Antipolis é uma anticidade. Desgovernada por um anti-governo, cujo anti-líder é um anarquista chamado Antagonista. Ele subiu ao poder, ou melhor desceu ao humilde serviço da comunidade oprimida, aos 23 anos, quando ainda tinha um nome próprio, depois que um policial o espancou na avenida principal no meio de um protesto contra os preços das passagens de táxi. Com o rosto desfigurado pelas agressões, virou símbolo da luta antiautoridade e antigoverno, mantida pelos legionários a Liga Antipolícia e Antisegurança (Liganti). Seu rosto foi aos poucos se consagrando em um ícone da política anti-identitária, que combate, em todas as esferas da existência, o princípio da identidade, segundo o qual as coisas são aquilo que são e não aquilo que querem ser. Todos os pelotões da Liganti foram unânimes em declarar o Antagonista como símbolo máximo da luta de todos contra todos, que resultou na nomeação dele como antigovernador para enfim desgovernar a antissociedade de Antipolis, uma cidade que começou como proposta utópica de oposição a toda forma de autoridade e presunção de superioridade ou hierarquia na sociedade e na natureza. Desde então, instituiu-se a política do Partido do Negativo (PdN), originado de um movimento ultrautópico, convertido em antiutópico, que nega a existência de tudo o que estiver fora da permanente mutabilidade autodeterminante social.
A primeira medida de seu gabinete (sem demérito das que vieram depois, pois ninguém nem nada é melhor que alguém ou alguma coisa por conta de ordem cronológica, o que implicaria numa hierarquia) foi desmobilizar as velhas forças de segurança que exerciam o poder usurpador, criando a Junta Especial Antipoder, para assegurar a emancipação de comunidades visando a implantação do Projeto de Ampliação Igualitária da Solidariedade (PAIS). Este projeto exigiu a formação de um Grupo Solidário, que atuava na conscientização popular mediante estratégias de Desarmamento de Conflitos. Para efetivar tal intento, os membros do grupo, formado por voluntários, visitava as residências e conversava com as pessoas para saber sobre suas convicções. Caso se encontrasse no meio deles algum dos catalogados tipos de Conflito Psicológico (CP), nome dado a crenças arraigadas ou posições demasiado irredutíveis a respeito de papéis sociais, hierarquia ou relações de poder que levassem a imposição de determinados comportamentos domésticos, os voluntários tratavam de dissuadir tais ameaças mediante ferramentas de Apoio Moral e de gestão de conflitos, os chamados Meios de Suspensão das Tensões e Realinhamento de Valores Pessoais, delimitados pelo programa desgovernamental antipolítico e antiautoritário nomeado de Programa Alternativo de Unificação Social (PAUS). O atendimento humanizado era realizado através do diálogo incessante e ininterrupto. Para os casos mais graves, foi criado o Laboratório Ouvidor de Benevolência Organizada para Tratamento Objetivo, Mobilização Individual e Coletivo (Lobotimic).
Cientistas do laboratório chegaram a conclusões, após longos estudos, que as convicções eram causadas pelo fluxo de impulsos elétricos no cérebro, o que ecoava pelo sistema nervoso central fazendo com que se materializasse em atos políticos. A partir da Ciência, foi possível se chegar a métodos de dissuasão dessas manifestações. Portanto, quando os conflitos pareciam irredutíveis, tornava-se necessário utilizar métodos de humanização afirmativa, ferramenta que se valia da tecnologia de última geração para paralisar e interromper ações políticas com potencialidades violentas mediante impulsos eletromagnéticos em direção oposta. Essa estratégia foi muito bem sucedida quando, no passado, grupos de força tentavam impor suas opiniões autoritárias por meio de palavras persuasivas, o que evidentemente atentava contra a consciência popular das liberdades coletivas da antissociedade democrática de Antipolis. Na ocasião, optou-se por desmobilizar os autoritários utilizando-se a própria energia de suas próprias convicções, materializada em impulsos elétricos de alta intensidade, de maneira a desmotivar rebeliões originadas no sistema nervoso, que pudessem oferecer riscos ao desgoverno rebelde legitimamente aceito por aclamação coletiva solidária.
A reação, nome dado à disfunção social que levava ao questionamento da antiautoridade, tornaram-se uma das maiores ameaças à efetivação dos antiprojetos de antipoder a serem implementados naquela comunidade. Isso porque a reação era sempre uma resposta dos que pretendiam manter velhos privilégios, como sobrepor direitos individuais aos coletivos, o que inevitavelmente levaria à desigualdade e, portanto, infelicidade social e geral, resultado oposto à meta central de Antopolis.