.
Não há dúvidas de que a polarização Rússia x Ocidente não está apenas no radar ideológico dos eurasianistas, mas trata-se da própria política do BRICS, algo que ficou claro nas declarações de Lula sobre o dólar na China. A aproximação de Lula com Pequim não é tão preocupante, pois isso até mesmo Biden mantém ainda que pouco discretamente. O problema está na aproximação com a Rússia, a bola da vez da polarização globalista.
Como mostrei no debate publicado pela Editora Danúbio, A guerra na Ucrânia e a Nova Ordem Mundial, as duas agendas globalista e eurasianista se complementam, mas necessitam dessa polarização pública aprofundada com a guerra da Ucrânia. O globalismo é o sistema vigente, a situação. A união entre globalistas e outros blocos vão no mesmo sentido, o da mudança de eixo de poder no mundo desde o ocidente para o oriente, seguindo os gurus que ambos os blocos têm em comum.
Portanto, é evidente que Biden não gostou da visita de Lavrov ao Brasil, assim como as declarações de Lula frente à Rússia. Como bom oportunista, Lula quer estar com globalistas, chineses e russos simultaneamente. Mas o teatro das tesouras global não é para oportunistas amadores como ele.
Jogo das tesouras
Essa oposição entre globalistas e eurasianos é de proveito para ambos os lados. De um lado, os globalistas apressam o processo de perseguição direta contra conservadores ao atacarem a Rússia, jogando-os diretamente no colo de seu suposto adversário. Isso está funcionando na Europa e grande parte da direita europeia já se alinha a Putin justamente por este se dizer contrário ao globalismo, o que vem sendo quotidianamente confirmado pelas sanções e ataques de países ocidentais, o pedido de prisão em Haia, etc. Com os conservadores ao lado de um tirano que invade outro país, vem sendo relativamente fácil associar essa direita a ideias neofascistas defendidas por Putin — isso para não falar dos vínculos neonazistas que ainda não foram descobertos ou mencionados por essa esquerda abertamente.
Por outro lado, a falsa oposição ajuda Putin a confirmar sua narrativa de “russofobia” global, uma versão pós-moderna da nem tão moderna geopolítica de Aleksandr Dugin, roubada de Houshoffer, o guru nazista. Essa ideia opõe duas civilizações, a ocidental e a oriental, o que Dugin dá as cores de guerra espiritual. Cada sanção confirma e arrebanha novos exércitos de jovens desajustados órfãos da modernidade.
Questão de Taiwan
Ao mesmo tempo, apesar da aproximação comercial com a China não ser um problema neste sentido, essa inclinação da maneira como foi feita pelo governo brasileiro pode, sim, preocupar os países membros da OTAN. Afinal, Lula não apenas foi ao país asiático para assinar acordos comerciais, mas o Brasil assinou uma declaração conjunta posicionando-se de maneira muito clara sobre a questão de Taiwan, no sentido contrário aos EUA. É evidente que mesmo no governo Bolsonaro esse posicionamento não foi descartado, mas devido a uma pressão histórica fortíssima de ambos os lados, sendo ainda mais contundente do lado chinês: qualquer país que reconheça a soberania de Taiwan arrisca gravemente a sua relação não apenas com a China como com seus parceiros mais próximos, sendo submetido a um efeito impremeditado de retaliações muito além da sanção comercial. A questão é cara para Pequim, assim como para o mundo civilizado que aceita a soberania taiwanesa.
Apoiadores da Rússia no Brasil perceberam rapidamente a ligação entre os vazamentos para prejudicar o governo e a posição brasileira sobre o bloco eurasiano. Se o Brasil quiser se juntar aos países de governos populistas e neofascistas, irá certamente agradar muitos desses grupos, mas será que Lula irá aceitar de bom grado as sanções dos países de UE e dos EUA enquanto tenta manter a aparência de grande pacificador e dialogador?