Na última terça-feira (7 de março), o regime autoritário da Nicarágua abalou o cenário político e cultural ao anunciar o fechamento de duas prestigiadas universidades ligadas à Igreja Católica no país. A Universidade Juan Pablo II, com sedes em Manágua e outras quatro cidades, e a Universidade Autônoma Cristã da Nicarágua (Ucan), que opera em León e outras cinco cidades, foram subitamente dissolvidas pelo Ministério do Interior sob a alegação de “descumprimento das leis que as regulam” e de “dificultarem o controle e a fiscalização da Direção-Geral de Registo e Controle de Entidades Sem Fins Lucrativos”.
Equiparado ao nazismo pelas Nações Unidas, o governo da Nicarágua vem acirrando a perseguição a religiosos e entidades de oposição ao ditador Daniel Ortega, amigo e companheiro de Lula e do Partido dos Trabalhadores.
A notícia gerou uma onda de indignação entre a oposição política, organizações de direitos humanos e membros da Igreja Católica, que veem a medida como mais uma ação arbitrária do governo de Daniel Ortega em sua tentativa de consolidar o controle do poder e reprimir a dissidência. Para muitos, o fechamento das universidades é um ataque direto à liberdade acadêmica e à educação como um direito humano fundamental.
As universidades agora fechadas têm um longo histórico de excelência acadêmica e compromisso com a promoção da justiça social e dos valores cristãos. A Universidade Juan Pablo II, por exemplo, é conhecida por sua ênfase na ética e na teologia, enquanto a Ucan se dedica a promover a educação superior acessível e de qualidade para estudantes de baixa renda.
Para muitos, a decisão do governo nicaraguense é vista como uma escalada na perseguição política contra a oposição e a sociedade civil.
Em um relatório publicado recentemente pela ONU, o pesquisador Jan-Michael Simon comparou as ações da ditadura com o nazismo, dizendo:
“O uso do sistema de Justiça contra oponentes políticos da maneira que é feito na Nicarágua é exatamente o que o regime nazista fez”, afirmou.
Simon mencionou, por exemplo, a mais recente medida do regime de retirar a nacionalidade de mais de 300 opositores e enviar alguns deles, que eram presos políticos em Manágua, para os Estados Unidos. “Foi exatamente isso que os nazistas também fizeram no passado.”
O relatório divulgado pela comissão, com mais de 40 páginas, oferece um panorama de graves violações de direitos humanos no país centro-americano desde 2018, quando uma mobilização contra uma reforma da Previdência Social catalisou protestos contra o regime e despertou repressão massiva, relatou a Folha de S.Paulo.
Conflito histórico
O conflito entre a esquerda na Nicarágua e a Igreja Católica é uma das contendas mais significativas da história da América Central. A tensão entre esses dois grupos remonta aos anos 1960 e 1970, quando a Teologia da Libertação ganhou força na América Latina. Essa corrente teológica propunha uma abordagem política e social para a religião, enfatizando a luta contra a pobreza e a injustiça social.
No entanto, no contexto da Guerra Fria, a Igreja Católica da Nicarágua foi vista como um aliado do governo americano e da direita. O país estava sob o controle da família Somoza, que governou com mão de ferro por décadas, e a Igreja era vista como uma instituição conservadora que não apoiava a revolução socialista que estava sendo liderada pelos sandinistas.
Quando os sandinistas finalmente derrubaram o governo de Somoza em 1979, eles se encontraram em um conflito direto com a Igreja Católica da Nicarágua. O novo governo estava implementando reformas socialistas e nacionalizando a terra e a indústria, o que ia contra os interesses da Igreja e dos proprietários de terra. Além disso, os sandinistas estavam promovendo a educação sexual e a contracepção, o que ia contra as doutrinas católicas.
O conflito se intensificou em 1983, quando o Papa João Paulo II visitou a Nicarágua e criticou o governo sandinista. Ele acusou o governo de violar os direitos humanos e restringir a liberdade religiosa. Os sandinistas responderam, acusando o Papa de estar do lado dos ricos e dos poderosos e de ignorar a luta dos pobres e dos oprimidos.
O conflito entre a esquerda e a Igreja Católica não foi exclusivo da Nicarágua. Em toda a América Latina, a Teologia da Libertação estava desafiando o status quo e a Igreja estava sendo vista como uma força política e social. Em alguns casos, a Igreja se aliou aos governos de direita para combater a esquerda, enquanto em outros casos, a Igreja apoiou a luta dos pobres e dos oprimidos contra a opressão.
Na Argentina, por exemplo, a Igreja Católica apoiou o governo militar que governou o país de 1976 a 1983. Durante esse período, o governo cometeu inúmeras violações dos direitos humanos, incluindo tortura e assassinato de dissidentes políticos. A Igreja foi acusada de não falar em nome das vítimas e de não apoiar os movimentos populares que lutavam contra a ditadura.
Já em El Salvador, a Igreja Católica apoiou a luta dos pobres e dos oprimidos contra o governo militar que governou o país de 1979 a 1992. Durante esse período, a guerra civil deixou mais de 75 mil mortos e a Igreja foi fundamental na luta pelos direitos humanos e na defesa dos pobres e dos oprimidos.
O conflito histórico entre a esquerda na Nicarágua e a Igreja Católica é um reflexo das tensões políticas e sociais que permearam toda a América Latina durante o século XX. A ligação da elite do clero católico com a esquerda muitas vezes colocou a Igreja em oposição aos conservadores, em termos doutrinais e intelectuais, mas também em relação à direita política, militarista. No entanto, a postura muitas vezes conciliatória da Igreja também gerou críticas de grupos de esquerda que a acusavam de ser conivente com as injustiças sociais e de não apoiar a luta dos mais pobres.
O governo de Daniel Ortega, que governa a Nicarágua desde 2007, tem sido criticado por violações dos direitos humanos e por reprimir a oposição política e a liberdade de imprensa. Em 2018, a Igreja Católica da Nicarágua desempenhou um papel importante nas manifestações populares que exigiam a renúncia de Ortega. Esse fator acabou provocando a ira do ditador contra as instituições religiosas mantidas pela Igreja, provocando a onda de perseguição que vemos hoje.