Depois de festejar o vazamento das imagens do GSI, a oposição está progressivamente perdendo o sorriso ao ver o governo “colonizar” a narrativa a partir dos vídeos vazados. A mesma força política que tirou Lula da prisão, candidatou o presidiário, venceu, tomou posse, angariou presidências nas principais comissões do Parlamento, não perderia uma batalha tão importante.
Os indícios já são inegáveis, embora deputados e internautas da direita dados a um otimismo incorrigível digam que o “governo está perdido”. Diante das evidências de que o governo terá mais condições de usar a CPMI como cavalo de Tróia contra a oposição, deveriam os deputados desconversarem e passarem a defender ampliação de imunidade parlamentar urgentemente. As chances dessa CPMI ser uma repetição daquela que pretendeu investigar supostas fake news ou da covid-19, ambas criadoras de crimes que serviram de tribunal de exceção contra a direita, são imensas para dizer o mínimo.
É claro que isso será feito com a ajuda da mídia. O colunista Daniel Cesar, do IG, que tem “adivinhado” algumas ações do governo, já cantou a bola da narrativa que será usada e começa a criar condições para ela no campo da imaginação – o campo que precede as interpretações e consequentemente as ações da esquerda.
“Luiz Inácio Lula da Silva e o próprio PT estão articulando para usar a investigação do Congresso para destruir deputados bolsonaristas supostamente envolvidos na invasão da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro”
De acordo com o site Metrópoles, a bancada do PT acredita ser possível conduzir o viés político da comissão para novos desdobramentos, chegando até o ex-presidente Jair Bolsonaro, relacionando-o a golpistas presos. A pergunta é: alguém já viu uma articulação deste governo dar flagrantemente errado?
Diz a matéria que caso a CPMI seja instalada, a bancada governista vai tentar mostrar quem eram os invasores do 8 de janeiro, buscando acabar com a hipótese, defendida por bolsonaristas, de que haviam “infiltrados” da esquerda naquele movimento. A ideia é focar nos invasores para mostrar que eles eram realmente bolsonaristas e tentar chegar a um elo desses invasores com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Isso será particularmente fácil a partir da facilidade da bancada da direita em admitir que os manifestantes erraram em praticar vandalismo, o que jamais seria admitido pela esquerda caso fosse um ataque do MST.
Diz o jornal Estado de Minas que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que vai investigar os atos de 8 de janeiro colocará, no mesmo time, dois históricos arqui-inimigos políticos: o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), e o líder da Maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL). Ou seja, temos ali dois grandes aliados do governo, ainda alguns prefiram ver Lira como “imprevisível”.
A presidente do PT, Gleisi Hoffman, festejou a matéria do Fantástico deste domingo, que claramente pautou a narrativa petista que será a tônica da CPMI, enquanto bolsonaristas gritam no Twitter e queixam-se inutilmente, como tem sido durante os últimos 4 anos.
“Resumo da ópera, imagens divulgadas pelo Fantástico mostram que CPI vai ser bem ruim pros golpistas. Melhor coisa foi abrir o sigilo desse material. Semana passada foram 100 denunciados, agora STF julga mais 200. Com a CPI vamos pegar o restante. Nada vai ficar incólume depois dessa tentativa de golpe. P.S: Os caras são tão idiotas que agora estão manipulando vídeos pra dizer que Lula presenciou a invasão, sendo que tem provas de que estava em Araraquara. A invenção dessa gente não para de pé”.
Quanto à manipulação de vídeos, desde a posse de Lula circulam pelas redes sociais algumas peças, chamadas de “memes”, que têm figurado nas páginas dos agentes de checagem que trabalham para o governo. As “fake news contra Lula” se avolumam e pouco importa se vieram mesmo da direita ou não: alguma vez neste país vimos a verdade imperar? É sempre a narrativa que vale e a mídia detém todos os meios para fazer valer a sua narrativa, o que significa a narrativa do atual governo.
Portanto, a ideia dessas fake news contra Lula poderá ser ainda um tiro de misericórdia para a ampliação do controle da internet, prometido na campanha e avançando rapidamente a partir dos fatos convenientemente acontecidos após a posse, sem aparentar nenhum revés para o governo.
Costumeiramente, a forma como a direita usa o termo “narrativa” mostra o quanto é inexperiente e ignorante quanto ao papel e o poder da mídia e dos seus atores principais. Tratada, em geral, como sinônimo de falsidade ou de invencionices sobre o que se deseja que seja verdade, o termo narrativa é, na verdade, o esforço para a definição das explicações sobre os fatos. Essas explicações é que vão determinar as ações e por este motivo só importa que as narrativas tenham poder de influenciar aqueles que detém o poder de decisão. A direita acha que a narrativa é um mero discurso de desejo só porque para ela não faz sentido ou é falso. Mas não é para agradar a direita ou convencê-la que a esquerda planta as narrativas. Basta um único agente acreditar nela e ela se torna verdade de fé pública.
A única coisa que poderia, em tese, abalar o governo Lula está sendo completamente deixada de lado pela oposição: o alinhamento de Lula à Rússia, que é o que o prejudicou a imagem em suas viagens e poderia contar com apoio internacional para retirá-lo do poder, em uma consequência otimista. O caminho da CPMI parece o pior e o mais perigoso para a oposição, a partir do qual o PT já decidiu, desde o vazamento das imagens, que será a via principal de perseguição, prisão e destruição da oposição no país.
No entanto, a dinâmica mesma da política partidária, das articulações e o clima de distração narrativa do Twitter, tem levado analistas ligados à oposição, assim como os próprios deputados, a viverem um mundo à parte, um reino em que os fatos comprometedores do governo sempre têm prevalência sobre o assunto, sobre a pauta do país, apesar dos jornais fingirem que nada disso existe e definirem, eles próprios, o que importa de fato. A vitória da verdade e do bem não se dará sem a confissão sincera e cruel do tamanho do problema.