A mera sugestão da deputada Sâmia Bonfim (PSOL) de extinguir a nomeação de curadoria ou defesa dos interesses do nascituro, em assassinatos intrauterinos não puníveis, nos casos de estupro, demonstra a inversão de princípios básicos constitucionais, segundo os juristas Eduardo Cabette e Danilo Martins, em artigo publicado na conceituada revista do meio jurídico Prática Forense, em sua edição de número 73, publicada em janeiro deste ano.
O artigo, que foi destaque de capa da edição, expõe longamente as contradições e absurdidades da proposta. Entre elas está a alegação de que a nomeação de defensor do feto não seria uma “colisão de direitos”, já que o feto “não tem direitos”.
Mais do que atentar contra a realidade fática, ética e jurídica, dizem os autores, a proposta mesma se torna o ativismo jurídico contrário ao próprio Poder Legislativo.
É algo terrificante assistir uma parlamentar insuflar o ativismo judicial ilegítimo e inconstitucional. Já se viu falar em corporativismo quando um membro de um órgão, poder, profissão etc., exagera na defesa de seus pares e prerrogativas, mas o que se vê aqui é um estarrecedor corporativismo reverso, no qual um membro de um Poder incentiva, possivelmente ignorando o que faz, o solapar das prerrogativas do legislativo a que pertence.
A contradição desumana exposta pela deputada também é destacada pelos autores quando a parlamentar defende os animais como sujeitos de direito, enquanto nega ao ser humano o mesmo status. Essa discrepância, recordam os autores, não é nova na história das ideias e práticas políticas. Os autores recordam da propaganda eleitoral da deputada, que mencionava o respeito a todos os seres vivos, “inclusive os animais” (sic).
Citando inicialmente um trecho de um discurso de Hitler (“Im neuen Reich darf es keine Tierquälerei mehr geben” – “No novo Reich não haverá mais lugar para a crueldade contra os animais”), Ferry demonstra que a legislação nacional – socialista foi a pioneira na quebra do paradigma antropocêntrico das leis ecológicas. Nessa toada, entre a zoologização e reificação dos homens e a antropomorfização dos animais, surgem teóricos eugenistas nos Estados Unidos, como a pioneira advogada do aborto, Margareth Sanger, que falava em eliminar “ervas daninhas humanas”.11 E no seguimento, ao lado do culto aos animais, exsurge o já mencionado “Reich Eugenista de Hitler”, no bojo do qual, antes da chamada “solução final”, consistente na eliminação física direta das pessoas em geral, se utilizou sobremaneira de técnicas de “engenharia racial” como a esterilização e o aborto.
O artigo contém ainda um minucioso exame das teorias eugenistas históricas, em autores como Margareth Sanger, até hoje tida como precursora do feminismo abortista, e contemporâneos como Peter Singer, entusiasta do direito dos animais em detrimento do ser humano. Autores que por mais absurdos que defendam mantém-se na moda em meios acadêmicos de ciências humanas e aplicadas, como o próprio direito.
Os autores confrontam as diversas teses insustentáveis da deputada, assim como da bibiliografia existente no ataque ao direito à vida, como ideias segundo as quais a crença na importância e no valor da vida humana sejam como que crenças místicas. Ao contrário, os autores recordam que a própria Igreja Católica passou a se utilizar da fundamentação biológica para a defesa da vida como sujeitos de direitos.
Comprovando a dignidade da vida humana em variadas áreas do conhecimento, os autores citam até mesmo o direito funerário, que prevê devidos direitos ao sepultamento, expondo ainda todas as linhas jurídicas que confirmam tal dignidade. O texto termina citando os acordos internacionais a que o Brasil é signatário, compartilhando com o mundo a defesa da vida humana e, ao final, recordando os pressupostos básicos da própria medicina que, como lembra Hélio Angotti Neto,
Um detalhe pragmático que muitos também optam por esquecer: o feto é considerado paciente. Se para uns médicos, o feto merece cuidado, incluindo anestesia em procedimentos cirúrgicos de altíssima complexidade no útero materno, como podemos concordar que outros médicos considerem o feto apenas um monte de carne indesejável a ser expelido?
O longo artigo expõe com exaustão todas as áreas do conhecimento no qual a dignidade da vida tem lugar de pressuposto e fundamento, não sendo possível nem concebível as sugestões como a da deputada Sâmia Bonfim. No esforço de convencer os órgãos competentes a não levar em conta tamanha absurdidade como:
…o um enorme equívoco fático, ético e jurídico diante do ordenamento brasileiro e mesmo internacional. Ademais, ficou claro que a Defensoria Pública detém atribuição própria que não pode ser violada pelo CNJ ou por qualquer outro órgão, já que decorrente de leis e normas constitucionais.