Mesmo com inúmeros alertas feitos já no início da cobertura jornalística da pandemia, em 2020, jornais continuaram impulsionando notícias de maneira sensacionalista, o que diversos especialistas apontam como causa principal do aumento e agravamento de problemas mentais no mundo.
Os maiores veículos do país anunciaram recentemente a mudança na cobertura de massacres em escolas, como o que aconteceu em Blumenau nesta semana, chocando o país. Seguindo orientação de especialistas, os jornais compreenderam que o foco excessivo nas informações do agressor pode levar outros a imitá-los. Mas o efeito negativo da própria notícia policial, que espetaculariza uma espécie de onda de violência, não foi observado pelos especialistas.
Durante a pandemia, o foco exclusivo numa doença vista como mortal e causa de uma tragédia internacional com um risco retratado como onipresente na sociedade levou a um aumento de problemas mentais, conforme vários estudos vêm confirmando. Os jornais ignoraram os alertas feitos no início da pandemia, algo que até mesmo sem nenhum estudo de psicologia social poderia ser previsto.
O documento de Barrington, publicado em 2020, fez um importante alerta para graves riscos à saúde física e mental das políticas adotadas por governos de diversos países e chamou a atenção principalmente para a ideia de esperar uma vacina para flexibilizar as medidas, o que considera extremamente perigoso para os mais frágeis. A imprensa silenciou completamente sobre o alerta, embora seus especialistas tenham feito alertas semelhantes. O tom da imprensa, porém, sempre enaltece as medidas de lockdown para todas as pessoas indiscriminadamente.
A declaração de Barrington, assinada por mais de seis mil médicos e outros 50 mil signatários, pedia que as atividades voltassem imediatamente à normalidade.
“Aqueles que não são vulneráveis devem ser imediatamente autorizados a retomar a vida normal. Medidas simples de higiene, tais como a lavagem das mãos e a permanência em casa quando estão doentes devem ser praticadas por todos para reduzir o limiar de imunidade de grupo”, dizia a declaração.
Apesar de não acusar de fraude científica a pandemia, a declaração de Barrington não fala do uso de máscaras e reduz as medidas de segurança ao mínimo, o que demonstra os mesmos pressupostos dos estudiosos alemães a respeito das formas de contágio, além de expor um nível de certeza a respeito da imunidade de rebanho.
“Manter estas medidas em vigor até que uma vacina esteja disponível causará danos irreparáveis, com os mais desfavorecidos a serem desproporcionalmente prejudicados”, diz o documento.
“Uma abordagem mais compassiva que equilibra os riscos e benefícios de alcançar a imunidade de grupo, é permitir que aqueles que estão em risco mínimo de morte vivam normalmente a sua vida para construir imunidade ao vírus através da infecção natural, ao mesmo tempo que protege melhor aqueles que estão em maior risco. Chamamos a isto Proteção Focalizada”, diz a declaração.
Assim como o documento de Barrington, diversos outros alertas foram publicados e a reação dos jornais e de seus especialistas foi a pior possível. A rotulação de fake news experimentou uma outra epidemia. Acusações disputavam lado a lado as páginas de jornais com a contagem de mortos e prognósticos catastróficos que previam milhares de mortos. Passado o horror da pandemia e não tendo se confirmado os números previstos e alardeados, muitos especialistas desapareceram temendo a cobrança por suas precisões exageradas. Entre eles, a representante farmacêutica Natalia Pasternak, bióloga expulsa do órgão da sua área, e o epidemiologista Pedro Hallal são alguns exemplos de fontes recorrentes da mídia e que, iniciado o ano de 2023, encerraram suas contas no Twitter, principal meio de comunicação que passaram a utilizar na pandemia.
A confirmação
O alerta feito em 2020 se confirmou rapidamente. Diversas matérias médicas e artigos científicos demonstraram a piora no estado de saúde mental, tanto de pessoas já portadoras de problemas quanto no desenvolvimento de problemas, em adultos, idosos e crianças.
O problema também foi tema de um artigo do jornal “The New York Times” publicado em 7 de dezembro de 2020, recordando que o isolamento social e a exposição permanente a um noticiário agressivo que contava mortos diariamente aumentaram os níveis de estresse, ansiedade e depressão entre a população idosa. O artigo cita dados de um estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Geriatria do México, que entrevistou 1.300 idosos durante a pandemia. De acordo com o estudo, 46% dos entrevistados relataram sintomas de ansiedade, enquanto 27% relataram sintomas de depressão. Além disso, 62% dos entrevistados disseram que se sentiam mais solitários do que antes da pandemia.
O impacto negativo na saúde mental dos idosos também foi observado em outros países. Na Itália, que chegou a ser o centro da cobertura no início da pandemia, um estudo conduzido pelo Instituto Superior de Saúde descobriu que a pandemia aumentou a incidência de depressão em idosos em até 30%. Ainda um outro estudo, realizado pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong, descobriu que a pandemia aumentou a prevalência de sintomas de ansiedade em idosos em mais de 50%.
Além disso, a falta de acesso a serviços de saúde mental durante a pandemia agravou ainda mais a situação. Muitos idosos não conseguiram ter acesso a serviços presenciais, o que piorou os quadros. Apesar do crescimento dos serviços online ser hoje um avanço celebrado como resultado positivo da pandemia, isso não ajudou tanto os idosos. Afinal, isso nem sempre é uma opção viável para eles que não têm familiaridade com tecnologia.
Um site especializado em saúde da infância listou os principais problemas advindos quase que exclusivamente das medidas de contenção da pandemia, mais do que pela doença, exatamente como os alertas feitos em 2020 disseram que ocorreria.
Um dos problemas listados pelo site foi que as crianças apresentaram mais problemas de sono e alimentação durante a pandemia, além de manifestações de apego inseguro, produto do que a matéria chamou de “vínculo contaminado pelo medo”, potencializado pelo aumento das preocupações com doenças e morte, resultado da cobertura jornalística.
Além disso, as crianças sofreram com o afastamento de familiares, principalmente dos avós, graças à defesa aberta de medidas de distanciamento. Aquelas em fase pré-escolar perderam o convívio da escola, com aumento dos sintomas de irritabilidade, agitação e falta de atenção, além do atraso em seu letramento e alfabetização, amplificando ansiedades. O uso reiterado de máscaras, tanto entre adultos quanto entre as próprias crianças, gerou atrasos na alfabetização e no aprendizado da fala em crianças, já que nessa idade elas dependem da observação dos movimentos da boca dos adultos. Era fácil imaginar o efeito psicológico do uso das máscaras para as crianças. Elas estão habituadas e necessitam do contato direto durante a fala, parte inicial e básica da comunicação, o que lhes foi negado na pandemia.
Além de terem ficado cerca de dois anos sem frequentar a escola de modo presencial, a imensa maioria das crianças teve uma superexpostas às telas, o que é extremamente prejudicial. Mas o clima de medo não abandonou as crianças facilmente com a volta às aulas: elas tiveram um retorno em clima ainda de tensão e inseguranças que, junto com a instabilidade de familiares e professores, somaram mais impactos emocionais. Nas salas de aulas, obrigadas a usar máscaras, permaneceram cativas no ambiente de histeria e medo provocado e alimentado nas páginas de jornais lidas por pais e professores como se fossem verdadeiros guias de comportamento.
Evidentemente, as crianças mais vulneráveis em seu desenvolvimento e as crianças com deficiências foram ainda mais afetadas, ja que a rede de apoio profissional foi interrompida, o que levou a prejuízos cognitivos, psicomotores e de inclusão social. A indiferença social diante dessas circunstâncias e necessidades das crianças trouxe ainda mais patologização e consequente medicalização, incluindo aí as medicações psiquiátricas que tiveram seu uso ampliado imensamente.
Todos esses problemas sofridos pelas crianças tiveram um impacto muito maior do que a perda eventual de avós ou pessoas próximas pela doença. Quando houve o problema da perda, as condições precárias da vida social pioraram ainda mais o sofrimento vivido e impedia que as crianças recorressem aos meios usuais para lidar com a perda, como amigos, familiares e vida social normalizada. Com risco quase nulo para crianças, a doença foi usada como justificativa para criar problemas que poderão afetar uma vida inteira. O medo dos adultos vitimou as crianças.
Além das crianças, os idosos sofreram com os efeitos da cobertura noticiosa sensacionalista dos jornais. De acordo com um estudo conduzido pela Associação Brasileira de Psiquiatria em 2020, 73% dos idosos entrevistados se sentiam mais ansiosos e estressados devido às notícias na pandemia. Além disso, um estudo da Universidade de Yale descobriu que a exposição a notícias negativas aumenta a produção do hormônio cortisol, que pode causar depressão e outros problemas de saúde mental. Será que os jornalistas nas redações não foram avisados sobre isso? O artigo foi publicado já em 2020, mas a mídia não parou.
O medo da doença, amplificado pelos jornais, trouxe inúmeros malefícios sociais ao longo da pandemia. Alguns idosos também têm medo de contrair o vírus e morrer sozinhos, o que criou ainda mais ansiedade e estresse.