A aprovação do projeto de lei número 3179/2012, de autoria da deputada Luisa Canziani (PSD), na Câmara, pode finalmente regulamentar a atividade do ensino domiciliar no país se aprovada no Senado. Mas o projeto ainda precisa enfrentar a forte estrutura de lobby contrária para a aprovação no Senado. Interesses privados e ideológicos se unem em ONGs e movimentos para boicotar o avanço da pauta no Legislativo.
Depois de ser considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que recomendou uma legislação a respeito, a educação domiciliar foi finalmente aprovada por 264 votos a favor e 144 contrários. Mas a aprovação que foi comemorada por milhares de famílias praticantes e perseguidas juridicamente por ativistas e opositores à prática educacional vai precisar lidar com o poderoso obstáculo de grupos organizados que atuam em gabinetes de parlamentares.
Entre os inimigos do homeschooling estão uma infinidade de entidades e grupos financiados nacional e internacionalmente com grande interesse nos investimentos em educação. Entre os inimigos, o interesse corporativo é especialmente atuante. Em entrevista ao jornal Brasil Sem Medo durante o CPAC 2022, a pedagoga Ilona Becskeházy falou sobre as entidades que não estão preocupadas com crianças, mas com matrículas.
No final de maio, pouco antes da aprovação histórica na Câmara dos Deputados, o projeto que dá direito ao chamado homeschooling foi alvo de ataques de nada menos que 400 entidades, que assinaram um manifesto contra a regulamentação deste direito às famílias.
Entre os argumentos listados no manifesto, o grupo alegava que a educação domiciliar “amplia a desobrigação do Estado com a garantia do direito humano à educação de qualidade para todas as pessoas e fere os direitos das crianças e adolescentes”.
Entre as entidades que assinam o manifesto estão pelo menos cinco grupos ligados à agenda de gênero, como a Aliança Nacional LGBTI+, a Antra – Associação Nacional De Travestis E Transexuais, Associação Brasileira De Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis E Transexuais (Abglt), entre outros. A presença dessas associações mostra a vinculação da oposição ao homeschooling com pautas como a ideologia de gênero, tese cuja principal função tem sido a de relativizar e restringir o papel dos pais na educação dos filhos. Além destes, há grupos sindicais de professores, indigenistas e quilombolas, muitos deles financiados internacionalmente por filantropos progressistas como o bilionário George Soros e a Fundação Ford, dois dos maiores investidores externos em pautas ideológicas ligadas à educação e comunicação no Brasil.
“Todos contra a educação domiciliar”
Já a ONG Todos pela Educação, financiada por grupos como a Fundação Lemann, do bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, têm grande atuação no Congresso Nacional e exercem poderosa influência em uma série de pautas, entre elas a área educacional, foco de investimento desses grupos. Dentro dos gabinetes, em reuniões discretas com parlamentares, eles direcionam as discussões e articulam obstáculos e boicotes. A ONG é de propriedade da empresária, administradora e ativista Priscila Cruz. Procurada, a assessoria da ativista não quis responder a questionamentos sobre o modo de atuação da entidade no Congresso. No entanto, em seu site o grupo admite praticar o advocacy, espécie de lobby ligado a causas que geralmente é financiado por entidades corporativas interessados na agenda.
Depois que o projeto foi aprovado na Câmara, o Todos pela Educação emitiu uma nota criticando diretamente os parlamentares e pedindo que o Senado rejeite a pauta.
“Ainda que o tema da educação domiciliar mereça melhor regulamentação para casos excepcionais, não é isso que o PL 3179/12 faz. Pelo contrário, ele avança para uma regulamentação que, caso aprovada pelo Senado Federal, permitirá a adoção da prática de forma generalizada, sem que haja necessidade de justificativa para tanto”, diz trecho da nota enviada ao Congresso Nacional.
O relator do projeto no Senado, o senador Flávio Arns (Podemos-PR), enviou um estranho requerimento pedindo nada menos que um ciclo de oito audiências públicas sobre o tema, com o claro objetivo de procrastinar a matéria até ser impedida de ser votada antes das eleições. O requerimento chegou a ir para a mesa da Comissão de Educação do Senado, mas não foi votado porque o presidente da Comissão, o senador Marcelo Castro (MDB-RJ), se ausentou deixando a presidência para o senador Esperidião Amin, que reclamou da “fuga” de Castro ao deixar, segundo Amin, “uma bomba sobre a mesa”.
O requerimento acabou não sendo votado, mas exigia um mínimo de 56 pessoas ligadas à educação para a discussão, mais da metade delas composta por pessoas conhecidamente contrárias ao projeto. O número de audiências públicas exigidas ultrapassa o normal para o Senado. Questionado sobre isso, Arns disse que não irá mais se manifestar antes da votação na casa. Segundo fontes do Parlamento, Arns havia tido uma reunião com a ONG Todos pela Educação pouco antes de protocolar o requerimento.
A ONG está inserida em uma complexa estrutura de grupos privados e movimentos ideológicos, unidos pela centralização de pautas educacionais. Além da Fundação Lemann, a organização também conta com grandes mantenedores como a Fundação Educar, mas também de fora da pauta educacional como a Gol, Itaú Social, Fundação Bradesco, Fundação Volkwagen, Fundação Vale, Unibanco, Instituto Natura, entre muitos outros.
Já na lista dos apoiadores, grupos como a Fundação Roberto Marinho, Votorantim, Suzano e Burger King aparecem na lista.
Quem são e o que temem os inimigos da educação domiciliar?
Na mídia, os inimigos da educação domiciliar buscam retratar a prática como “controversa”. É dessa forma que o tema vem sendo tratado nas últimas semanas. De acordo com a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (ANED), há dois grupos principais que temem a regulamentação do homeschooling. Interesses privados e crenças ideológicas motivam a resistência à prática que já é regulamentada em vários países do mundo, a maioria deles desenvolvidos.
É o que explica o advogado Alexandre Magno Fernandes Moreira, coordenador jurídico da ANED. Moreira recorda que o lado ideológico tem relação com a crença de que o desenvolvimento humano é uma função fundamental do estado, mais especificamente da educação pública. Essa concepção, segundo ele, está ligada à herança positivista do Brasil e a crença de que o processo civilizatório é uma tarefa estatal.
“A educação domiciliar é a educação mais privada que existe. Isso significa que se ela for oficializada nós teremos uma modalidade de educação com a menor possibilidade de interferência estatal”, explica o advogado, acrescentando que, para segmentos políticos da esquerda isso é algo inconcebível e até uma afronta.
Para a esquerda, todo o processo civilizatório passa pelo estado e pela escola. A esquerda não considera que a educação seja um ‘direito dos pais’, mas uma espécie de serviço público e que, no máximo, os pais seriam um tipo de delegados do poder público atuando em nome do estado na educação dos próprios filhos”, explica Moreira.
Alexandre explica que para a esquerda a ausência da escola significaria um caos em que não haveria cidadãos conscientes.
“É uma ideologia que vem desde a República. ‘Lugar de criança é na escola’, isso tem a ver com o positivismo da proclamação da República e foi muito arraigado com a dominação da esquerda nas escolas a partir da década de 1970”, conta Moreira, recordando da influência do movimento estudantil na política brasileira recente. Perder o controle da escola, neste sentido, representaria perdas políticas significantes.
Já o interesse corporativo é representado por grupos e associações ligados ao ensino privado, responsável por grande investimento em educação. Eles vêem a educação domiciliar como uma ameaça no sentido de perda de matrículas, levando a perdas financeiras.
Segundo Moreira, essa ameaça no Brasil ainda é muito distante, já que apenas uma minoria pratica do homeschooling. No entanto, ele ressalta que nos EUA isso já é uma realidade, o que desperta o medo no setor de escolas privadas. Ele recorda que no estado americano da Carolina do Norte, por exemplo, o número de estudantes domiciliares já ultrapassa o de alunos em escolas privadas.
Os grupos ideológicos e os privados se unem contra o homeschooling devido ao inimigo comum, ressalta do advogado da ANED.
“O maior medo dos adversários da educação domiciliar é sua oficialização e não a modalidade de ensino em si. Eles sabem que não têm controle sobre a opção das famílias, o que eles querem é evitar a deslegitimação de todo o sistema educacional, especialmente o público”, explica Moreira.
O número de famílias que praticam o homeschooling é incerto no Brasil. De acordo com a ANED, este número, que já vinha crescendo anos antes, experimentou um espantoso aumento após o início da pandemia. Mas esse aumento também pode ser apontado como um resultado do trabalho de entidades como a Classical Conversations, grupo de apoio a famílias educadoras.
Agora, os grupos de interesse que compõem essa grande estrutura de lobby precisa impedir o avanço dessa pauta no Senado se quiserem manter o processo de centralização da educação no país, o que vai tornando a luta das famílias educadoras mais difícil conforme a pauta avança no país.